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Kaio

 

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31 julho 2020

Debutante

Se o post passado foi sobre meu 30º aniversário, o de hoje é sobre o 15º ano deste blog. Ou seja, metade da minha vida até agora está de alguma maneira narrada e descrita em Racio Símio.

Já no primeiro post (o qual, quando releio, me causa ao mesmo tempo vergonha e nostalgia, rs) eu anunciava a intenção de este ser o meu blog "verdadeiro", "definitivo". Esta promessa foi cumprida. O mesmo se pode dizer sobre certos valores e posturas do Kaio de Julho de 2005? Em geral, sim:

1. Sua convicta ideologia socialista sofreria um abalo poucas semanas depois, tanto por leituras quanto por debates, e a gradual transição para o libertarianismo seria devidamente registrada ao longo de várias postagens. Este, por sua vez, seria levemente flexionado à direita em meados de 2012, quando Kaio (sim, vou retomar meu hábito orkutiano de falar de si mesmo em 3ª pessoa) passou a se considerar um liberal-conservador. No início de 2018, diante da ascensão do olavismo-bolsonarismo, nova mudança: voltou a se considerar "apenas" um liberal e migrou da direita para o centro.
2. Sua arrogância e prepotência continuariam por pelo menos mais dois anos e meio, até que, já no primeiro ano de UnB, a expansão de seu círculo social durante o primeiro ano de UnB o fez sair um pouco da sua bolha e ter uma postura menos defensiva e intransigente - como demonstram posts como este.
3. A vida amorosa continuaria em branco por mais quatro anos - sim, Kaio só foi ter seu primeiro beijo em 2009! Foi um relacionamento turbulento, o que em parte explica por que o blog ficou quatro meses sem ser atualizado (na verdade três, mas o post solitário de Outubro não conta muito porque era um trabalho de Política Brasileira 2). Seguiu-se uma fase solteira de dois anos e meio, um namoro-relâmpago, uma curta fossa e enfim o "happy ending", quando conheceu Carolina numa festa. Daqui a algumas semanas eles completarão 8 anos de relacionamento.
4. O "rockismo" seria severamente atenuado - primeiro Kaio F. saiu da ortodoxia do rock clássico ao começar a gostar de bandas indie meses depois; no ano seguinte, começaria a ouvir música eletrônica e até um pouco de jazz e música clássica; por fim, já na época universitária, perdeu o preconceito com música pop, e até hoje mantém alguns "guilty pleasures" no seu gosto musical. Mesmo o vício recente em rock progressivo não foi uma adesão dogmática, e sim uma ampliação pluralista.
5. O preconceito com redes sociais duraria poucos dias, pois já em Agosto começou a usar (e se viciar) no Orkut, e o mesmo ocorreria com Twitter, Facebook e WhatsApp (meses atrás de ele até precisou sair um grupo de política no qual estava desde 2016 para poder se concentrar mais nos estudos).
6. O ateísmo, que parecia tão sólido, aos poucos se condensaria em agnosticismo, ao qual se seguiu um longo flerte com o cristianismo, que enfim resultaria em uma conversão ao catolicismo - incompleta, é verdade, pois só fez a 1ª comunhão e desde o início do ano passado quase não foi à missa; ou seja, no momento Kaio é um "católico não-praticante", um produto tipicamente brasileiro.
7. A postura misantrópica ("nunca vai em festas e baladas") durou apenas três semanas, pois Kaio F. foi ao  festival de bandas independentes Rock In Sopa no Martim Cererê, e adorou. Dali em diante ele passou a sair mais, embora seu comportamento nesses eventos ainda fosse meio "autista". Eis outro comportamento que só seria corrigido na época de faculdade, onde não só ficou mais sociável, como chegou a ter uma vida noturna bem movimentada.

E o que se manteve? 
1. A nerdice e a empolgação com as descobertas literárias, musicais, filosóficas etc.
2. As resenhas de discos, que estão agora tanto no próprio Racio Símio quanto no perfil do Album of the Year.
3. O narcisismo, afinal Kaio continua adorando falar de si mesmo.

No próximo post farei uma retrospectiva dos melhores textos no blog desde 2015, com isso criando um CD 3 para a coletânea dupla feita em 2014.

22 julho 2020

Balzaquiano

 De Repente 30... ou 13?


Há cerca de três semanas, no dia 29, completei meu 30º aniversário. Enfim alcancei a faixa etária que ficou associada a um famoso livro de Balzac, A Mulher de Trinta Anos. A propósito, assim que terminar minha 2ª tese de doutorado vou poder ler alguns romances longos (O Homem sem Qualidades, estou olhando para você), dentre eles um deste escritor francês: Ilusões Perdidas.
Passei boa parte do dia do meu aniversário escolhendo games no Steam para aproveitar a promoção de inverno (além das promoções na casa dos 70%, compras acima de R$ 60 teriam desconto de R$ 10). Mais da metade foram RPGs táticos (Shining Force I e II, Disgaea 1 e 2 e Fell Seal: Arbiter's Mark), refletindo o meu vício em Final Fantasy Tactics. Além disso, também levei  dois jogos clássicos da Sega (Sonic CD e Nights into Dreams...) e Final Fantasy VII - enfim descobrirei por que ele é tão aclamado. Uma semana depois, no dia 5, acabei pegando mais um jogo: Sonic 3 & Knuckles.
Acho curioso como minhas nerdices funcionam em ciclos. Dos 11 aos 13 anos eu era viciado em revistas de videogame; dos 13 aos 15, em livros didáticos de ensino médio; dos 15 aos 17, em livros de bolso; dos 16 aos 18, em estatísticas de vendas de games; dos 18 aos 25 anos, livros acadêmicos; dos 25 aos 29, CDs; por fim, nos meus primeiros dias com 30 anos, parece que a nerdice da vez é... games (com ênfase em RPGs táticos).
Talvez eu precise controlar um pouco meu "impulso acadêmico" que está sendo direcionado aos jogos eletrônicos, pois tenho uma tese de doutorado para terminar até Novembro e defender em Dezembro - e gastar o dia inteiro jogando ou lendo sobre games, como fiz algumas vezes nos últimos dias, não parece ser uma boa idéia.
Por outro lado, talvez seja meu corpo e minha mente pedindo férias depois de três meses de muitas leituras e fichamentos para a tese. Só percebi a dimensão do tanto que estudei quando preparei uma justificativa para o meu orientador para pedir a extensão do prazo para a defesa. Minha namorada me ajudou a fazer cronogramas mensais, e em geral segui bem eles; por exemplo, enfim terminei de ler (e fichar) livros e artigos importantes para o meu tema de pesquisa cuja leitura estava pendente desde 2018, como Thought and Change (Ernest Gellner) e Rousseau e Weber (José Guilherme Merquior).
De toda forma, vou aproveitar que domingo passado zerei Final Fantasy Tactics (mais sobre ele daqui a pouco) e enfim decidi qual jogarei em seguida (Chrono Trigger, que tal como FFT comprei em 2015 e ainda não tinha terminado) para diminuir o tempo diário que passo lendo sobre o assunto no GameFAQs, no VGChartz, na Wikipedia etc. Tenho cinco capítulos (além da introdução e conclusão) para escrever em quatro meses, e não posso perder o ótimo ritmo de estudos que adquiri desde o início de Abril.

Entrando na reta final do segundo doutorado


Se por um lado entrei na década balzaquiana bem jovial, jogando mais videogame do que joguei nos últimos anos, por outro estou fazendo algo mais "sério" e condizente com a idade: um doutorado em História pela PUC-Rio para terminar até o fim do ano (até aproveitando que, com a pandemia, os concursos estão parados).
Nem parece que estou tão perto de completar mais essa etapa. Houve vários momentos em que eu poderia ter largado esse 2º doutorado, afinal ele estava me deixando bem ansioso porque eu sempre tinha coisas pra fazer antes de me dedicar plenamente a ele; até 2018, o primeiro doutorado, no IESP, e em 2019, os concursos para professor adjunto. 
Fico até meio mal de falar isso para as pessoas, pois pode parecer que estou minimizando a situação trágica atual, mas pelo menos no meu caso a quarentena me ajudou a ter um foco e uma disposição para estudos que eu não tinha desde 2016. Mesmo a reta final do 1º doutorado foi mais na base da correria do que na da inspiração.
Enfim, acho que minha 2ª tese será mais autoral e teórica do que a primeira; em vez de fazer um panorama da obra de Merquior, vou avançar uma interpretação sobre o seu pensamento, discutindo o que seria a sua filosofia da história. Para quem quiser ter uma noção do meu tema, recomendo ler "A Prosa de um Liberal Neoiluminista", o posfácio que escrevi para a nova edição de O Argumento Liberal, publicada em Março desse ano pela É Realizações.

Final Fantasy Tactics - uma cronologia da minha jornada


28/5 - Aproveitando que minha namorada começou a jogar Final Fantasy XII no Switch, enfim comecei minha aventura em Final Fantasy Tactics: The War of the Lions (PSP). Ambos se passam em Ivalice, até porque o diretor é o mesmo (Yasumi Matsuno, que também dirigiu outro game que adoro, Tactics Ogre: Let Us Cling Together).
Obs.: ela acabou trocando FF XII por Skyrim poucos dias depois, rs,
11/6 - Depois de perder várias vezes em Dorter (Slums), percebi que meus personagens estavam precisando ganhar mais experiência e que eu precisava ler mais sobre as mecânicas do jogo. Descobri que muita gente também sofreu nessa batalha (deve ser tipo o divisor de águas em FFT; a dificuldade te obriga a estudar pra valer o job system e a preparar melhor as estratégias de batalha), então deram várias dicas; além disso, li dois guias muito bons. Enfim aprendi a ensinar abilities para os meus personagens; o jogo tem tantos menus que fiquei meio perdido para descobrir as coisas, rs. O bom ter feito muito grinding em Mandalia Plain é que acumulei muitos Job Points para aprender abilities. Venci Dorter (Slums) tranquilamente depois desse treinamento - e a fase seguinte, Zeklaus Desert, também foi sem maiores dificuldades. O melhor momento foi quando meu Black Mage acertou três inimigos de uma só vez com seu Thunder, rs.
27/6 - Terminei o 3º dos 4 capítulos. Como vi no guia da GameFAQs que as 3 últimas batalhas (Riovanes Castle) seriam consecutivas e difíceis, preparei-me bastante. Deixei todos os personagens no lv. 35 (exceto a Agrias, lv. 32) e adquiri várias habilidades durante o treinamento. Acabou que a batalha 1x1 com Wiegraf (que dizem ser uma das mais difíceis do jogo) foi bem tranquila. Perdi na 1ª vez usando o jog Geomancer, mas aí fui como Knight e venci ele em 4 golpes. Nem adiantou ele ter me deixado com Silence (isto é, incapaz de soltar magia) logo no 1º golpe. Ajudou o fato de que coloquei Auto-Potion no Ramza (personagem principal), e com Hi-Potion (que recupera 150 HP) eu cobria todo o dano que ele tirava de mim com os golpes dele (140 HP). Além disso, Knight tem boa esquiva, e defendi um contra-ataque dele que ia tirar um bom dano. Meu time está ficando bem apelão, com uma Ninja/Chemist, um Monk com Dual Wield (habilidade ninja que permite golpe duplo), uma Knight (Agrias) com abilities de Holy Knight, uma Black Mage com poderes de Summoner e o protagonista, que estou treinando para virar um Dark Knight.
10/7 - Quando parecia que Final Fantasy Tactics estava ficando meio fácil (meu time está bem OP, em especial Orlandeau e a Black Mage/Arithmetician), eis que uma side quest me dá uma boa dor de cabeça: The Cursed Isle of Nelveska. Tentei por horas e desisti, vou voltar pro grinding, rs.
13/7 - Consegui fazer a quest! Treinei bastante, e já no começo da batalha usei uma estratégia bem agressiva para me livrar do máximo de inimigos. Aí cerquei o Construct 7 e fiquei drenando a velocidade e o ataque dele com 3 Knights enquanto o Beowulf pegava os 4 itens raros.
14/7 - Após mais de um mês jogando FFT, finalmente liberei o job Dark Knight para o meu personagem principal (Ramza)! Foi um treinamento árduo; precisei elevá-lo ao nível máximo de 6 outros jobs (sendo que em 2 deles - Knight e Black Mage - ainda precisei adquirir todas as abilities).
19/7 - Passei a tarde jogando. Estou bem perto do desfecho do jogo: já fiz 4 das 6 batalhas da sequência final (Orbonne Monastery). Parei para jantar, jogar um pouco de Skyrim (comecei dia desses; hoje matei meu primeiro dragão, rs) e agora vou fazer as 2 últimas batalhas. À noite zerei Final Fantasy Tactics. Que jogo! Foram quase 2 meses de uma jornada incrível. Destaques: o instigante job system; as batalhas desafiadoras; e, é claro, o enredo cheio de intrigas políticas, e que foi inspirado na Guerra das Duas Rosas (a mesma que inspirou Game of Thrones).
20/7 - Fiquei o dia inteiro lendo e vendo vídeos sobre o jogo. Um dos que mais gostei foi este, que contém a seguinte frase de um dos entrevistados: “Final Fantasy Tactics is the greatest SRPG that will ever exist for one reason: The arithmetician." Assino embaixo. Deu trabalho treinar minha maga até ela liberar todos os algoritmos, mas quando terminei ela ficou imbatível, decidindo várias batalhas.

21 julho 2020

Looked beyond the day in hand, there's nothing there at all




Há 40 anos, em 18 de Julho de 1980, foi lançado Closer, o segundo álbum do Joy Division. Na minha opinião, este é o melhor disco dos anos 80 e um dos 5 melhores de todos os tempos.
A tragédia que o antecedeu (dois meses antes do lançamento Ian Curtis, vocalista e letrista da banda, tirou a própria vida) tornou impossível dissociar as letras e melodias de uma forte morbidez, mas Closer é uma obra-prima que transcende este soturno contexto: é a culminação da evolução estética da banda desde Unknown Pleasures e dos singles intermediários, "Transmission", "Atmosphere" e "Love Will Tear Us Apart" - e faixas como "Isolation" e "Decades" já indicam a direção musical que Peter Hook, Bernard Sumner e Stephen Morris irão tomar em seu projeto pós-Joy Division: o New Order.
Escrevi alguns parágrafos sobre Closer em um artigo de 2014 intitulado New Dawn Fades: uma abordagem estética e sociológica do Joy Division, escrito para uma disciplina de Letras da UERJ e publicado na revista eletrônica Polivox:

"O Joy Division alcançou seu ápice lírico e sonoro em seu segundo álbum, Closer. Gravado em março de 1980 sob 'um estranho clima social' (devido ao comportamento misterioso de Ian Curtis, cuja vulnerabilidade emocional fora potencializada pelo uso de barbitúricos, prescritos para controlar sua epilepsia), este disco é, segundo o produtor Martin Hannett, cabalístico, fechado em seu próprio mundo misterioso. Suas texturas são mais etéreas e experimentais que as de Unknown Pleasures, além de evocarem austeridade e (ainda mais) claustrofobia. A própria capa do disco é uma obra de arte: ela foi feita a partir de uma fotografia da tumba da família Apini no Cemitério Monumental de Staglieno, em Genoa (Itália).
Uma das melhores faixas de Closer é 'Isolation'. Conduzida pela melodia monolítica do contrabaixo, os teclados e as várias camadas de bateria acústica e eletrônica lhe dão uma sonoridade paradoxalmente dançante e depressiva. Sua letra é uma dolorosa confissão: 

'Mother I tried please believe me, 
I'm doing the best that I can. 
I'm ashamed of the things I've been put through, 
I'm ashamed of the person I am.'

Há no disco uma canção que se aproxima daquilo que Adorno entende por dissonância: 'Atrocity Exhibition'. Em Teoria Estética, este filósofo afirma que a dissonância, 'sinal de todo modernismo', admite a atração do sensível 'ao mesmo tempo [em] que o transfigura no seu contrário, a dor'. Além disso, ela 'a partir do interior confere à obra de arte o que a sociologia vulgar chama a sua alienação social'; como reação a uma sociedade cada vez mais inumana, a obra dissonante rebela-se contra a aparência em prol da expressão e 'petrifica-se em material indiferente', insensível. No caso de 'Atrocity Exhibition', o que temos é uma música fraturada e agonizante, marcada por uma bateria tribal, uma guitarra tão distorcida que soa como um ranger de dentes e versos que evocam imagens sangrentas: o eu-lírico alterna entre ser o diretor do show de horrores e ser ele próprio a aberração que serve de entretenimento macabro: 

'For entertainment they watch his body twist, 
Behind his eyes he says, “I still exist.” (…) 
In arenas he kills for a prize, 
Wins a minute to add to his life. 
But the sickness is drowned by cries for more, 
Pray to God, make it quick, watch him fall.'

Outro momento artisticamente notável de Closer é o tom resignado de 'The Eternal'. Esta canção soa perturbadora justamente por sua serenidade; é como se Ian Curtis tivesse desistido de lutar, com isso aceitando o destino trágico que lhe cabia. O piano melancólico e a bateria lenta dão a esta canção um clima de procissão fúnebre: 

'Procession moves on, the shouting is over. 
Praise to the glory of loved ones now gone. (…) 
No words could explain, no actions determine, 
Just watching the trees and the leaves as they fall.' 

Na manhã do dia 18 de maio de 1980, um dia antes da viagem que o Joy Division faria para sua primeira turnê nos Estados Unidos, Ian Curtis cometeu suicídio, aos 23 anos de idade. Na noite anterior sua tentativa de dissuadir Deborah de pedir divórcio fracassara; em sua vitrola ele ouviu pela última vez o soturno disco The Idiot (Iggy Pop), e possivelmente teve um último ataque epiléptico antes de decidir se enforcar. Se antes suas letras podiam ser interpretadas como mero fascínio estético pelo lado sombrio da existência humana, a partir de então se tornou praticamente inevitável tomá-las como poesias à beira do abismo."

Obs.: eis a resenha anterior que escrevi sobre Closer neste blog.