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17 julho 2018

França bicampeã, revival de 98 e uma digressão sobre esquemas táticos


§ 1
Não foi dessa vez que uma finalista menos cotada venceu a Copa do Mundo; desde 1974 (quando a Alemanha – que ainda assim era a anfitriã e atual campeã européia – venceu a Holanda, sensação do torneio) essa situação não acontece. Após a decepção na final da Eurocopa de dois anos atrás, a França se redimiu e fez sua melhor partida na Copa de 2018 para derrotar a Croácia por um sonoro 4x2 e garantir seu bicampeonato.
Os franceses, como notaram analistas como Douglas Ceconello, jogaram como se só estivessem usando 50% do seu potencial, o que mostra como a geração de jogadores é de altíssimo nível. Craques como Pogba, Mbappé e Griezmann não precisaram usar todos os recursos que mostram na temporada européia para produzir contra-ataques mortais (e bolas aéreas perigosas) e fazer gols. O banco de reservas francês contava com jogadores muito bons, como Dembélé e Tolisso, e ainda ficaram de fora da Copa atletas de destaque como Benzema e Martial. Ou seja, a França certamente tem sua melhor safra desde a equipe que foi campeã mundial em 98, campeã européia em 2000 e vice mundial em 2006, e dada a baixa média etária (a menor da Copa ao lado da Nigéria), é possível que a maior parte desta equipe ainda poderá disputar títulos pelos próximos anos. Deschamps venceu a desconfiança de muitos (inclusive a minha) por seu estilo excessivamente pragmático. Moldou a seleção francesa para vencer, mesmo que sem brilhar. Aplicação tática, defesa forte e eficácia no ataque foram a receita do sucesso. Na final, por exemplo, a França teve apenas 8 finalizações, mas 6 foram no gol e a equipe saiu da partida com 4 gols (ainda que um deles tenha sido o gol contra de Mandžukić); além disso, teve apenas 39% da posse de bola, o que ressalta a eficiência da equipe. Deschamps por muito tempo foi chamado de “Dunga francês”, mas sai da Copa como uma espécie de “Parreira gaulês”, considerando que em 1994 o técnico brasileiro também montou uma equipe pouco “artística”, mas coesa, disciplinada e com perfil vencedor. Cheguei a torcer pela Argentina contra eles nas oitavas-de-final (ainda chateado pelo “jogo de compadres” – e único 0x0 da Copa – entre França e Dinamarca), mas diante da atuação exuberante de jogadores como Mbappé, tive que dar o braço a torcer: a seleção francesa atual, quando quer jogar, é realmente a melhor do mundo. A Croácia terminou sua campanha histórica com um vice-campeonato, o melhor desempenho esportivo de uma seleção da Europa oriental desde o vice da Tchecoslováquia em 1962. No 2º tempo da partida era visível a exaustão física dos jogadores croatas – mas também a sua garra e disposição. Mesmo o inusitado gol de Mandžukić após o erro de Lloris mostra isso: os croatas estavam perdendo por 4x1 e continuaram lutando. Luka Modrić foi com justiça eleito o craque da Copa; não foi tão bem na final, mas nas partidas decisivas contra a Argentina, a Rússia e a Inglaterra ele foi peça fundamental. A seleção croata, ao contrário da francesa, está envelhecida, então o ótimo desempenho em 2018 soa como despedida para a geração de Modrić (32 anos) e – talvez – Rakitić (30) e Perišić (29). § 2 Se a Euro 2016 já tinha me evocado certa nostalgia pela Copa do Mundo de 1998 (que, em minha opinião, foi a melhor desde a mudança de taça, isto é, de 1974 em diante) por também ter acontecido na França, a Copa de 2018 foi ainda mais semelhante à de vinte anos atrás: 1) o nível técnico foi bem alto, e tal como em 98 seis seleções (França, Uruguai, Brasil, Bélgica, Croácia e, em menor medida, Inglaterra) chegaram às quartas-de-final com desempenho razoavelmente digno de serem campeãs; 2) a média de gols foi elevada, com 2,64 por jogo, a 2ª melhor em Copas com 32 seleções, atrás apenas de 98 e 2014 – 2,67 em cada; 3) houve apenas um 0x0 em todos os 64 jogos (em 98 foram quatro, sendo apenas um no mata-mata); 4) tal como em 1998, vários confrontos espetaculares ocorreram já na 1ª fase (Portugal 3x3 Espanha, Alemanha 0x1 México, Argentina 0x3 Croácia, Japão 2x2 Senegal...); 5) oito jogos que ocorreram naquele mundial se repetiram (além dos supracitados Alemanha x México e Argentina x Croácia, houve revanches de Inglaterra x Tunísia, Colômbia x Inglaterra, Alemanha x México, Coréia do Sul x México, França x Dinamarca e França x Croácia); 6) por último, é claro, os franceses ganharam novamente. § 3 Nas últimas Copas o torneio não estava mais ditando as tendências táticas dos clubes, e sim o contrário. Em 2010, a campeã Espanha jogava de forma bem parecida à do Barcelona de Guardiola – com a diferença de que, na falta de um “falso 9” tão bom quanto Messi, vencia a maioria dos jogos por 1x0. A Copa seguinte teve o título alemão com um time cuja base era o Bayern de Munique treinado por Jupp Heynckes (2011-13), com seus contra-ataques mortais, e o próprio Guardiola (desde 2013), que adaptou o “tiki-taka” (isto é, o estilo focado na posse de bola e nos toques laterais) às características do futebol alemão. Além disso, a Alemanha treinada por Joachim Löw popularizou o esquema 4-2-3-1 que já vinha sendo praticado por clubes de renome, como o Real Madrid que bateu o Bayern nas semifinais da Champions League de 2014. A Copa de 2018 não mudou tanto esse cenário, embora tenha mostrado uma notável diversidade de esquemas táticos entre as oito equipes que chegaram às quartas-de-final. Eis as formações adotadas por elas:
1) 4-2-3-1: França (começou o torneio adotando o 4-3-3, mas a partida difícil contra a Austrália fez Deschamps tirar o atacante Dembélé para colocar o centroavante Giroud e transformar Mbappé e Giroud em meias-atacantes); Croácia (manteve essa formação ao longo de toda a Copa, e quando esteve no ataque jogou praticamente no 4-2-4) e Rússia (exceto no jogo contra a Espanha, quando adotou com sucesso o cauteloso 5-3-2); 2) 3-4-3: Bélgica (formação ultra-ofensiva, foi adotada em todos os jogos exceto contra Brasil – onde Martínez preferiu o 4-3-3 seguido de 4-4-2 – e França – jogo no qual os belgas adotaram um conservador 3-5-2 para não se expor aos contra-ataques franceses); 3) 3-5-2: Inglaterra (Southgate resgatou um esquema muito popular nos anos 80 e início dos 90 – inclusive era o usado pela Inglaterra na Euro 96, na qual ele perdeu o pênalti que eliminou o seu país na semifinal), Uruguai (apenas no jogo contra a Rússia) e Bélgica (contra a França); 4) 4-1-4-1: Brasil (teoricamente era esse esquema, com Casemiro de volante e 4 meias ofensivos, mas dada a suposta “função tática” recuando Gabriel Jesus, na prática a seleção jogou no 4-3-3, com Neymar e Willian completando no ataque); 5) 4-4-2: Suécia (ao longo de toda a Copa adotou uma formação típica da década de 90), Uruguai (em todos os jogos, exceto contra a Rússia); Brasil (no 2º tempo contra o México) e Bélgica (depois do 2º gol contra o Brasil); 6) 4-3-3: França (na estréia contra a Austrália), Brasil (na maioria dos jogos) e Bélgica (no início da partida contra o Brasil); 7) 5-3-2: Rússia (contra a Espanha). Pelo visto o 4-2-3-1 continua como esquema preferido das melhores seleções, embora não necessariamente da mesma forma como vinha sendo praticado antes. A Alemanha e a Espanha (embora com Lopetegui isso pudesse ter sido diferentes), eliminadas precocemente, também adotam essa formação tática, mas jogaram baseadas no “tiki-taka”- que mostrou seus limites nessa Copa, pois de nada adianta posse de bola e precisão nos passes se não há efetividade nas finalizações (vide a derrota da Espanha para o “ferrolho” russo) e se há fragilidade diante de contra-ataques velozes de nada adianta, como mostraram de forma cabal as derrotas da Alemanha para o México (0x1) e Coréia do Sul (0x2). O que essa Copa reforçou é algo que o Bayern de Heynckes de 2013 e o Real Madrid dos últimos anos (especialmente nessa última Champions, quando soube “sofrer” e ser eficaz contra PSG, Juventus, Bayern e Liverpool) já haviam mostrado: a estratégia de segurar a pressão adversária e ser veloz e certeiro no contra-ataque, mesmo que com posse de bola abaixo dos 40%. Não é qualquer equipe que pode se dar ao luxo de seguir tal abordagem; tal como a França mostrou, é preciso uma combinação de defesa sólida, meio-campo rápido na transição e atacantes precisos nas finalizações (e olha que, apesar dos ótimos Griezmann e Mbappé, a França ainda podia ter feito mais gols se não tivesse o atrapalhado Giroud como centroavante). Cabe notar que, antes da Copa, alguns comentaristas especulavam que o Brasil de Tite poderia mostrar uma ofensividade inédita para nossa seleção desde 82; André Rocha, por exemplo, chegou a sugerir que, no ataque, o Brasil poderia jogar no 2-3-5 (a “pirâmide”, esquema tático mais antigo de todos, e que foi o paradigma até meados da década de 1930, quando foi superado pelo WM, uma espécie de 3-4-3 primitivo), com Daniel Alves e Marcelo migrando das laterais para o meio-campo e dois meias (Coutinho e, possivelmente, Fred) se tornando atacantes. Esse plano começou a naufragar com as lesões de Daniel Alves e Fred, mas durante a própria Copa ficou claro que a seleção brasileira não conseguiria jogar de forma tão ofensiva, tanto pela má fase de Paulinho, Gabriel Jesus e Marcelo quanto pelas contusões de Renato Augusto e Douglas Costa. Não por acaso, os dois melhores jogos do Brasil foram com jogadores de perfil mais defensivo (Filipe Luís, contra sérvios e mexicanos) e com esquemas aparentemente mais cautelosos (o 4-4-2 no 2º tempo contra o México distribuiu melhor as funções no meio-campo e no ataque). A escalação mais voltada para o ataque foi justamente no jogo da eliminação, contra a Bélgica, com Marcelo de volta, no lugar de Filipe Luís, e Fernandinho, substituto de Casemiro, não sendo capaz de exercer bem a função de volante “cão de guarda”. Não deu certo, pois o meio-campo brasileiro ficou completamente exposto aos contra-ataques belgas. O 2-3-5 pode não ter sido testado e o 4-3-3 foi abandonado pela seleção campeã após apenas um jogo. Mesmo assim, o estilo de jogo ofensivo teve seu receptáculo nessa Copa pelos pés da 3ª colocada. A Bélgica de Roberto Martínez adotou um esquema com 3 zagueiros, 4 meias e 3 atacantes e saiu da Copa com o melhor ataque (16 gols), seis vitórias e apenas uma derrota (e logo em um jogo no qual recuou um dos atacantes – De Bruyne). Esta formação ofensiva só mostrou dificuldades contra o Japão (que se protegeu bem, porém se expôs demais após levar o empate, resultando no já lendário lance do contra-golpe no último minuto que levou à virada belga), mas a lição foi aprendida e a Bélgica soube variá-lo com o 4-3-3 e o 4-4-2 diante do Brasil. Infelizmente a mesma genialidade tática de Martínez não foi repetida contra os franceses, mas ainda assim os talentosos jogadores belgas e seu técnico saem como o destaque tático da Copa. § 4 Chegou ao fim a 21ª Copa do Mundo, a 7ª que assisti ao vivo – ainda que, do mundial de 1994, eu só tenha memórias nítidas de dois jogos: Brasil 1x0 EUA e a final contra a Itália. De fato o mundial da Rússia foi um dos melhores Copas das últimas décadas – não supera a equilibrada Copa de 98, mas ficou ligeiramente abaixo de 2014 e acima de todas as outras quatro que eu vi (e, somando todos os mundiais, certamente ficaria entre os 7 ou 8 melhores). Vai ser triste ter que voltar à dura realidade do Brasileirão (ainda mais quando o seu time não está no G4), então que venha logo a Copa América de 2019, a qual será realizada justamente no Brasil! Torço para que Tite e os jogadores que ficaram devendo nessa Copa aprendam com os erros e consigam nosso primeiro título continental desde 2007.

14 julho 2018

Os finalistas da Copa - e os que quase chegaram lá


A Copa do Mundo chega à final com um duelo que poderia ter acontecido já nas oitavas-de-final: França x Croácia. Antes da Copa, em 23 de Maio, fiz uma simulação dos possíveis confrontos de oitavas, quartas, semi e final. Como os franceses provavelmente liderariam o grupo C e os croatas ficariam atrás dos argentinos no grupo D, acreditei que as duas seleções tinham chances de se encontrar no primeiro mata-mata.

Já na segunda rodada da Copa o duelo foi postergado para uma hipotética (mas ainda pouco provável) final, devido à contundente vitória da Croácia sobre a Argentina. A seleção balcânica ainda não sabia, mas aquele triunfo – que praticamente assegurou o 1º lugar no grupo - também estava colocando ela no lado mais fácil do chaveamento da Copa, pois as seleções mais cotadas para entrar nele ou foram eliminadas já na 1ª fase (Alemanha), ou caíram nas oitavas (Espanha). Os croatas não repetiram o ótimo desempenho na 1ª fase contra Dinamarca e Rússia, mas mostraram notável resistência física e emocional ao sobreviver a duas prorrogações seguidas de pênaltis. O bom futebol, contudo, voltou quando mais precisava: na semifinal contra a Inglaterra, com uma vitória de virada – novamente precisando do tempo extra, mas desta vez o jogo foi resolvido na prorrogação.
Talvez nem a própria torcida croata esperasse que sua seleção fosse chegar tão longe, ainda mais dado o turbulento contexto pré-Copa; para não entrar em questões políticas e jurídicas e me ater às futebolísticas, cabe lembrar que a Croácia passou raspando nas eliminatórias; precisou trocar de técnico às vésperas da última rodada e, mesmo vencendo a Ucrânia fora de casa, ficou atrás da Islândia (sim, a mesma seleção que a Croácia iria eliminar em seu grupo nesta Copa!) no grupo I e precisou encarar a repescagem contra a Grécia. Oito meses depois, Modrić, Rakitić, Mandžukić (que caiu em cima de um fotógrafo na comemoração do 2º gol contra a Inglaterra, rendendo fotos hilárias como a postada abaixo), Perišić e cia. conseguiram chegar mais longe no mundial do que a fantástica equipe de 1998 (formada por craques Šuker, Jarni, Boban e Bilić); podem até não ganhar a Copa, mas o vice-campeonato já deixaria a equipe no mesmo patamar de outras duas lendárias seleções do Leste Europeu: a Tchecoslováquia (1934 e 1962) e a Hungria (1938 e 1954). Aliás, comentaristas como Jonathan Wilson (autor de “A Pirâmide Invertida”, livro sobre a história dos esquemas táticos que estou lendo com prazer nos últimos dias) notaram que a Croácia é o finalista mais surpreendente em uma Copa desde justamente os tchecoslovacos em 62.



A França, com um ótimo elenco e mais madura depois do frustrante vice na Euro 2016, sempre foi cotada como um time que tinha boas chances de chegar à final, mas para isso teve que encarar um chaveamento difícil: enfrentou argentinos (ressuscitados após uma vitória dramática sobre os nigerianos), uruguaios (que tinham eliminado os portugueses) e belgas (os quais vinham de uma vitória sobre os brasileiros). A seleção francesa sobreviveu incólume a esses três duelos; teve pouco trabalho contra um Uruguai sem Cavani e uma Bélgica resignada após o 1x0. Curiosamente o jogo em que teve que se esforçar mais foi contra a caótica Argentina: após tomar a virada no início do 2º tempo, a França fez 3 gols em 11 minutos, e podia até ter feito mais; porém, tomou outro gol nos acréscimos e quase levou o empate no último lance do jogo.
Os franceses vêm sendo bem econômicos na Copa; craques como Pogba, Mbappé e Griezmann não precisaram jogar tudo o que sabem na maioria das partidas, e a equipe se dá ao luxo de ter um centroavante medíocre como Giroud (que, segundo me contou uma amiga que mora na França, é considerado por seus próprios conterrâneos “um bom zagueiro para um atacante”) – afinal até o zagueiro Umtiti fez gol. É um bom presságio, pois a França campeã de 98 também não tinha um bom centroavante, e seus 15 gols foram feitos por 10 jogadores diferentes. Resta saber se na final a França vai manter a serenidade e a segurança que vem mostrando ao longo de toda essa Copa ou se, tal como fez contra Portugal dois anos atrás, irá “amarelar” logo no jogo decisivo.

Sobre as equipes eliminadas nas quartas e semifinais, eis alguns comentários:

1) Como já disse anteriormente, a seleção uruguaia não resistiu à ausência de Cavani, que teve uma lesão no jogo contra Portugal. Faltou uma referência ofensiva, inclusive para fazer dupla com Suárez. Restou ao Uruguai entrar no “modo Libertadores”, e distribuir botinadas nos franceses, na esperança de ganhar o jogo na raça e na força física. Não deu muito certo, pois a equipe levou um gol ainda no 1º tempo, e precisou correr atrás do resultado. O golpe de misericórdia foi a falha bisonha do goleiro Muslera, que mantém a sua sina de oscilar entre o gênio (como nos pênaltis entre Uruguai x Gana, em 2010, ou mesmo no jogo contra Portugal) e o grotesco; é uma espécie de Taffarel uruguaio. De toda forma, o Uruguai terminou a Copa em 5º lugar (uma posição acima do Brasil), e se esta foi a despedida de Óscar Tabárez do comando técnico da Celeste, a sensação de dever cumprido é evidente.

2) Antes do jogo do Brasil eu já estava resignado à possibilidade de uma derrota, como demonstra o tom quase de despedida do meu post anterior sobre a Copa. Ainda que esta fosse a primeira Copa em muito tempo na qual gostei do técnico da nossa seleção e dos jogadores escolhidos, do outro lado haveria uma seleção jogando no meu esquema tático favorito (3-4-3) e com alguns dos maiores craques dos últimos 5 anos (Hazard, De Bruyne, Lukaku, Courtois...). Mesmo assim, a derrota para a Bélgica foi um pouco melancólica. Em primeiro lugar, jogadores remanescentes do 7x1 falharam novamente: Marcelo não teve pique para a marcação, Fernandinho fez um gol contra e não fez uma falta que impediria o 2º gol belga, Paulinho novamente foi mal e conseguiu a proeza de ser substituído em todos os jogos da Copa... Em segundo lugar, foi uma má idéia tirar Filipe Luís para recolocar Marcelo; o Brasil venceu bem a Sérvia e o México com ele no time, pois dava segurança defensiva, e em uma partida em que o time já estaria desfalcado de Casemiro, essa troca deixou brechas para os contra-ataques mortais dos belgas. Em terceiro lugar, do ponto de vista tático, a seleção brasileira levou um nó da disciplinada Bélgica – como bem apontaram analistas como Cuca e Jonathan Wilson, os belgas oscilaram entre o 3-4-3, o 4-3-3 e o 4-4-2, sendo que as duas últimas formações permitiram à equipe se recompor defensivamente e anular a movimentação do Brasil (que insistiu no 4-2-3-1 em vez de tentar o 4-4-2 que deu certo contra o México). Em quarto lugar, como bem apontou Mauro Cezar Pereira, Tite se ateve à sua “panelinha” (por mais que Paulinho, Gabriel Jesus e Willian tivessem ido bem nas eliminatórias, eles renderam pouco ao longo da Copa - embora o último até tenha jogado bem contra a México) e abriu mão de jogadores que poderiam ter ido melhor, como Firmino, Douglas Costa e Renato Augusto (no caso dos dois últimos estavam machucados em jogos anteriores, mas poderiam ter entrado antes contra a Bélgica, pois nos poucos minutos que estiveram em campo o time melhorou significativamente e quase chegou ao empate). Cabe ressaltar que foi 4ª derrota seguida do Brasil para uma seleção européia em mata-matas de Copas; desta vez, contudo, mostrou mais raça do que nas três anteriores. Espero que haja aprendizado tático e maior maturidade emocional no próximo mundial.

3) A Suécia fez sua pior atuação na Copa contra a Inglaterra. Desde o início jogou de forma retranqueira, muito longe da proposta ofensiva que mostrou contra México, Suíça e no 1º tempo contra a Alemanha. Não foi difícil para os ingleses despachá-los com 2 gols em bolas aéreas, e poderiam até ter feito mais se Sterling não fosse tão fominha. Mesmo assim, os suecos saem da Copa com um desempenho bem acima do esperado; Ibrahimovic não fez falta, e os suecos tiveram sua melhor performance em competições internacionais desde 1994.

4) A Rússia também termina o mundial com saldo positivo. Conseguiu uma surpreendente classificação para as quartas-de-final, e por muito pouco não chegou à semifinal. O gol de empate de Mário Fernandes na prorrogação até deu ânimo para os russos vencerem nos pênaltis, mas o erro do próprio brasileiro em sua cobrança e a defesa de Subašić na cobrança de Smolov deram a vaga à Croácia. Os russos foram valentes ao longo de toda a Copa, e superaram toda a desconfiança após os maus desempenhos competitivos nos últimos 10 anos. Jogadores como Dzyuba e Cheryshev saem em alta.

5) A Bélgica, após a notável reação contra o Japão nas oitavas e a aula de tática contra o Brasil nas quartas, não mostrou nenhuma dessas virtudes na partida contra a França. A mudança para o 3-5-2 até parecida prudente, mas a equipe não conseguiu traduzir a superioridade em meados do 1º tempo em gols, e isso é fatal contra uma equipe tão eficiente contra a França. Depois que esta fez o gol, os belgas se abateram, e ofereceram pouco perigo a Lloris; os franceses estiveram mais perto do 2º gol do que os belgas do empate. Fellaini, um dos heróis contra o Japão, voltou a ser digno da posição de mascote do “Corneta Europa” após o erro de marcação no gol francês e na temeridade com que subia para o ataque, deixando a defesa desprotegida. A Bélgica conseguiu um grande feito contra o Brasil, mas diante da França mostrou os seus limites. Esta tem um time tão bom quanto o belga, mas soube se defender melhor, foi mais eficaz no ataque e cozinhou bem o jogo depois de fazer seu gol. Resta aos belgas ganhar dos ingleses nos próximos minutos para encerrar bem a sua melhor campanha em Copas até hoje.

6) A Inglaterra vinha do seu melhor jogo em Copas em 16 anos: a vitória contra a Suécia foi a melhor atuação inglesa desde o 3x0 contra a Dinamarca nas oitavas de 2002. Pareciam ter se redimido depois do sufoco contra a Colômbia e, exorcizado o fantasma dos pênaltis, enfim jogando bem (em especial o goleiro Pickford, que fez boas defesas). No jogo seguinte, contudo, os Three Lions fizeram um gol logo no início (aliás, uma bela cobrança de falta do Trippier) e infelizmente retomaram uma das suas piores tradições: se contentar com um 1x0 e fazer cera pelo resto do jogo. Os ingleses ainda por cima esbanjaram gols perdidos, em especial um de Harry Kane ainda no 1º tempo. Essa postura displicente pôs a vaga na final em risco, pois a Croácia voltou melhor no 2º tempo – em vez de ficar sorumbática como a Bélgica, ela partiu para cima. Quanto aos ingleses, em vez de controlar tão bem a partida como fizeram contra a Suécia, eles se retrancaram e atraíram o empate como já ocorrera contra a Colômbia. O castigo veio com o gol de empate de Perišić, e por pouco a Croácia não virou ainda no tempo regulamentar, dado o nervosismo que se instalou os ingleses depois que perderam a vantagem. Mesmo com o joelho machucado após uma dividida com Pickford, Mandžukić fez o gol da virada no 2º tempo da prorrogação, despachando os ingleses para casa – quer dizer, depois de hoje, pois ainda estão jogando a decisão de 3º lugar. A Inglaterra tem motivos para se orgulhar da seleção treinada por Southgate (melhor técnico da equipe em décadas), mas não foi além da semifinal por insistir em erros de Copas anteriores (outro caso de 1x0 que foi revertido foi justamente contra o Brasil, em 2002).

P.S.: Sobre a final, a França é a favorita, mas a Croácia não pode ser subestimada – ainda mais considerando que Portugal também passou por várias prorrogações na Euro 2016 e derrotaram os franceses na final. A equipe treinada por Deschamps, contudo, está mais equilibrada e parece propensa a não repetir o vice de dois anos atrás.

06 julho 2018

Algumas reflexões sobre as quartas-de-final da Copa 2018

Faltam apenas alguns minutos para começar o 1º jogo das quartas. Ainda dá tempo de expor minhas expectativas em relação a cada um dos confrontos, assim como comentar o que cada seleção classificada teve que passar nas oitavas.

Uruguai x França: Os uruguaios vêm evoluindo ao longo da Copa, e passaram bem no teste complicado que tiveram contra Portugal. É incrível que, mesmo com Tabárez há 12 anos no cargo e já tendo passado por um ápice (4º lugar na Copa do Mundo de 2010 e título da Copa América de 2011), a seleção uruguaia continue forte: não só fez sua melhor campanha nas eliminatórias em décadas (finalmente não teve que disputar repescagem), mas também vem apresentando uma campanha bem consistente no mundial, com defesa segura e uma ótima dupla de ataque. Pena que justamente Cavani, autor dos 3 últimos gols uruguaios, tenha sofrido uma lesão muscular nas oitavas, e portanto não estará no jogo decisivo contra a França. Resta saber como a seleção uruguaia irá reagir a esse desfalque; talvez a responsabilidade caia nos pés de Suárez, que precisará de uma atuação à la Uruguai 2x1 Inglaterra (2014) – quando fez os 2 gols – para reverter o favoritismo francês. A propósito, Les Bleus finalmente acordaram para a Copa no eletrizante jogo contra a Argentina, mostrando tudo o que ficaram devendo na 1ª fase. O placar de 4x3 não representa tão fielmente o que foi a partida, pois a superioridade francesa poderia ter sido transformada em goleada se não fossem alguns vacilos defensivos (como a falta de marcação a Di María no gol de empate argentino). Mbappé teve uma performance espetacular, tendo feito 2 gols e sofrido o pênalti de outro. Após o promissor 7º lugar na Copa passada e o decepcionante vice na Euro 2016, a “ótima geração francesa” tem uma nova chance de provar que o elenco talentoso também pode ser vitorioso.



Brasil x Bélgica: Uma final antecipada. Um duelo entre o melhor ataque (belgas) e a melhor defesa (brasileiros). O fim do caminho para uma seleção que mereceria chegar mais longe, não fosse o cruel chaveamento. Do ponto de vista tático será um interessante embate entre o 4-3-3 de Tite e o 3-4-3 de Martínez (embora, dependendo das situações de jogo, possa também ser um duelo entre um 4-2-3-1 ou 4-4-2 e um 3-4-2-1); será que prevalecerá a resiliência do escrete canarinho (o famoso “saber sofrer” implantado pelo técnico gaúcho) ou o ímpeto ofensivo (embora por vezes defensivamente suicida) dos Diabos Vermelhos? E qual astro do Manchester City finalmente brilhará na Copa: De Bruyne ou Gabriel Jesus? O Brasil fez sua melhor partida na Copa até agora contra o México, mostrando um notável controle emocional do jogo e fazendo os gols em momentos cruciais (poderiam até ter sido mais se não fosse outra atuação fantástica de Ochoa); os destaques foram Willian, que enfim desencantou no mundial, e Neymar, que participou dos dois gols. Por sua vez, a Bélgica tomou um susto nas oitavas, pois chegou a estar perdendo de 2x0 para o Japão até os 20 minutos do 2º tempo, e esteve a segundos de ter de encarar uma prorrogação; não fosse a inocência japonesa de partir para cima no último escanteio (e, com isso, ficar exposto a um contra-ataque mortal), talvez os belgas teriam sofrido mais para avançar às quartas; a entrada de Fellaini foi decisiva para a virada, ainda mais porque saiu da cabeça dele o gol de empate. É preciso ressaltar que a seleção belga mostrou poder de reação, e que o Brasil de Tite ainda não foi testado por uma equipe com suas características táticas (e seu alto nível técnico); portanto, não se pode prever se os “20 minutos de pressão” que sofreu contra México e Sérvia novamente passarão em branco. Depois das últimas Copas aprendi a ser mais cético com relação à seleção brasileira, portanto não vou ficar surpreso caso sejamos eliminados; entretanto, é a primeira vez desde 2005 (ano da histórica vitória por 4x1 sobre a Argentina na Copa das Confederações, e de uma boa reta final de eliminatórias) que estou de fato torcendo para o Brasil. Eu me incomodei com o oba-oba de Parreira em 2006, o excessivo pragmatismo e a postura arrogante de Dunga em 2010 e uma mistura das duas coisas com Felipão em 2014; com Tite voltou o bom futebol e veio uma postura mais “pé-no-chão”. Mesmo se a seleção perder hoje, espero que o senhor Adenor continue como técnico.

Rússia x Croácia: os russos protagonizaram a única zebra das oitavas-de-final, mas o resultado foi justo, pois eles anularam taticamente a Espanha, que trocou mais de 1000 passes, mas foi incapaz de oferecer perigo – tanto que o único gol espanhol foi contra, em um lance esquisito. Apesar da estréia promissora contra Portugal, a cada jogo nesta Copa os espanhóis se mostraram mais abalados pela ausência do técnico Julen Lopetegui; é preciso culpar não só a ele pelo desastre hispânico, mas também à atitude impulsiva da federação  espanhola e ao Real Madrid, pela proposta tentadora que fez a Lopetegui às vésperas da Copa. Todos esses fatores racharam o grupo e fizeram a Espanha, diante do empate russo, ter que recorrer a uma espécie de tiki-taka degradado, uma “retranca com bola” (André Rocha). Mesmo assim, é preciso reconhecer o mérito da Rússia, que já foi mais longe do que talvez eles próprios esperassem. A essa altura, o que vier é lucro, e não seria impossível vencer os croatas – que, mais uma vez, perderam ritmo no mata-mata, mas, ao contrário de anos anteriores, conseguiram sobreviver via decisão de pênaltis. Nem as defesas incríveis de Schmeichel Jr. foram o bastante para salvar a Dinamarca, pois seus batedores foram bloqueados três vezes pelo goleiro croata, Subašić. A Croácia tem uma equipe melhor, cheia de craques como Rakitić, Mandžukić, Perišić e Modrić (este, aliás, perdeu um pênalti na prorrogação, mas conseguiu se redimir acertando outro na decisão de penalidades); porém, precisa voltar a jogar como jogou contra a Argentina para conseguir superar a equipe anfitriã, que, embora tecnicamente limitada, vem empolgada após o triunfo histórico nas oitavas.

Suécia x Inglaterra: os suecos perderam muitos gols contra os suíços, mas acabaram vencendo pelo placar mínimo uma seleção cuja segurança defensiva, pela 4ª Copa consecutiva, não foi o bastante para compensar o ataque pouco eficaz. A Suécia vem sendo uma das sensações da Copa, e provavelmente fará uma partida bem equilibrada contra os ingleses, que saíram ao mesmo tempo combalidos e aliviados do embate contra a Colômbia. Combalidos, porque jogaram mal, fizeram muitas simulações (os colombianos também, diga-se de passagem) e foram castigados pelo milagroso gol de Mina nos acréscimos (o terceiro dele na Copa, tornando-se assim o improvável artilheiro colombiano), que impediu que vencessem no tempo normal graças a um mísero gol após mais um pênalti infantil cometido por Sánchez. A Inglaterra teve que encarar uma temida decisão de pênaltis, e considerando o histórico desfavorável (havia perdido todas as três vezes que decidiu por penalidades nas Copas, e 3 de suas eliminações nas últimas 6 Eurocopas também vieram desta maneira), o temor de um novo fracasso era grande – e foi potencializado depois que a Colômbia abriu 3x2 com o erro de Henderson. Aliviados, porque o técnico Southgate (que, aliás, errou o pênalti que desclassificou os ingleses na semifinal da Euro em que foram anfitriões, em 96) treinou bem a equipe nas penalidades, tanto do ponto de vista técnico quanto do psicológico, e logo veio a virada – iniciada com a bola no travessão de Uribe e consolidada com a defesa de Pickford na cobrança de Bacca. A Inglaterra exorcizou o primeiro fantasma, agora falta o segundo: passar das quartas-de-final em uma Copa após 28 anos. Para vencer a Suécia terá que oferecer muito mais do que mostrou no tenso duelo com a Colômbia; elenco para isso ela tem, mas falta superar o “jogo feio” que tão freqüentemente os Three Lions mostram quando mais se espera deles.