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Kaio

 

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27 junho 2019

Rumo às quartas da Copa América e da Copa do Mundo feminina

Hoje começam as quartas-de-final tanto da Copa América masculina quanto da Copa do Mundo feminina. Sendo assim, farei alguns comentários sobre os duelos que acontecerão, assim como a trajetória das seleções que chegaram até essa etapa (e, eventualmente, de algumas das eliminadas).

Copa América
Brasil x Paraguai
A seleção brasileira não mostrou um bom desempenho nos dois primeiros jogos; Tite ainda não resolveu o seu calcanhar-de-aquiles dos últimos anos: enfrentar equipes retranqueiras. O placar contra a Bolívia só saiu do zero graças a um pênalti apontado pelo VAR, mas o mesmo raio não caiu contra a Venezuela - pelo contrário, o Brasil teve dois gols anulados pelo árbitro de vídeo. As críticas ao técnico alcançaram o ápice; em todas as redes sociais e caixas de comentários que eu lia era quase unânime a insatisfação com o trabalho de Tite, seja pela postura apática do time, pela insistência em jogadores que não rendiam tanto ou pelas substituições equivocadas (uma delas, a troca  entre Casemiro e Fernandinho contra a Venezuela, rendeu um meme de Galvão Bueno soltando uma interjeição seguida de silêncio constrangedor).
Felizmente o escrete canarinho se redimiu na última rodada, contra o Peru. Ajudou o fato de que os peruanos adotaram uma postura ofensiva, até mesmo temerária, nos primeiros minutos de jogo, e o Brasil de Tite "encaixa" melhor contra adversários assim. A falha do goleiro peruano ajudou a encaminhar a goleada, mas não se pode desmerecer os belos gols de Everton "Cebolinha", Daniel Alves e Willian. A entrada de Everton no time titular surtiu efeito, mas Gabriel Jesus ainda precisa jogar melhor (leia-se: fazer gols) para justificar sua titularidade. A entrada de Allan no lugar do suspenso Casemiro será um bom teste, e é vista com certo alívio dado que a opção original, Fernandinho, está contundido. 
Embora tenha conseguido apenas dois empates e uma derrota na primeira fase (e tenha sido ajudado pela incompetência de Japão x Equador, que empataram um jogo no qual o vencedor se classificaria), não se pode subestimar o Paraguai. Em primeiro lugar, porque é o time que mais eliminou o Brasil em competições no século XXI (duas Copas América - 2011 e 2015 - e um Pré-Olímpico, em 2004); em segundo, pois já avançaram bastante em edições anteriores do torneio na base do empate (o vice de 2011, por exemplo, veio após nenhuma vitória, cinco empates e uma derrota, justamente na final); em terceiro, porque a seleção paraguaia está em um momento de reconstrução, e conta com vários jogadores que se destacam no futebol brasileiro, como o goleiro botafoguense Gatito Fernández e o zagueiro palmeirense Gustavo Gómez. 
O Brasil é favorito, até por ser anfitrião, mas os fracassos recentes em quartas-de-final (inclusive contra os paraguaios) não permitem um otimismo exagerado.

Venezuela x Argentina
Pelo segundo ano consecutivo (afinal o mesmo já havia ocorrido na Copa da Rússia), a Albiceleste avançou da primeira fase em 2º lugar, com 4 pontos, na base do sufoco e contando mais com a sorte do que com o juízo. O técnico Lionel Scaloni é inexperiente e até teve boa intenção ao renovar o elenco, chamando vários jogadores que atuam no futebol local, mas em campo o time continua com seus problemas de sempre: defesa frágil, falta de entrosamento, muitos gols desperdiçados, Messi tendo que resolver tudo (e muitas vezes não dando conta do recado) etc. 
A Argentina, contudo, jamais pode ser subestimada, e talvez reencontre o bom futebol no mata-mata. O adversário nas quartas, a Venezuela, será um bom teste para isso, afinal é uma das seleções com melhor defesa da Copa América (que o digam Peru e Brasil, que não conseguiram penetrá-la) e conta com sua melhor geração de todos os tempos, que pode até sonhar com uma vaga na próxima Copa.
Os argentinos têm maiores chances de passar de fase, mas não seria surpreendente se os venezuelanos vencesses, caso mantenham a consistência que mostraram nos três jogos anteriores - aspecto esse que faltou na própria seleção argentina.

Colômbia x Chile
Promete ser o duelo mais equilibrado das quartas. Foram duas das seleções que mostraram melhor futebol na competição até agora. Os elencos são recheados de jogadores de alto nível (James Rodríguez, Mina e Cuadrado de um lado; Vidal, Alexis Sánchez e Vargas do outro), e os técnicos também são excelentes: Carlos Queiroz já levou três seleções diferentes para a Copa do Mundo (pela última delas, o Irã, chegou perto de eliminar Portugal na 1ª fase de 2018) e Reinaldo Rueda, duas (além disso, fez um ótimo trabalho recente no Atlético Nacional, tendo sido campeão da Libertadores de 2016 , e no Flamengo, onde foi vice da Copa do Brasil e da Sul-Americana de 2017). 
Queiroz pegou um ótimo time herdado de José Pekerman, e mesmo tendo um estilo tático mais defensivo que o de seu antecessor, o futebol colombiano por enquanto não saiu prejudicado pela mudança. 
Já Rueda tinha um desafio maior em mãos (um Chile que, mesmo após ser bicampeão continental e vice da Copa das Confederações, ficou de fora do Mundial da Rússia), mas por enquanto vem fazendo o time render; mesmo a derrota para o Uruguai pode ser atribuída à escalação mista, e ainda assim foi um jogo bastante disputado.
A seleção colombiana parece ligeiramente melhor, mas essa é a partida com mais cara de que poderá ser decidida nos pênaltis.

Uruguai x Peru
Falando na Celeste, ela continua com o mesmo técnico nos últimos 13 anos (Oscar Tabárez) e o nível permanece alto; pode-se até argumentar que ele vem subindo desde 2017, afinal os uruguaios ficaram em 2º nas Eliminatórias (após quatro edições seguidas ficando em 5º e tendo que jogar a repescagem) e 5º na Copa do Mundo (melhor colocação de um sul-americano). O primeiro jogo na Copa América 2019 foi um 4x0 avassalador sobre o Equador, mas logo em seguida veio um preocupante 2x2 contra o Japão, em que por vários momentos o Uruguai esteve próximo da derrota. A partida contra o Chile foi melhor, mas o time precisa encontrar alternativas para a dependência das jogadas em velocidade envolvendo Cavani (foto) e Suárez (que não está na sua melhor forma).
Já os peruanos, cuja vitória por 3x1 contra a Bolívia eu vi no Maracanã no dia 18, esbarraram no goleiro venezuelano Fariñez na primeira rodada e foram massacrados pelo Brasil (cinco gols de cinco jogadores diferentes) na última. Resta saber se serão esses jogos ou o bom desempenho na segunda, quando viraram o jogo contra os bolivianos, que será a tônica de sua performance contra os uruguaios. Gareca já fez muito mais do que se esperava pela seleção peruana (desde a classificação para a Rússia até as boas campanhas nas duas últimas Copas América), mas precisa enfrentar o envelhecimento do elenco: os dois principais astros, Guerrero e Farfán, já estão na faixa dos 35 anos de idade. Outra preocupação para o Peru é corrigir a fragilidade defensiva mostrada contra o Brasil. 





Copa do Mundo feminina
Noruega x Inglaterra
As norueguesas tiveram bastante trabalho para eliminar as australianas nas oitavas-de-final. Jogaram bem melhor, mas o 2º gol não saía (e a Austrália ainda conseguiu empatar com um gol olímpico). Nos pênaltis, contudo, tiveram um desempenho impecável e resolveram a decisão já na 4ª cobrança. É uma seleção tradicional no futebol feminino, mas seu último título foi nas Olimpíadas de 2000. Talvez seja a seleção menos cotada das oito que avançou para as quartas, mas pode surpreender a favorita Inglaterra.
Falando nas inglesas, sua trajetória é oposta à norueguesa: sua equipe vem em ascensão, e conseguiu ótimos resultados no último Mundial e campeonato europeu: 3º lugar em ambos. Sua campanha na França vem sendo impecável, com 4 vitórias. Pode chegar no mínimo à semifinal, mas dali em diante o que vier é lucro (e merecido).

França x Estados Unidos
As francesas tiveram muito mais trabalho do que se esperava para despachar a seleção brasileira. Pesou o fato de que o Brasil teve sua melhor atuação na competição (e sua melhor performance desde o 5x1 contra a Suécia nas Olimpíadas de 2016), com muito mais garra, foco e segurança defensiva do que havia mostrado nas partidas anteriores; me impressionou, por exemplo, a quantidade de desarmes. Infelizmente dois erros na prorrogação foram fatais para o destino brasileiro: o gol na cara que Debinha perdeu aos 105' e a falha de marcação na falta que gerou o tento decisivo de Henry (foto), dois minutos depois. De toda forma, o desempenho da seleção feminina deve ser enaltecido, dadas todas as dificuldades (contusões, técnico medíocre, falta de investimento nas categorias de base e clubes fortes etc.); o fato de ter caído de pé contra a seleção anfitriã só reforça esse mérito.
A França, tal como a Inglaterra, é outra seleção em ascensão no futebol feminino (5ª no Mundial de 2015, 6ª nas Olimpíadas de 2016 e no campeonato europeu de 2017), mas precisa superar essa barreira das quartas-de-final. A adversária que terá para conseguir essa façanha não poderia ser mais complicada: a equipe dos EUA, a maior campeã mundial na categoria, com três títulos, inclusive o de 2015. As americanas começaram o torneio goleando a Tailândia por 13x0, e também não tiveram problemas contra Chile (3x0) e Suécia (2x0); a primeira dificuldade apareceu no 2x1 contra a Espanha, devido à forte marcação sobre sua craque Alex Morgan, fazendo com que os gols só saíssem em duas cobranças de pênalti de Rapinoe. 
Não há dúvidas de que França x EUA será uma final antecipada; a forte seleção americana parece ter ligeiro favoritismo, mas as francesas contam com o apoio da torcida e o moral fortalecido após superarem o difícil jogo contra o Brasil nas oitavas.



Itália x Holanda
Outras duas seleções que vêm crescendo nos últimos anos, mas uma delas já tem um troféu para demonstrar isso: as holandesas foram campeãs européias em 2017; por outro lado, elas só conseguiram entrar no Mundial via repescagem (curiosamente eliminando a mesma Dinamarca que haviam derrotado um ano antes na final do campeonato europeu). O bom futebol mostrado contra as poderosas seleções do Canadá, na 1ª fase, e do Japão, nas oitavas, credenciam a Holanda a sonhar alto.
As italianas surpreenderam no grupo mais difícil da competição, ficando à frente de Austrália e Brasil. É uma seleção que conta com ótimas jogadoras como Girelli e Galli (ambas atuam na Juventus), e após a vitória tranquila contra a China nas oitavas terão pela frente um confronto complicado contra as holandesas, mas que podem vencer caso mantenham o futebol eficiente que mostraram até agora.

Alemanha x Suécia
Duas seleções cuja pesa, embora a alemã seja certamente a mais pesada. Tal como no futebol masculino, a seleção feminina da Alemanha é copeira, e sempre chega longe nas competições que disputam; basta lembrar que são bicampeãs mundiais e ganharam a última Olimpíada - aliás, em duas dessas ocasiões (Mundial de 2003 e Rio-2016) derrotaram justamente as suecas. São as favoritas, inclusive porque contam com a única defesa invicta do Mundial.
A Suécia já não conta mais com a retranqueira (mas vitoriosa) técnica Pia Sundhage - algoz de EUA e Brasil em 2016 -, mas continua sendo uma seleção que inspira respeito. Despacharam as chilenas com dois gols nos minutos finais, golearam as tailandesas (embora "apenas" por 5x1), perderam com dignidade para as americanas e venceram um duelo árduo contra o Canadá nas oitavas-de-final. Será que terão sua revanche contra as germânicas?

24 junho 2019

Esquerda em Vertigem


Assisti hoje ao documentário Democracia em Vertigem, de Petra Costa. Seguem alguns comentários sobre ele.

Em primeiro lugar, não gostei da narração de Petra; há muita chantagem emocional, beira o melodrama. Em segundo lugar, tenho fortes ressalvas à forma como a autora tenta criar uma trama segundo a qual a democracia brasileira começa a morrer nas manifestações de 2013 (que são retratadas quase como uma ingratidão aos "anos dourados" petistas, rs), e que tudo que veio depois foi orquestrado, desde o impeachment (talvez a parte mais interessante do filme, porque ela filmou várias cenas dentro do Congresso), a Lava-Jato (ela acredita na teoria da conspiração de que os EUA estão por trás da operação!) até a eleição de Bolsonaro (que claramente foi colocado no documentário de forma tardia, porque a autora deve ter tomado um susto com a eleição dele, e com isso fez um "posfácio").
Em terceiro lugar, apreciei duas coisas: a estética (a fotografia é ótima) e algo que talvez nem fosse a intenção da autora: Democracia em Vertigem é um bom retrato da perspectiva de certa esquerda brasileira sobre a ascensão e queda de seu projeto de poder. A dramaticidade da narrativa do documentário é aguçada pelo seu caráter autobiográfico, pois a autora tem uma relação religiosa com a política, já que é filha de dois militantes comunistas que viveram na clandestinidade. Ou seja, o que ela retrata é o desmoronamento da expectativa dela própria em relação ao rumo de sua vida.
Não por acaso, já li por - e concordo - que o documentário deveria se chamar Esquerda em Vertigem, não só porque para certos setores da esquerda o termo "democracia" é sinônimo de "nós no poder" (não é à toa que, sempre que outro agrupamento político vence a eleição no lugar deles, falam em ascensão do "neoliberalismo", do "conservadorismo" ou até do "fascismo", numa retórica de um maniqueísmo bem soviético), mas também porque o que o filme de fato descreve é como certa intelligentsia de classe média/alta (com ênfase no meio artístico) lidou com os acontecimentos políticos dos últimos anos. E o resultado foi, para eles, desesperador: em menos de 6 anos o paraíso se converteu em inferno, devastando todas as suas esperanças: primeiro, as manifestações populares majoritariamente contrárias ao governo que supostamente representava o povo (junho/2013); segundo, a investigação do escândalo bilionário de corrupção que mostrou de forma desmoralizante como a esquerda no poder recorreu - e até ampliou - os mesmos mecanismos que durante décadas condenou (2014-2016);  terceiro, o impeachment da 1ª presidente mulher, ainda mais simbólica por seu passado na guerrilha (abril-agosto/2016); quarto, a prisão de seu líder messiânico (abril/2018); por fim, a vitória de um candidato que assumidamente defendia o legado da ditadura militar (outubro/2018). Se eu fosse de esquerda - e, mais especificamente, petista - eu também entraria em colapso depois de tudo que aconteceu.
Em suma, o documentário prega para convertidos, só reitera a narrativa para quem já acredita nela ("golpe", "cadê as provas", "500 anos de elite escravista/demófoba/corrupta/oligárquica" etc.), e não se esforça em persuadir quem discorda dela (não só quem está no outro oposto ideológico, mas também os moderados). O tom é mais de terapia do que de documento histórico-político.

15 junho 2019

To the center of the city in the night, waiting for you



Em 15 de Junho de 1979, foi lançado o álbum Unknown Pleasures, o primeiro do Joy Division. Sem sombra de dúvidas é um dos 10 melhores discos de estréia da história do rock, não só pelo repertório extremamente consistente (contém vários clássicos da banda, como "Disorder", "She's Lost Control", "Shadowplay" e "New Dawn Fades") mas também pelo caráter inovador, na medida em que consolidou a estética post-punk e influenciou bandas dos mais diversos estilos, não só do próprio post-punk (The Cure, U2, Bauhaus...) mas também do rock alternativo em geral (Radiohead, Nine Inch Nails, Interpol, The Killers etc.).
Em 2014 escrevi uma análise estética e sociológica sobre Joy Division a partir de Adorno como um trabalho para a disciplina Teoria Estética (Letras/UERJ), e depois adaptei o texto para a revista Polivox. Eis alguns trechos, levemente adaptados, sobre Unknown Pleasures:

"Ian Curtis tinha uma notável cultura literária e filosófica, algo que sua esposa Deborah ressaltou em sua biografia Tocando a Distância: 'na maior parte do tempo, ele lia Dostoiévski, Nietzsche, Jean-Paul Sartre e J.G. Ballard'. Logo em seguida, ela observa, com certa consternação, que 'ficava chocada por Ian passar todo seu tempo livre lendo sobre o sofrimento humano'.
O Joy Division, ao mesmo tempo em que era informado pelo passado (a fascinação mórbida pelo nazismo, a começar pelo próprio nome da banda), compunha uma música futurista, que soava paradoxalmente espacial (aliás, a acústica dos shows da banda soava melhor em grandes salões do que em pequenos clubes) e claustrofóbica. Era um notável contraste com a utopia do rock dos anos 1960, com seu imaginário da estrada como fronteira (como em 'Born to be Wild', do Steppenwolf) e sua 'expansão cósmica' em bandas psicodélicas como Pink Floyd e The Jimi Hendrix Experience. 
Esta característica da sonoridade do conjunto foi reforçada pela parceria com o produtor musical Martin Hannett, que se dedicou a capturar e intensificar essa espacialidade: segundo Simon Reynolds, 'Hannett acreditava que o punk era sonicamente conservador precisamente porque se recusava a explorar as capacidades do estúdio de gravação para criar espaço.' Uma notável amostra dessa experimentação foi Unknown Pleasures, o 1º álbum do Joy Division. 
Lançado em junho de 1979, o disco impressionou os críticos musicais britânicos por sua música 'ambiental': ruídos extravagantes (p.ex., o som de uma cadeira quebrando em 'I Remember Nothing' e o de um elevador antigo subindo em 'Insight'), ênfase no baixo, bateria desacelerada e repleta de eco e uma guitarra em segundo plano, mas capaz de produzir riffs arrepiantes. A poesia de Ian Curtis também merece destaque, ao abordar temas como epilepsia (doença da qual ele sofria e retratou, em terceira pessoa, em 'She’s Lost Control'), morte ('Shadowplay'), solidão ('I Remember Nothing'), horror ('Wilderness') e o ritmo frenético da vida urbana ('Disorder'), sendo que esta última descreve a paisagem sombria da Manchester pós-industrial e a reflete no eu-lírico, o qual percebe em si mesmo uma crescente perda de sensibilidade:

It's getting faster, moving faster now, it's getting out of hand,
On the tenth floor, down the back stairs, it's a no man's land,
Lights are flashing, cars are crashing, getting frequent now,
I've got the spirit, lose the feeling, let it out somehow

Outro exemplo da lírica melancólica de Curtis é este trecho de 'Insight':

Guess you dreams always end.
They don't rise up, just descend,
But I don't care anymore,
I've lost the will to want more,
I'm not afraid not at all,
I watch them all as they fall,
But I remember when we were young

Esta estrofe nos permite enfim remeter ao pensamento estético de Adorno. Em primeiro lugar, porque para este filósofo a arte exprime o sofrimento inerente à condição dos seres humanos, 'cindidos uns dos outros e em si mesmos'. Ou seja, ela é o veículo privilegiado de expressão do sofrimento que cada um de nós experimenta, 'de modo velado e reprimido, na vida cotidiana'. Em letras como a de 'Insight', a arte lírica aparece como linguagem do sofrimento e reflexo do desencantamento do mundo.
Em segundo lugar, porque Adorno acredita ser preciso levar a referência ao social para dentro da obra de arte, e com isso ver no poema não uma 'mera expressão de emoções e experiências individuais' e sim uma esperança de extrair, da mais irrestrita individuação, a 'participação no universal'. Em canções como 'Insight' há uma evocação do mal-estar que acometia os habitantes de Manchester (e do Reino Unido em geral) no fim da década de 1970. A propósito, a eleição da conservadora Margaret Thatcher - em quem, aliás, Ian votou como forma de protesto ao governo do trabalhista James Callaghan -, um mês antes do lançamento de Unknown Pleasures, pode ser interpretada como sintoma da insatisfação dos britânicos com a crise do país, na qual muito pesou a inércia do Partido Trabalhista diante das greves gerais e da recessão econômica.
A ressonância sociocultural da poesia de Ian Curtis, assim como sua inspiração na literatura underground de Burroughs, também encontra respaldo no depoimento da artista Genesis P-Orridge para um documentário sobre a banda, de 2008: 'suas obras eram um pesadelo pós-industrial. Se tratava de intolerância e falta de ética. Cínico, cheio de ódio, totalitário, escuro.'"