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01 março 2023

The time is gone, the song is over, thought I'd something more to say


Há meio século, em 1º de Março de 1973, foi lançado The Dark Side of the Moon, a obra-prima do Pink Floyd e um dos melhores (e mais populares) discos de rock de todos os tempos.

É com Dark Side que a banda completa sua transição estilística do rock psicodélico para o progressivo – e, com isso, de certa maneira consegue sair da sombra de seu fundador, Syd Barrett, expulso do Pink Floyd no início de 1968 por seu comportamento errático devido ao uso excessivo de LSD. Os experimentos vanguardistas dos cinco anos anteriores (ou seja, realizados nos álbuns A Saucerful of Secrets, Ummagumma, Atom Heart Mother e Meddle e nas trilhas sonoras More e Obscured By Clouds) finalmente ganharam um foco, e o álbum de 1973 traz uma combinação majestosa de conceito, letras, arranjos e melodias; a soma de todas as partes gerou um disco impecável.

Na linhagem dos álbuns conceituais (e/ou dos grandes experimentos do rock com as possibilidades de um estúdio), ele é uma espécie de sucessor espiritual de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (The Beatles), e um de seus principais herdeiros é OK Computer (Radiohead). 

Ao contrário de Sgt. Pepper’s, contudo, Dark Side não foi gravado de forma ininterrupta ao longo de vários meses. Durante o 2º semestre de 1972 a banda conciliou as gravações com turnês na Europa e nos EUA, e durante os shows tocava o futuro álbum na íntegra, o que permitia que ele já estivesse bem estruturado antes do trabalho no estúdio. Segundo o engenheiro Alan Parsons, foram cerca de 40 dias de gravações ao longo de sete meses. A propósito, Parsons já havia trabalhado na premiada engenharia sonora de Abbey Road (The Beatles) e, após seu elogiado trabalho em Dark Side, iria desenvolver o seu próprio – e bem-sucedido – “Project”.

Ainda sobre os Beatles, eles aparecem como influência sonora em duas canções de The Dark Side of the Moon: “Brain Damage” (cujo arpeggio lembra o de “Dear Prudence”) e, em menor medida, “The Great Gig in the Sky” (cujo piano lembra o de “Golden Slumbers”). Outra influência marcante na sonoridade deste álbum é Miles Davis; segundo o próprio tecladista Richard Wright, o jazz modal de Kind of Blue (1959) serviu de inspiração para o andamento cadenciado de faixas como “Breathe”.

Um dos experimentos do Pink Floyd nos anos anteriores que acabou servindo de base para uma das faixas é “The Riot Scene”, uma vinheta escrita por Wright para o filme Zabriskie Point (1970), de Michelangelo Antonioni; ela não chegou a ser aproveitada para a película, mas sua melodia é o ponto de partida para “Us and Them”, uma das melhores faixas de Dark Side – e a 1ª a ser gravada, em Junho de 1972.

A canção mais famosa do disco é “Money”, que mesmo tendo um compasso bem inusitado (7/4 – exceto no solo de guitarra, que David Gilmour fez no mais tradicional 4/4) foi um grande sucesso radiofônico, a ponto de ter entrado no 13º lugar da parada de singles dos EUA. A letra é uma das mais mordazes críticas de Roger Waters ao capitalismo – ainda que, como bem observado por George Starostin, com um toque de autoconsciência para evitar os clichês: “Money, so they say, is the root of all evil today...”.

Um dos pontos altos de Dark Side é “Time”, uma canção de grande potencial catártico com sua reflexão sobre a finitude temperada por um belo (e improvisado) solo de guitarra de Gilmour: “The sun is the same in a relative way but you're older / Shorter of breath and one day closer to death (...) Hanging on in quiet desperation is the English way / The time is gone, the song is over, thought I'd something more to say”.

Outro destaque do repertório é “Breathe”, que também tem versos primorosos sobre as angústias da vida moderna: “For long you live and high you fly / And smiles you'll give and tears you'll cry / And all you touch and all you see / Is all your life will ever be”. Aliás, um dos momentos mais interessantes do álbum (inclusive do ponto de vista conceitual) é o retorno da melodia de “Breathe” no minuto final de “Time”.

The Dark Side of the Moon contém três interlúdios, dois deles totalmente instrumentais (os sintetizadores acelerados de “On The Run” e a sonoridade lisérgica de “Any Colour You Like”) e a outra, “The Great Gig in the Sky”, é marcada pelos espetaculares vocais sem letras de Clare Torry. O álbum é encerrado pelas duas únicas faixas cantadas por Roger Waters: “Brain Damage” (uma mensagem empática aos “lunatics”, sejam eles os socialmente deslocados ou casos mais extremos, como o do próprios Syd Barrett) e “Eclipse” (que retoma elementos líricos de “Breathe” para encerrar o disco de forma apoteótica).

Se antes do lançamento de The Dark Side of the Moon o Pink Floyd era apenas uma banda cult britânica que tinha um público fiel a ponto de seus discos costumarem estrear bem nas paradas locais, dali em diante eles alcançariam o sucesso global. Dark Side superou as 40 milhões de cópias e é um dos álbuns mais vendidos de todos os tempos. Esse êxito comercial, entretanto, como de certa maneira já havia sido profetizado em “Money”, cobraria o seu preço: a banda, mesmo que tenha lançado mais álbuns excelentes no restante da década, jamais voltaria a ter um ambiente tão interno tão harmônico (ou pelo menos não tão bélico) e um processo criativo tão democrático (ou pelo menos sem uma hegemonia tão explícita de Roger Waters) quanto os que teve nos meses de gravação de Dark Side...

Encerro essa resenha com um trecho de síntese exemplar de The Dark Side of the Moon: os bastidores da obra-prima do Pink Floyd (John Harris):

"Há algo particularmente fascinante no fato de que o álbum que permitiu que o Pink Floyd se libertasse tenha sido parcialmente inspirado no destino de [Syd] Barrett. (...) Também não existem muitos exemplos de álbuns definidos por um conceito central que tenham se tornado tão duradouros. (...) O Pink Floyd, para seu reconhecimento eterno, optou por tratar de temas (...) universais, como morte, insanidade, opulência, pobreza, guerra e paz (...) que, por suas características, iriam manter sua longevidade muito depois que o disco foi finalizado - e o elo da banda desfeito." (HARRIS, 2006, pp. 8-17)