[Meu Facebook] [Meu Last.FM] [Meu Twitter]


 

 

Kaio

 

Veja meu perfil completo

 

 

 

 

20 fevereiro 2021

Futuro Passado

Talvez esse seja o texto mais difícil que já tive que escrever neste blog. Deveria tê-lo escrito no sábado passado, ou mesmo anos atrás, mas acho que foi melhor - ou mesmo sintomático - deixar para publicá-lo no mesmo dia em que, 13 anos atrás, passei no vestibular.

Indo direto ao ponto: desisti do doutorado em História na PUC-Rio, no qual defenderia minha segunda tese.

Mesmo tendo pedido extensão de prazo em Junho do ano passado para o meu orientador (até contei um pouco sobre isso neste post), não consegui escrever quase nada desde então; para além de umas algumas anotações e "brainstorms", o máximo que fiz foi enviar um resumo para o II Seminário de Pensamento Social Brasileiro: A genealogia da solidão: elementos de pessimismo cultural na obra de José Guilherme Merquior. Escrevi-o em Outubro e fiz a apresentação no GT em Novembro (ela começa aos 18:28 e as respostas às perguntas do moderador e do público, aos 1:08:47 e aos 1:31:51):


A confirmação veio no sábado passado, quando por curiosidade tentei entrar no meu login no sistema acadêmico da PUC e fui informado de que fui desligado do Programa. Considerando que não eu corri atrás (a defesa estava marcada para o início de Dezembro, e eu tinha até o final daquele mês para pedir uma nova extensão), foi uma forma passiva de desistência. Imediatamente mandei e-mail para meu (ex) orientador, pedindo desculpas pela situação e confirmando que eu não tinha mesmo condições de terminar a tese. Sinto-me mal pelo trabalho que devo ter dado para ele nos últimos quatro anos, por vezes ficando meses sem dar notícias sobre o progresso da tese (até porque de fato ela não estava progredindo).

Embora na hora eu tenha ficado bastante triste, aos poucos vejo que foi um peso enorme que saiu das minhas costas. O segundo doutorado não estava fazendo bem para mim. Pelo contrário, ele era um motivo para diariamente acordar pensando "Eu deveria estar escrevendo" e, mesmo assim, procrastinar pelo resto do dia, numa espécie de ansiedade misturada com auto-sabotagem.

Acho que insisti no 2º doutorado até esse limite (foi algo bem "44 minutos do 2º tempo", pois fiz todas as disciplinas, seminários de tese e até a qualificação; só faltou mesmo a escrita e defesa de tese) em parte por teimosia, como se fosse inadmissível deixar algo pendente, mesmo que eu nem estivesse ganhando bolsa de estudos (e inclusive tinha sido esse o motivo pelo qual priorizei o doutorado no IESP), mas também para cumprir uma certa expectativa social - que começou inocentemente, como um meme (em 2014 um amigo meu postou uma montagem com uma foto minha sorrindo de olho fechado e a frase "A vida é muito curta para fazer um doutorado de cada vez"), mas foi ganhando contornos de pressão, mesmo que inconsciente, das outras pessoas ("Olha só, o Kaio está escrevendo uma segunda tese" / "Uau, ele está fazendo um segundo doutorado" / "Se brincar ele ainda fará um terceiro" etc.).

Não duvido que a ansiedade derivada desse segundo doutorado tenha sido catalisadora de vários "bloqueios" que tive:

- o mais diretamente relacionado, que é o da produtividade acadêmica, declinante desde 2017, coincidentemente o ano em que retomei o segundo doutorado. Eu publiquei muitos artigos e participei de vários congressos entre 2011 e 2016, mas desde então não estou conseguindo produzir tanto, em parte porque já "esgotei" meu tema de pesquisa sobre Merquior (o que eu ainda tenho a escrever sobre a obra dele talvez não fosse mesmo suficiente para uma 2ª tese, no máximo para uns dois artigos);

- escrevi cada vez menos no blog (acho que fiquei cada vez menos à vontade para expor minha subjetividade cada vez mais atormentada, por isso, quando publicava algo aqui, quase sempre era uma resenha musical, na qual não precisava falar de mim mesmo);

- li menos romances (algo que foi tão importante na minha formação intelectual, mas que devido a pensamentos do tipo "Estou perdendo tempo, deveria estar escrevendo" só li dois nos últimos quatro anos, ambos do Jonathan Coe: Bem-vindo ao Clube e O Círculo Fechado; chegou a virar uma piada interna entre eu e minha namorada minhas tentativas fracassadas de ler O Homem Sem Qualidades, de Robert Musil).

Além dos "bloqueios" também tive as supramencionadas "procrastinações", que se dividiram em dois ciclos:

- 2017-19: música - 1) passava grande parte do meu tempo em casa lendo resenhas, artigos e ensaios sobre discos e bandas, fossem eles no computador ou em revistas e livros; 2) cataloguei praticamente toda a minha coleção de CDs (cerca de 700) no Album of the Year, e ainda postei resenhas de 1 em cada 6 deles, em geral nos seus "aniversários"; 3) como forma de distração dos meus problemas, quando saía de casa, comprava CDs - geralmente após ficar horas nas lojas pesquisando-os -, ainda mais quando descobri sebos no Centro do Rio que vendiam por preços bem baixos vários álbuns clássicos que eu ainda não tinha. Além deles, eu costumava ir havia ir às três lojas de discos numa galeria que ficava a uns 15 minutos a pé do lugar onde eu dava aulas particulares na Tijuca; foi lá que adquiri vários CDs raros de rock progressivo.

- 2020-21: videogame, inicialmente coexistindo com aquela breve fase de retomada dos estudos (que foi de Abril até Julho do ano passado), mas depois, quando voltou minha desmotivação para escrever, assumindo a hegemonia da minha rotina. Desde então passo quase o dia inteiro: 1) lendo e/ou postando em sites como VGChartz, Nintendo Life e GameFAQs; 2) assistindo a vídeos de YouTube sobre jogos que já joguei ou que me interessam; 3) eventualmente aproveitando as várias liquidações de jogos no Steam e nas eShops de 3DS e Switch, a grande maioria deles RPGs táticos; 4) zerando vários jogos: Final Fantasy Tactics (PSP)m em Julho; Chrono Trigger (DS), em Agosto; Mario Kart 7 (3DS) e Super Mario Bros. (Switch Online), em Setembro; as duas DLCs de Pokémon Sword (Switch), em Setembro/20 e Janeiro/21; Tactics Ogre (PSP), em Dezembro; e Fire Emblem Awakening (3DS), sábado passado (embora ainda esteja fazendo as DLCs).

Outra dimensão a ser levada em conta é que o segundo doutorado também estava me atrapalhando a focar nos concursos para professor adjunto e efetivo. Já tentei vários desde 2018 e não passei em nenhum deles - embora em alguns eu até tenha chegado à etapa final: 

1) professor adjunto de Teoria Social Contemporânea na UFBA (2019) - fiquei em 7º. Esse foi o que mais doeu não ter passado, pois eram 4 vagas e eu tinha o perfil que estavam procurando (jovem, recém-doutor, da área de Teoria). Fui muito bem na prova escrita (3ª melhor média), mas minha prova didática foi um desastre, pois o tema era um dos que eu menos dominava (Ação e Interação na Teoria Social Contemporânea) e, para piorar, fui sorteado para um dos primeiros horários (com isso minha aula foi menos de 4 horas depois de eu saber que tinha passado na prova escrita!). A aula ficou confusa; na hora eu até gostei dela, mas com o tempo fui percebendo que ela foi caótica, inclusive na organização do conteúdo do quadro; para piorar, quase não falei de Interação (acabei focando em Ação, mas num par conceitual com Estrutura). Se eu ainda tinha alguma chance, ela foi sepultada na defesa de memorial, em que, mesmo após uma hora defendendo enfaticamente minha trajetória, escorreguei na última pergunta feita pela banca, quando me questionaram como eu lidaria com alunos de graduação que não necessariamente tivessem perfil acadêmico (só fui descobrir depois que 2/3 dos graduandos em Ciências Sociais seguem carreira na licenciatura);

2) prof. efetivo de Ciência Política na UFG (2020) - 6º. Quase não fiz esse concurso, pois era presencial em Goiânia em plena pandemia (ele foi realizado entre Novembro e Dezembro), mas minha mãe insistiu para que eu o fizesse. Além disso, seria uma forma de passar alguns dias com minha família, já que eu não iria para lá no Natal e Ano Novo. Até que consegui estudar bem para esse concurso; nas duas semanas que o antecederam, fiz fichamentos sobre cada um dos possíveis temas de prova. Minha nota na prova escrita foi a 4ª melhor, mas bem próxima das três primeiras; minha prova didática foi melhor que a anterior, até porque treinei três vezes (a primeira com minha namorada, a segunda com meu irmão e a terceira com minha mãe), e teve uma nota razoável; contudo, fui derrubado pela prova de títulos, pois meu currículo era bem menos "recheado" que o dos demais concorrentes. Lição aprendida: talvez eu ainda não esteja "competitivo" para seleções de professor adjunto/efetivo, mas apenas de substituto.

3) prof. substituto de Sociologia na UFBA (2021) - 10º. Estava tão nervoso que mal consegui estudar nos dias anteriores ao concurso. Distraí-me até com encomenda atrasada dos Correios (o que me obrigou a ir duas vezes no centro de distribuição no Humaitá para verificar se ela não tinha sido devolvida ao remetente). Para piorar, minutos antes da aula, enquanto praticava com minha namorada, percebi que mal conseguia falar, e o conteúdo estava muito específico e avançado para o que deveria ser uma aula para turmas de início de curso. Dessa vez o tema da prova didática foi de fato Ação e Estrutura, mas mais uma vez me embolei, e como cobri todo o conteúdo em 20 minutos (e não duvido que devo ter falado rápido), os 10 minutos finais foram improvisados, com digressões meio vagas sobre indivíduo e sociedade e o cânone da Sociologia. 

O resultado desse terceiro concurso saiu poucas horas depois que soube que um dos meus irmãos passou no vestibular, o que atenuou um pouco o impacto; porém, no dia seguinte, confirmei o já temido desligamento da PUC, então na manhã de sábado passado eu tinha que lidar com dois fracassos consecutivos.

Jamais imaginei que um dia eu passaria por tudo isso, mas talvez desistir do segundo doutorado, mesmo que tão tardiamente, tenha sido a melhor coisa para a minha saúde mental (nunca pensei que usaria esse clichê, mas enfim...); até minha saúde física já foi afetada (ainda acho que minha tuberculose em 2017 pode ter sido fruto de um mal-estar psicológico que foi somatizado em uma queda de imunidade). Foram quatro anos de tortura auto-inflingida porque não conseguia escrever a segunda tese (mesmo sabendo por experiência própria, com a primeira em 2018, que tese de doutorado é necessariamente uma escrita sofrida, uma corrida contra o tempo), e isso virou uma bola de neve, pois a ansiedade travava a escrita, já que eu nunca achava que o que tinha para dizer era bom o suficiente, ou então que soava como "reciclagem" de temas da tese anterior. Deveria ter percebido bem antes que redigir duas teses, ainda mais duas teses sobre o mesmo autor, era uma insensatez, um esforço colossal e fútil. Não só essa experiência me fez começar a ter dificuldade e até mesmo raiva de duas atividades de que sempre gostei (ler e escrever), como também me deixou paralisado por uma auto-cobrança exagerada. Nem mesmo por uma questão de currículo valia a pena ter um segundo doutorado, pois no barema de pontuação das provas de títulos ter um doutorado já basta; não há "bônus" por um segundo. A única vantagem que eu teria seria poder tentar seleções de professor de História, mas nem isso era garantido, pois algumas também exigem graduação na área (e o meu bacharelado é em Ciência Política).

Havia, portanto, um ciclo vicioso: por um lado, o doutorado na PUC dividia minhas atenções com o futuro profissional pendente; por outro, talvez o fato de não trabalhar (bom, exceto pelo 1 ano e meio em que dei aulas particulares - que, contudo, não me davam muito retorno financeiro - e pelas 2 aulas que dei no início do ano passado na Estácio, que me renderam uma poupança por alguns meses) ou mesmo não ter uma bolsa tenha pesado para minha dificuldade em reunir forças para ser academicamente produtivo. Felizmente esse ciclo se encerrou; porém, a parte profissional não depende só de mim, afinal a pandemia e a crise econômica afetaram profundamente o mercado de trabalho no qual pretendo me inserir. Já vi que não tenho chance nos concursos de professor adjunto/efetivo, e não vejo tantos processos seletivos de professor substituto, muito menos para dar aulas em faculdades particulares. Será que é a hora de pensar num "plano B" e abandonar, ainda que temporariamente, a carreira acadêmica? Não sei ao certo.

O início dessa angústia pode ser remontado tanto ao fim de 2013, quando passei nas duas seleções de doutorado e fiquei sob o dilema de cursar só o do IESP ou fazer os dois (mesmo que não "ao mesmo tempo"), quanto ao início de 2017, quando eu retomei o doutorado da PUC após dois anos de "congelamento", sob a triste coincidência de ter sido pouco depois da morte do meu orientador, Ricardo Benzaquen. É possível que em parte retomei o doutorado como uma espécie de dívida póstuma com ele, até pelo fato de meu orientador substituto, Marcelo Jasmin, era um grande amigo do Ricardo (além de um professor que eu conhecia e respeitava desde minha época de UnB). Um momento perfeito para ter desistido desse 2º doutorado teria sido no fim de 2018, logo depois da ANPOCS em que apresentei um trabalho comparando o pensamento social de José Guilherme Merquior com o de Gilberto Freyre, em uma espécie de resposta às críticas que Benzaquen havia feito a Merquior em seu livro Guerra e Paz (e também na própria banca de qualificação do meu doutorado no IESP). Eu deveria ter sentido que aquele era o último fôlego da pesquisa. Até tentei insistir nela adicionando as discussões sobre filosofia da história (desde a qualificação, em 2018) e pessimismo cultural (desde ano passado, quando li o ótimo livro do Joshua Foa Dienstag); acho que ambos vão render dois artigos, mas não mais do que isso. Talvez seja a hora de trocar novamente de tema, assim como em 2015 mudei de Thomas Mann para Merquior. Quem sabe meu gosto pela pesquisa acadêmica seja retomado tirando esse fardo do 2º doutorado. Espero que essa nova fase também me permita recuperar o que perdi de minha auto-estima, tão vilipendiada por tantos anos de procrastinação, bloqueio criativo e, às vezes, até "síndrome do impostor" (perdão por outro clichê...).

P.S.: O título do post tem a ver tanto com um dos autores da História com quem eu possivelmente lidaria na segunda tese (Koselleck, que tem uma obra intitulada Futuro Passado) quanto com uma DLC de Fire Emblem Awakening que estava jogando durante essa semana (Future Past).