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Kaio

 

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22 setembro 2021

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40 anos atrás, em 22 de Setembro de 1981, o King Crimson lançou seu oitavo álbum de estúdio, o primeiro em sete anos: Discipline. Este álbum consegue o notável feito de combinar rock progressivo com new wave de um jeito extremamente criativo, e por isso mesmo é um dos melhores discos desta banda.

Para entender a mudança de sonoridade do King Crimson entre Red (1974) e Discipline, é preciso levar em conta as parcerias musicais de cada um dos quatro integrantes ao longo daquele intervalo temporal: 

1) o guitarrista Robert Fripp colaborou em discos de David Bowie ("Heroes", Scary Monsters) e Brian Eno (Another Green World) e canções de Talking Heads ("I Zimbra") e Blondie ("Fade Away and Radiate"), com solos de guitarra atmosféricos, muitas vezes recorrendo ao Frippertronics, uma técnica que dava à guitarra a capacidade de gerar sons de sintetizadores. Além disso, gravou um disco solo cheio de colaborações (Exposure), produziu o segundo álbum solo de Peter Gabriel e tocou em faixas de seu primeiro e terceiro discos. Ouvir estes trabalhos ajuda a entender como ele desenvolveu um estilo de tocar guitarra diferente do adotado na primeira encarnação do King Crimson (1969-74).

2) o guitarrista e vocalista Adrian Belew também trabalhou com Bowie (turnê de 1978 - da qual dois shows viraram os discos ao vivo Stage e Welcome to the Blackout - e Lodger) e Talking Heads (Remain in Light e a turnê de 1980 - capturada no disco 2 de The Name of this Band is Talking Heads), e seus solos de guitarra desconcertantes deixaram a marca nestes trabalhos.

3) o baterista Bill Bruford - ao lado de Fripp, o outro remanescente da formação anterior do KC - chegou a fazer uma turnê com o Genesis e formou a banda U.K. junto com, dentre outros, o ex-crimsoniano John Wetton. Gravou dois discos solo que tendiam ao jazz fusion. O seu estilo de bateria foi se sofisticando, incorporando elementos eletrônicos.

4) o baixista Tony Levin também trabalhou em discos solo de Peter Gabriel, nos quais começou a tocar o Chapman Stick. Além disso, foi contrabaixista em Double Fantasy (John Lennon & Yoko Ono).

Este quarteto começou a tocar no início de 1981 sob o nome Discipline, mas alguns ensaios e shows foram o bastante para o próprio Fripp admitir que era uma banda no mesmo espírito progressivo do King Crimson, no sentido de ser musicalmente desafiador e em constante reinvenção.

As sete faixas de Discipline conseguem ser extremamente estruturadas (não por acaso este álbum influenciou muito o math rock) mas sem soarem rígidas; pelo contrário, o groove de faixas como "Elephant Talk" e "Thela Hun Ginjeet" é contagiante.



"Elephant Talk", talvez a canção mais esquisita, abre o disco em ritmo bem dançante. Logo de cara temos Levin tocando seu Chapman Stick. Belew - em um estilo vocal bem reminiscente de David Byrne (Talking Heads) - recita várias palavras iniciadas entre as letras A e E que são sinônimos de "talk". Um dos solos de guitarra parece o barulho de um elefante, o que termina de explicar o título da faixa.

A frenética "Frame by Frame" é um bom exemplo da técnica de composição com guitarras entrelaçadas que Fripp desenvolveu com Belew.

"Matte Kudasai" ("por favor espere" em japonês) é uma encantadora balada que talvez seja a canção mais acessível deste disco. As guitarras são delicadas e a performance vocal de Belew merece elogios.

"Indiscipline", como o próprio título sugere, é a faixa que mais destoa do resto do disco, com guitarras abrasivas que lembram o King Crimson dos anos 70. A sua dinâmica sonora ficaria ainda mais excitante em sua versão estendida ao vivo, registrada em álbuns como Absent Lovers (1998 [1984]).



"Thela Hun Ginjeet" abre o Lado B do LP, e embora não seja totalmente instrumental como as duas faixas seguintes, ela tem uma letra mínima (além de trechos de uma gravação de Belew contando uma confusão na qual se meteu nas ruas) e se concentra mais em seu ritmo empolgante. Todos os quatro músicos têm performances fenomenais.

"The Sheltering Sky" (cujo título foi inspirado em um romance de Paul Bowles) é a faixa mais longa e etérea, e conta farto uso do Frippertonics, além da tambor de fenda africano de Bill Bruford e o Chapman Stick de Tony Levin.



A faixa-título é o exemplo definitivo da proposta polirítmica dessa formação crimsoniana. Eric Tamm explica essa proposta nos seguintes termos: "The gamelan-like texture readily lends itself to polymeter – where the players share a common pulse or beat, but group their beats in measures of different lengths. Such is the premise of the instrumental piece 'Discipline', for instance, where beat groupings of two, three, four, five, and even seventeen jockey for the baffled listener’s attention".

Em suma, Discipline é uma notável prova de que Fripp, Belew, Bruford e Levin formavam um "time dos sonhos" de músicos talentosos e criativos. Eles ainda gravariam alguns discos juntos, mas o primeiro deles continuou sendo o ápice desta formação.