[Meu Facebook] [Meu Last.FM] [Meu Twitter]


 

 

Kaio

 

Veja meu perfil completo

 

 

 

 

18 novembro 2013

A defesa

Hoje às 14h ocorreu a minha defesa de dissertação de mestrado. Os professores da banca (Ricardo Benzaquen e Frédéric Vandenberghe) elogiaram meu trabalho, fizeram comentários, críticas (a principal delas foi que preciso, para além do contexto - segundo eles, minha dissertação foi uma 'história das idéias', uma 'perspectiva sintética' -, me focar mais no texto; em outras palavras, "cerquei" Doutor Fausto pelo lado filosófico, pelo biográfico, pelo sociológico etc., mas faltou fazer uma análise imanente da obra) e sugestões (p.ex., estudar a questão da arte da vida, ou "a vida como obra de arte") pertinentes e aprovaram minha dissertação. 
Tudo foi bem rápido, e às 15h a defesa já estava encerrada. Sou mestre em Ciência Política pelo IESP/UERJ!



Próximo desafio: as seleções de doutorado em História (PUC) e Sociologia (IESP), nas próximas semanas.

13 novembro 2013

Vanishing Point

Em 13 de Novembro de 2006 eu assisti a um show que mudou minha vida. Naquela época eu estava no momento mais “aborrecente” de minha adolescência: 1) não tinha saco para ser sociável no colégio; 2) escrevia textos arrogantes e solipsistas no meu blog; 3) havia acabado de sair de mais uma desilusão amorosa (desta vez, para aumentar o caráter tragicômico, havia sido por uma amiga online que morava em SP); 4) tive até um flerte com a estética gótica (e se eu disser que até criei um perfil fake no Orkut, além de um MSN e até um blog para o meu “dark side”?).
Foi quando viajei para São Paulo com minha mãe para ver a New Order, duas das minhas bandas preferidas (afinal eles são ¾ da Joy Division), ao vivo na Via Funchal. Compramos nossos ingressos em Setembro, de tão ansioso que eu estava. Tudo bem que semanas depois a banda confirmaria um show extra em Brasília, mas não importa: eu não quis ficar à mercê do destino e decidi que iria ao de SP mesmo. 
Por que tanta empolgação? Oras, Joy Division e New Order me "salvaram" em 2005. Em meio à crise existencial (ou, em termos menos dramáticos, em meio ao meu "mimimi adolescente") que eu senti no 2º semestre daquela ano, ouvir a melancolia dançante de ambas era  uma trilha sonora para os maus (e bons) momentos. "Isolation" superou "I Am The Walrus" (Beatles) como minha música favorita, e até escrevi uma redação inspirada em "Love Will Tear Us Apart" e um post apontando "Blue Monday" como a 1ª música do Século XXI.

A viagem foi ótima, com direito a muitos CDs comprados na Galeria do Rock (já virou uma tradição: das sete vezes em que viajei para São Paulo, dei uma passada na Galeria em cinco delas) e na Fnac. 
O show, então, foi apoteótico: a banda estava impecável ao vivo, com direito às dancinhas esquisitas de Bernard Sumner e Peter Hook solando com seu baixo pertinho do público. Assistir ao vivo a clássicos como "Ceremony", “Love Will Tear Us Apart”, “Bizarre Love Triangle” e "Temptation" foi inesquecível. Na época eu disse que era o melhor dia da minha vida; ainda hoje ele entraria no meu top 5. Para maiores detalhes sobre o 13 de Novembro, leiam o post que escrevi na época.
Esta apresentação da New Order foi tão importante para mim que me infundiu sentido existencial: cansei de ficar resmungando sobre mim mesmo e o mundo, e renovei minhas energias para 2007, o último e decisivo ano do ensino médio. Em outras palavras, voltei ao meu "estado natural" de otimismo. Não só estudei com muito mais afinco, como também avancei no meu auto-cultivo e na minha formação cultural. Cheguei bem preparado na UnB, e nela as coisas progrediram em velocidade maior ainda. Sinal disso é que, quando leio textos que escrevi antes de entrar na faculdade, sinto até certo estranhamento com o Kaio de outrora. Por mais que certas marcas estilísticas permaneçam (principalmente em minhas resenhas de discos), meus escritos tinham uma "certeza provinciana", coisa típica de quem tem muita teoria e pouca experiência de vida. Não que hoje eu seja um Bukowski da vida, mas passei por várias situações nestes sete anos - desde relacionamentos amorosos até participação em grupos de pesquisa e no movimento estudantil - que me ajudaram a crescer.

Além disso, esta viagem para São Paulo em 2006 me permitiu respirar novos ares, e voltei revitalizado; desde então aproveitei toda oportunidade que tinha para viajar, seja para congressos acadêmicos ou para shows. Talvez o que sociólogo Georg Simmel disse sobre a aventura tinha alguma razão... Cabe citar um texto de meu amigo Glauber que parafraseia Simmel: 
"A aventura surge como uma perspectiva da vida com contornos próprios, uma espécie de península ligada ao continente cultural da vida moderna apenas por um pequeno trecho de terra, sem se articular com o todo de forma homogênea. Se na aventura a vida não encontra continuidade com o mundo, contudo, ela também não está completamente isolada dele. Experiência fugidia, trata-se mesmo de outra maneira de se lidar com o cotidiano que, nesse sentido, produz um espaço à margem, mas não completamente estranho a ele".

Duas semanas depois do show ainda tive uma recaída (em 24/11, no festival Goiânia Noise, portei-me como um autista e passei horas sentado numa escada ouvindo música e lendo), mas isso é normal; ninguém amadurece de uma só vez. E meu amadurecimento ainda nem acabou; por mais que hoje eu me sinta uma pessoa melhor do que eu era em 2006, ainda estou muito longe do meu telos, do meu ideal formativo. Tornei-me menos egocêntrico e misantrópico, mas uma comparação favorável com meu passado se daria mais pelo negativo (ou seja, o que eu não sou mais - ou, o que sou de forma menos intensa) do que pelo positivo (i.e., algo que "adquiri"). 
Muitas das angústias que me afligiam naquela época continuam a me atormentar - sendo que uma delas até se sobrepôs à política (assunto no qual eu mais pensava durante boa parte da minha adolescência) e se tornou a maior: a minha dúvida sobre a existência de Deus e da mortalidade da alma. Ok, isso soa pretensioso (algo do tipo "Quero soar dostoievskiano"), mas a resposta para ambas as perguntas traz grandes implicações existenciais. Já estive mais próximo da negativa de Ivan Karamázov, mas ainda não tenho a fé inabalável de Aliócha. Sou um agnóstico mais próximo de crer na transcendência do que de me resignar - e muito menos celebrar - a imanência.
No fundo, estudei Doutor Fausto porque queria fortalecer minha certeza de que a "solução" não está no Mal, no esteticismo, na arte que escarnece da moral. Felizmente estou do lado de Thomas Mann e contra Adorno: não acho que cabe à arte expressar somente as fraturas de nossa época, mas também ter um papel pedagógico, além de ser capaz libertar a alma humana do medo e do ódio, e assim auxiliar o homem em sua viagem pela vida (P.S.: estou citando um trecho da minha dissertação, rs).

Acho que, no fundo, o motivo deste post auto-reflexivo é minha insegurança diante das duas seleções de doutorado que terei nas próximas semanas. Nem estou tão ansioso pela defesa da dissertação (que será no dia 18) quanto normalmente estaria. Ainda não comecei a escrever o projeto para a PUC nem a carta de intenções para o IESP, embora já tenha uma noção do que pretendo desenvolver. O medo de não passar em nenhuma das seleções talvez seja até maior do que aquele que eu nutria em 2011, antes de ser aceito no mestrado. Embora eu confie no meu potencial e esteja longe de ter baixa auto-estima, a importância de entrar no doutorado não é meramente acadêmica, mas também para me dar uma certeza sobre como será minha vida nos próximos anos. A última vez que eu senti tal tranqüilidade e segurança foi no primeiro ano de UnB. Seria bom ter essa sensação novamente ano que vem, nem que seja por apenas alguns meses...

Este texto ficou com um tom mais sombrio do que eu imaginava. Talvez minha "transição" da Joy Division para a New Order não tenha sido completa... Sendo assim, como epígrafe para este post citarei "Ceremony", uma das últimas músicas escritas por Ian e que virou o primeiro single da nova banda:

This is why events unnerve me
They find it all a different story
(...)
Oh I'll break them down, no mercy shown
Heaven knows it's got to be this time

12 novembro 2013

The Universal

Desde 2010 desenvolvi uma tradição de ir a São Paulo em novembro (ou outubro) para assistir ao festival de rock mais bem organizado do Brasil: o Planeta Terra. 
Na primeira edição em que fui, eu vi Of Montreal, Mika, Phoenix, Pavement e The Smashing Pumpkins (e, num "combo", assisti no dia seguinte, no Morumbi, a um inesquecível show de Paul McCartney); em 2011 acompanhei Toro y Moi e o finalzinho do show do Garotas Suecas, mas fui mesmo para ver Interpol e The Strokes; no ano passado me diverti com Banda Uó e vi apresentações inesquecíveis de Suede, Garbage e Gossip. 
Desta vez, havia dois motivos secundários (Beck e Travis) e um principal: Blur, uma das minhas cinco bandas favoritas de todos os tempos. Comprei o ingresso apenas algumas horas depois que foram iniciadas as vendas, e minha namorada - que também adora esta banda - fez o mesmo.

Após três meses e meio de ansiedade, no dia 9 de Novembro eu e Carolina saímos às 6h30 da rodoviária do Rio de Janeiro em direção à capital paulista. Durante a viagem de seis horas li bastante As Idéias e as Formas, excelente coletânea de ensaios de José Guilherme Merquior; dormi um pouco também, é claro. 
Chegamos em São Paulo ao meio-dia. Pegamos metrô para a estação República e, após algumas andanças pela rua São João, encontramos o hostel em que ficaríamos hospedados. Ele fica bem localizado, perto de vários lugares do centro da cidade. Almoçamos no Habib's e depois fomos à Galeria do Rock. Comprei dois CDs - a coletânea dupla The Best Of (Suede) e o clássico Disintegration (The Cure) - e uma camiseta do New Order, com a capa do Substance

Em torno das 15h30, mais uma viagem de metrô (aliás, o subway de São Paulo é muito mais complexo - e legal - do que o do Rio), e pouco depois chegamos na estação Santana, a que fica mais perto do local do festival, o aeroporto Campo de Marte. 
A fila foi surpreendentemente curta, e pouco depois já estávamos nos divertindo no tobogã do Banco do Brasil. Desci tão rápido que até quiquei, haha.


Após fazermos nosso estoque de água (compramos 4 copos), eu e minha namorada nos ajeitamos na platéia para ver Travis, a banda que é um elo entre as baladas à la "Wonderwall" do Oasis e o Coldplay. As músicas são muito parecidas entre si, mas a banda é simpática - principalmente o baixista, metido a galã. Destaques para "Selfish Jean" (talvez a única realmente agitada), "Sing" (a mais famosa e cantarolável), a versão acústica de "Flowers In The Window" (que ficou melhor do que a de estúdio) e "Why Does It Always Rain On Me?" (um hino loser). 

A organização do Planeta Terra teve a péssima idéia de colocar Beck como atração do palco "alternativo" ao invés daquilo que seria mais sensato, isto é, entre Travis e Blur. Essa decisão em si não seria tão ruim não fosse a atração musical que ficou nesse "gap": a patética Lana Del Rey. Sua única qualidade é a semelhança física com a Robin de How I Met Your Mother; no mais, temos uma cantora medíocre, artificial, que ficou dando autógrafos antes mesmo de tocar a segunda música, cheia de frases prontas, clipes de fundo extremamente auto-indulgentes (o mesmo pode ser dito de suas letras) e, para piorar, um fã-clube feito à sua imagem e semelhança, ou seja, adolescentes blasé, nojentinhas, mal-vestidas e com coroas de flores em suas cabeças. Para passar o tempo eu e a Carol chegamos a ficar olhando fotos antigas em nossos celulares. Haja tédio!

Após a tortura que foi o show de Lana Del Rey, a espera foi recompensada: enfim, após 8 anos tendo Blur como uma das minhas bandas favoritas (e 15 desde que escutei "Song 2" pela primeira vez, em FIFA 98), eu estava vendo Damon, Graham, Alex e Dave ao vivo! Aliás, foi impossível não gargalhar com o visual irreverente do baixista Alex James: bermuda, lenço no pescoço e ainda por cima ofereceu uma xícara de chá para o público!


Logo de cara mandaram dois hits dançantes: a andrógina Girls & Boys e a resignada There's No Other Way. Obviamente eu e todos os demais fãs pulamos muito e cantamos a plenos pulmões.


Após a obra-prima Beetlebum e a bela Out of Time, o Blur executou quatro faixas do álbum 13, que envelheceu bem e hoje em dia é um dos preferidos de público e crítica. A banda começou pela swingada Trimm Trabb, uma das mais intimistas de um álbum que já é extremamente confessional; seguiu com a deprimida Caramel, que antes era a música do 13 que eu menos prestava atenção, mas ao vivo ela provou o seu valor, graças principalmente à guitarra de Graham Coxon; a brilhante Coffee & TV foi a seguinte, e foi curioso notar a timidez de Coxon, afinal ele não olhava para a platéia enquanto a cantava; a seqüência foi encerrada com o hino gospel da noite: Tender, cujo refrão "Oh my baby, oh my baby, oh why, oh my" foi cantado por muitos fãs antes, durante e depois do show. 



Em seguida veio a serenata To the End, na qual Damon Albarn se declarou para a lua crescente que iluminava a noite paulistana. Damon desceu para cantar junto com a platéia em Country House. Ele se empolgou tanto que até pegou uns óculos da HP de alguém da platéia. Se no documentário No Distance Left to Run (2010) esta música era apontada como aquela que tornou a banda, da noite para o dia, antipática para o público (afinal, eles foram considerados os "vilões" na rivalidade com o Oasis, numa espécie de luta de classes do britpop, em que o Blur representava a classe média/alta londrina e a banda dos Gallagher, os homeless do norte da Inglaterra), anos depois Albarn pode cantá-la com bom humor.




Phil Daniels, protagonista do filme Quadrophenia (1979) e convidado especial dos shows do Blur desde 2009, veio cantar Parklife. Um dos momentos altos do show foi a platéia cantando alto toda vez que chegava no refrão ("All the people / So many people / They all go hand in hand / Hand in hand through their parklife"). Estávamos diante de outra seqüência de faixas do mesmo álbum, desta vez três do ParklifeApós o pop melancólico de End of a Centuryque ainda soa atual ("Sex on the TV / Everybody's at it / And the mind gets dirty / As you get closer to thirty")o show alcança novo ápice com This is a Low ("This is a low /But it won't hurt you / When you are alone it will be there with you / Finding ways to stay solo") O quarteto retira-se do palco, mas Graham deixa a guitarra distorcida ainda ligada.



A banda volta para o bis com Under the Westway, uma canção triste, mas bonita, lançada no ano passado. Talvez tenha sido o último single do Blur, afinal não há planos para o lançamento de um oitavo álbum; quando esta turnê acabar ano que vem, depois dos shows no Japão e na Austrália, ninguém sabe o que vai acontecer. A performance continuou com duas canções épicas: For Tomorrow (se Joyce fez de Dublin o palco de seu Ulisses, então esta canção sobre Londres é a Odisséia do fim do século passado) e The Universal (a propósito, a preferida da minha mãe).



A última música do show não poderia ser outra senão Song 2, a melhor canção americana feita por uma banda britânica (ou qualquer outro paradoxo ou ironia em que vocês puderem pensar). Pulei tanto que acabei dando uma "queixada" na Carolina; doeu tanto que ela até chorou, tadinha... Mesmo assim, continuamos pulando até o fim do show, haha! Considerando que esta faixa de 2 minutos estava tocando quando nos conhecemos (numa festa em agosto do ano passado), parece que agora eu e ela temos um segundo motivo para nos lembrarmos dela, hehe.

Enfim, o show do Blur foi inesquecível. Os fãs da banda, ao contrário dos da Lana Del Rey, são civilizados e simpáticos; tanto é que eu e um monte de gente nos abraçamos e conversamos efusivamente depois que a apresentação havia acabado. Pouco depois, uma amiga da Marina e da Joana deu carona para nós quatro, e fomos jantar na Augusta antes de voltar para o hostel.

No domingo, tomamos café da manhã, fizemos check-out no hotel e fomos para a Liberdade, bairro dos imigrantes japoneses e chineses. Almoçamos junto com a Marina num restaurante chinês (cujas garçonetes não sabiam falar português!), e a Carol comprou várias coisas - para si mesma e para dar presentes - na feira que ficava perto da estação de metrô. Aproveitei para adquirir um ímã de geladeira para a minha mãe, que adora esse tipo de lembrancinha. Em seguida a Carolina foi buscar sua shinai (espada de kendo), a qual havia encomendado semanas antes para um vendedor coreano que mora na Liberdade. Passamos duas horas conversando com ele sobre kendo, comida coreana e até a hiperinflação brasileira nos anos 80 e 90.
À noite nós três passeamos na Avenida Paulista, e fomos na maior Livraria Cultura do Brasil - aliás, foi nela que no ano passado comprei A Teoria do Romance (Lukács). Foi difícil me segurar para não comprar nada, mas eu já tinha gasto muito dinheiro no dia anterior, na Galeria do Rock...
Às oito e meia da noite nos despedimos da Marina, jantamos no McDonald's e fomos para a rodoviária; por sorte, há uma estação de metrô que passa dentro dela. Duas horas depois, saiu o ônibus de volta ao Rio. Era o fim de mais uma das ótimas viagens que fiz em 2013. Pela primeira vez minha excursão para o Planeta Terra não teve aventuras aleatórias (porém divertidas) nas quais eu não sabia sequer onde iria dormir; em compensação, a inestimável companhia da Carol fez com que a trip deste ano seja a minha preferida. Que venha o Terra '14!

05 novembro 2013

Entertain Us: um top 10 do Blur

10. Out Of Time: A melhor música de Think Tank (2003) é uma balada de melodia delicada e letra reflexiva, evocando uma sensação paradoxal de melancolia e otimismo: “I don't know what life will be / But if we stop dreaming now / Lord knows we'd never clear the clouds”. Assim como outras músicas desse Top 10, Out Of Time conta com um clipe que a complementa e eleva, ao mostrar a solidão de uma jovem mulher que trabalha nas forças armadas – e, com isso, indiretamente soa como uma canção anti-guerra, algo sintomático se considerarmos que foi lançada três semanas depois do início da Guerra do Iraque.

9. Parklife: Graças a ela eu comecei a ouvir Blur para valer. Em 2005, depois de ler um texto no Omelete sobre o álbum homônimo, resolvi baixar Parklife. Não me arrependi, pois fui fisgado assim que o refrão tocou pela primeira vez. Quando li os versos, meu vício por ela cresceu mais ainda, afinal trata-se de um deboche à vidinha medíocre da classe média britânica: “I feed the pigeons, I sometimes feed the sparrows too / It gives me a sense of enormous well being / And then I'm happy for the rest of the day / Safe in the knowledge there will always be a bit of my heart devoted to it”. Enfim, é uma canção no velho espírito mod, à la The Jam ou Who, marcada pelo senso de humor e pelo riff cativante.

8. The Universal: Esta bela música é um tratado sobre anedonia, isto é, a perda da capacidade de sentir prazer. Damon Albarn, o Simmel de nossos tempos, faz o retrato de uma geração apática, deprimida e misantrópica, por mais “sociável” que se alegue: “No one here is alone / Satellites in every home / Yes the universal is here / Here for everyone”. Tal diagnóstico é fortalecido diante de fenômenos observados nas redes sociais de nossa década. O clipe, cheio de alusões a Laranja Mecânica, é genialmente perturbador.




7.  For Tomorrow: Escrita no Natal de 1992 para ser o primeiro single de Modern Life is Rubbish, é a faixa mais representativa deste disco. Albarn revela em For Tomorrow o seu lado “cronista social”, à la Ray Davies (The Kinks), analisando as angústias cotidianas dos londrinos. Os arranjos com metais são impecáveis, e dão uma dimensão épica a esta canção. O refrão “la la la” é extremamente pegajoso (no bom sentido).

6. Tender: Se existe uma faixa do Blur que o público pode cantar por dez minutos e se prolongar até quando a banda já tiver terminado, ela é Tender. Este hino gospel tem uma mensagem poderosa: “Love’s the greatest thing that we have”. Não por acaso, ela vem acompanhando minha vida amorosa desde que a conheci. Já foi trilha sonora de recuperação após desilusões e fossas, e hoje em dia felizmente é a música que me faz pensar em minha namorada – que, aliás, considera Tender como sua favorita do Blur.

5. Girls & Boys: Em uma das várias ironias que cercam a trajetória do Blur, a música que os fez estourar nas paradas em 94 tinha um estilo bem parecido com o de uma cena musical que já havia saído de moda na Inglaterra: a “indie dance” de Stone Roses, Happy Mondays e cia. Para agravar a situação, a letra é extremamente sarcástica em relação ao público que consumiu esta música vorazmente desde então: jovens hedonistas, que celebram a androginia (“Girls who are boys (...) who do boys like they’re girls”) e a promiscuidade (“Love in the 90's is paranoid”) e que estão “avoiding all work, because there’s none available”. Extremamente dançante, Girls & Boys também tem como trunfo a antítese entre o baixo funkeado de Alex James e a guitarra furiosa de Graham Coxon.

4. Song 2: Se o critério fosse “número de vezes que ouvi”, esta ficaria em primeiro lugar. Acredito, no entanto, que as três canções a seguir são lírica e melodicamente superiores, e me proporcionam uma contemplação artística mais ampla. De toda forma, Song 2 é de fato uma das obras-primas do Blur. Apesar de semelhante à estética do Nirvana, ela é um deboche à falta de sentido das letras do grunge, e prima pela irreverência: “Woo-hoo, when I feel heavy metal / (...) And I'm pins and I'm needles / (...) Well I lie and I'm easy / All the time but I'm never sure why I need you / Pleased to meet you". Em apenas 2 minutos, a banda consegue fazer uma canção-símbolo dos anos 90, seja no que esta década teve de melhor (o renascimento do rock minimalista, sem firulas) e de pior (a postura sanguessuga do mercado fonográfico em relação ao grunge e ao “rock alternativo” em geral – basta lembrar que foi Song 2 quem explodiu o Blur nos EUA, tocando em desde filmes de ação até games como FIFA 98 – por meio do qual, aliás, a descobri, num longínquo Junho de 1998).

3. Coffee & TV: Com um ritmo delicioso conduzido pela bateria, Coffee & TV é uma das canções mais famosas da banda, graças ao inesquecível clipe que conta a saga de uma caixa de leite para ajudar uma família a encontrar um filho desaparecido: Graham Coxon, justamente o compositor desta faixa. A letra do guitarrista do Blur demonstra uma sinceridade cortante em versos como “I've seen so much, I'm going blind / (...) Sociability is hard enough for me / Take me away from this big bad world / and agree to marry me / So we can start over again”. É uma confissão de fraqueza – e disposição para se redimir; não por acaso, dizem que Coxon a escreveu em meio à sua luta contra o alcoolismo.

2. Beetlebum: Em uma canção em que as metáforas sobre sexo e heroína se mesclam de forma psicodélica, a banda – como bem observou Stephen Thomas Erlewine, do AllMusic Guide – atravessa o “Álbum Branco” dos Beatles no espaço de cinco minutos. Beetlebum começa com um riff inusitado, ganha contornos harmônicos com o vocal de Albarn, torna-se extremamente poderosa no refrão e seu coda é uma viagem narcótica regida pelo belíssimo solo de guitarra de Coxon. Nothing is wrong / I just slip away and I am gone”. É o tipo de perfeição sonora que uma banda – isto é, uma banda genuinamente boa – só alcança uma vez. Eu a consideraria a magnus opum do Blur se não houvesse outra faixa que me captou de forma mais visceral ainda...




1.  Country Sad Ballad Man: Eis uma escolha que concordo ser inusitada, afinal trata-se de uma música que sequer foi lançada como single. Além disso, ela tem uma tarefa árdua: é a terceira faixa num disco (Blur, 1997) que começa com Beetlebum e Song 2. À primeira audição, Country Sad Ballad Man pode parecer uma canção preguiçosa; mas, quanto mais se ouve ela, revela-se justamente nessa letargia o seu charme. Os vocais em falsete de Damon Albarn são impagáveis, assim como o triste riff de violão. Esta canção é como uma ressaca após os excessos dos anos em que o Blur – junto com o Oasis – dominou a cena musical britânica (1994-96): “VIP 223 / Have my chances  / They have me  / Now stay up nights   / Watch TV  / I'm country sad  / I'm a ballad man”. O tema central do álbum anterior (The Great Escape, 1995) e do seguinte (13, 1999) é sintetizado nesta faixa: estamos falando da solidão, que acompanhava Albarn mesmo com a fama e uma namorada que era vocalista de uma banda de sucesso (Elastica). Temos aqui, portanto, um rockstar melancólico, que percebe que o sucesso não o preencheu existencialmente. E, quando menos se espera, Country Sad Ballad Man muda completamente de ritmo, e se torna uma canção roqueira e desesperada, apenas para, segundos depois, encerrar-se de forma abrupta.