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Kaio

 

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24 setembro 2018

Like all our pretty songs, but don't know what it means

(Texto escrito em 24/09/2016)



Duas décadas e meia atrás, em 24 de Setembro de 1991, o Nirvana lançou seu segundo disco, Nevermind. A primeira faixa, "Smells Like Teen Spirit", foi também o primeiro single. Tendo como trunfos um riff lendário, uma dinâmica à la Pixies de versos calmos e refrão barulhento e uma letra que soou como hino de uma juventude entediada e angustiada ("I feel stupid and contagious (...) I'm worse at what I do best"), o anárquico clipe da canção foi ganhando destaque na MTV, o single subia nas paradas e o álbum começou a receber ótimas resenhas dos dois lados do Atlântico. 

Não demorou para público e crítica descobrirem que estavam diante de um clássico instantâneo: Nevermind ia muito além de "Smells Like Teen Spirit", e continha várias outras canções excelentes, das quais três viraram singles (a soturna "Come As You Are", a maníaco-depressiva "Lithium" e a debochada "In Bloom"), duas mostravam uma faceta mais acústica e melancólica ("Polly" e "Something in the Way") e três figuram entre as favoritas de muitos fãs ("Lounge Act" e "Drain You" - faixas de melodias irresistíveis que tratam do relacionamento de Kurt com Tobi Vail, do Bikini Kill - e o furioso punk "Territorial Pissings"). 
O som da banda, além da supracitada influência de Pixies, misturava a sensibilidade pop dos Beatles e do R.E.M. com a fúria dos Sex Pistols, o peso do Black Sabbath e o equilíbrio entre melodia e distorção do Sonic Youth (banda que, aliás, levou o Nirvana para a gravadora Geffen e fez uma turnê histórica com Kurt, Krist e Dave em meados de 91, registrada no documentário 1991: The Year Punk Broke).
A expectativa da Geffen era que Nevermind vendesse um pouco mais do que Goo (Sonic Youth), o qual havia alcançado 250 mil cópias. Quatro meses após o lançamento, contudo, Nevermind já estava no 1º lugar das paradas americanas e vendia cerca de 300 mil unidades por semana; hoje em dia já são mais de 10 milhões nos Estados Unidos e 30 milhões no mundo inteiro. 
A carreira do Nirvana foi meteórica; entre o lançamento de "Nevermind" e o suicídio de Kurt Cobain passaram-se apenas 2 anos e meio, e nesse meio tempo a banda ainda lançaria outra obra-prima (In Utero), teria uma relação de amor e ódio com a fama e faria shows espetaculares, dentre eles o belíssimo acústico para a MTV em 93.
De certa maneira o sucesso do trio foi ao mesmo tempo o início de uma era (o rock alternativo ganhou maior visibilidade comercial, o que permitiu a ascensão de bandas como Smashing Pumpkins e Pavement, e a cena grunge virou o Zeitgeist da juventude da 1ª metade da década de 90) e o fim de outra (de certa maneira o Nirvana, com sua postura rebelde, anti-comercial e niilista, foi o último ato do movimento punk, pois desde então nenhuma banda de rock conseguiu causar tanto impacto cultural quanto eles; isso sem falar que, desde então, a linha que separa o rock alternativo do mainstream se tornou tênue).

21 setembro 2018

Teenage angst has paid off well, now I'm bored and old


Em 21 de Setembro de 1993 foi lançado nos Estados Unidos o álbum In Utero, o terceiro do Nirvana. Dois anos após o estrondoso êxito de Nevermind, que tornou a banda a mais popular do planeta, a ponto de direcionar o mercado e o público para uma maior aceitação do rock alternativo, o "power trio" de Seattle resolveu adotar uma sonoridade calcada na agressividade e urgência de discos como Surfer Rosa (Pixies) e Pod (The Breeders), ambos produzidos por Steve Albini - o qual, não por acaso, foi convidado para produzir o álbum. Há, contudo, uma influência menos óbvia, admitida por Kurt Cobain em uma entrevista em 93: In Utero também é inspirado em Red (King Crimson), um álbum de rock progressivo marcado pelas distorções no baixo e guitarra e pela elevada dinâmica sonora (isto é, a variação entre momentos mais calmos e outros mais barulhentos).
A gravação do disco transcorreu em apenas duas semanas, em Fevereiro de 1993. O lançamento, contudo, foi adiado devido à tensão entre a banda e a gravadora Geffen sobre a estética abertamente anti-comercial adotada em In Utero. O próprio Kurt, contudo, não gostou de como Albini produziu "Heart-Shaped Box", "All Apologies" e "Pennyroyal Tea" (não por acaso, as três faixas mais melódicas do álbum, e todas lançadas como singles), e pediu para Scott Litt (produtor do R.E.M.) remixá-las; no caso de "Pennyroyal Tea", a nova versão não entrou no disco, mas apenas como single em 94, algumas semanas antes da morte de Cobain. Além disso, a excelente faixa "I Hate Myself And Want to Die" foi retirada de última hora da tracklist do CD, possivelmente para evitar controvérsias sobre o seu título.
In Utero é uma contundente afirmação artística; se Nevermind foi o álbum em que Kurt Cobain conseguiu encontrar o equilíbrio entre a sonoridade alternativa e o apelo comercial, In Utero é uma opção deliberada pela experimentação estética (tanto na temática sombria das letras quanto na sonoridade pesada) em detrimento das expectativas do público.
"Serve The Servants" é uma das faixas mais desconcertantemente autobiográficas que já abriu um disco de rock: "Teenage angst has paid off well / Now I'm bored and old (...) I tried hard to have a father / But instead I had a dad / I just want you to know that I / Don't hate you anymore". O riff e o solo de guitarra estão entre os melhores do catálogo do Nirvana.
"Scentless Apprentice", inspirada no romance O Perfume (Patrick Süskind), é possivelmente a música que mais chocou os fãs casuais de Nirvana em 1993 - ainda mais por ser a 2ª faixa do CD. A bateria introdutória de Dave Grohl é outro momento marcante, assim como a distorção cavalar na guitarra e vocais de Kurt Cobain e no baixo de Krist Novoselic.
"Heart-Shaped Box", primeiro single do álbum, é uma macabra e por vezes escatológica declaração de amor de Kurt a Courtney Love: "I've been locked inside your Heart-Shaped box for weeks (...) / I wish I could eat your cancer when you turn back (...) Throw down your umbilical noose so I can climb right back". É um dos destaques do disco, e a única que ganhou um clipe (excelente, diga-se de passagem), dirigido por Anton Coribjn.
"Rape Me" começa parodiando o riff de abertura de "Smells Like Teen Spirit" (o maior hit da banda, mas que devido à superexposição Kurt odiava tocar ao vivo) para depois declamar uma letra anti-estupro, na qual o eu-lírico promete se vingar de seu algoz.
"Frances Farmer Will Have Her Revenge On Seattle" é minha faixa favorita de In Utero, pois é a que melhor representa a dinâmica sonora entre versos calmos e refrões barulhantes. A letra é especialmente cortante ("I miss the comfort in being sad"), ao traçar um paralelo entre o drama pessoal de Cobain (desde a pressão da gravadora para lançar algo tão comercial quanto Nevermind até a invasão de sua privacidade pela imprensa) com o de Frances Farmer, atriz que se rebelou contra seu estúdio e, após anos de conduta errática, foi submetida a uma terapia de choque.
"Dumb" é uma música sobre alienação, comodismo: "I'm not like them / But I can pretend (...) The day is done / But I'm having fun / I think I'm dumb / Or maybe just happy" É a música com melodia mais calma do CD, evocando uma melancolia semelhante à de certas canções dos Beatles escritas por John Lennon.
"Very Ape" começa com uma crítica ao machismo (mais especificamente, a um estereótipo de masculinidade agressiva): "I take pride as the king of illiterature / I'm very ape and very nice". Um lado de Kurt Cobain pouco conhecido é seu ativismo feminista, algo pouco comum no meio musical no início da década de 90. Não por acaso, ele era muito próximo das integrantes do Bikini Kill (inclusive era ex-namorado da baterista Tobi Vail). A segunda parte da letra, contudo, pode ser vista como uma auto-descrição: "I'm too busy acting like I'm not naive / I've seen it all, I was here first".
"Milk It" é uma das faixas mais coléricas de In Utero, e seu refrão contém versos sobre seu vício em drogas que soam sombrios dado o que aconteceu meses depois com Cobain: "I am my own parasite /I don't need a host to live (...) / Look on the bright side is suicide".
"Pennyroyal Tea" trata de um chá que Kurt tomou para diminuir suas dores estomacais; segundo uma lenda urbana, ingeri-lo em grandes quantidades poderia causar um aborto, o que serviu de metáfora para o niilismo do vocalista e letrista do Nirvana: "Sit and drink Pennyroyal Tea / Distill the life that's inside of me". É uma das melodias mais inesquecíveis do álbum, e meses depois ganharia uma bela versão acústica.
Considerando que é a canção mais experimental e anti-comercial do álbum, o título de "Radio Friendly Unit Shifter" é no mínimo irônico. Segundo a New Musical Express, ela expressava o cinismo e a desilusão de Cobain em relação à indústria musical: "I love you for what I am not / I did not want what I have got (...) / I'm nothing to do with what you think / If you ever think at all".
"Tourette's" tenta evocar em seus vocais os tiques nervosos típicos de uma pessoa que sofre da síndrome de Tourette. É a faixa mais curta e acelerada do disco, e mesmo que trate de temática tão perturbadora tem um ritmo relativamente animado.
"All Apologies", dado o suicídio de Cobain, foi freqüentemente interpretada como um réquiem, especialmente por ser a última faixa do derradeiro álbum da banda. Ela também pode ser lida como uma dedicatória, em tom de desculpa, à sua esposa Courtney e à sua filha Francis: "What else should I be? / All apologies (...) / What else could I write? / I don't have the right". Sua melodia é extremamente cativante, e o coda ("All in all is all we are") é sublime.

In Utero estreou em 1º lugar em vários países, dentre eles os Estados Unidos e a Inglaterra, mas previsivelmente vendeu bem menos do que Nevermind. Na época, embora tenha sido muito elogiado pela crítica, alguns viram o disco como o deliberado afastamento do Nirvana da liderança do grunge, em termos de popularidade, para o Pearl Jam, que na mesma época lançou Vs., cujas vendas na estréia foram 5 vezes maiores que as de In Utero nos EUA. A morte de Cobain, contudo, fez com que o álbum começasse a ser reavaliado, e 25 anos depois não são poucos os fãs e os críticos - dentre os quais me incluo - que o consideram a obra-prima do Nirvana.