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Kaio

 

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22 novembro 2018

50 anos de White Album e Village Green Preservation Society

22 de Novembro de 1968 certamente foi um dos dias mais importantes da história do Rock. Dois dos melhores álbuns da década de 1960 (e de todos os tempos) foram lançados nesta data: o álbum homônimo dos Beatles (mais conhecido como White Album) e o 1º disco conceitual dos Kinks.


1. O álbum branco foi gravado ao longo de cinco meses, sob um clima extremamente caótico: a Apple (empresa fundada pela banda para administrar seus negócios desde a morte do empresário Brian Epstein) mal foi aberta e já estava à beira da falência; John Lennon terminou o casamento com Cynthia Powell para namorar Yoko Ono; Paul McCartney terminou o namoro com Jane Asher para iniciar um relacionamento com Linda Eastman; Ringo Starr ficou chateado com as constantes críticas de McCartney e saiu da banda durante 2 semanas; Yoko irritava Paul, George e Ringo com seus comentários impertinentes etc. Mesmo com todas essas adversidades (além de um nítido choque estético entre os quatro integrantes), os Beatles conseguiram colocar em um LP duplo algumas das canções mais poderosas e atemporais da história do Rock. Nem todas as 30 faixas são perfeitas, mas todas são indispensáveis à ambiciosa cacofonia do White Album. A dobradinha que abre o White Album é impecável: "Back In The U.S.S.R." é uma enérgica e deliciosa paródia dos Beach Boys, e "Dear Prudence" é uma das canções mais delicadas e otimistas de Lennon. Logo em seguida temos a metalinguagem de "Glass Onion" (com referências a canções como "Strawberry Fields Forever", "The Fool On The Hill" e "I Am The Walrus"). Seguem-se três das canções mais excêntricas do catálogo do Fab-Four: a grudenta "Ob-La-Di, Ob-La-Da", a estridente "Wild Honey Pie" e a adoravelmente mórbida "The Continuous Story of Bungalow Bill". O Lado A fecha com duas obras-primas: "While My Guitar Gently Weeps" (uma das melhores composições de George Harrison, que chamou seu amigo Eric Clapton para fazer a guitarra solo) e "Happiness Is A Warm Gun" (sua estrutura complexa parece um rock progressivo avant la lettre, apesar de ter menos de 3 minutos).
O Lado B do LP 1 (ou as faixas 9-17 do CD 1) é repleto de belas canções acústicas como "Blackbird", "I Will" e "Julia", além de uma trilogia de canções com nomes de animais (a supracitada "Blackbird", além da sátira "Piggies" e do country "Rocky Raccoon"). John desabafa em "I'm So Tired" (destaque para o jeito como canta "I'm going insane"); Paul fala de sua cadela em "Martha My Dear" e faz um convite indecoroso em "Why Don't We Do It In The Road?"; Ringo enfim estréia como compositor solo na divertida "Don't Pass Me By". O segundo disco abre com a espontaneidade e a empolgação de "Birthday" (com direito a solo de bateria). Lennon novamente destila fúria em "Yer Blues"; McCartney contrapõe com a suave "Mother Nature's Son"; John ataca novamente com a eletrizante "Everybody's Got Something To Hide Except Me And My Monkey", aparentemente uma música sobre ele e Yoko (e uma das minhas favoritas do álbum) e a ácida "Sexy Sadie" (que revela sua decepção com a hipocrisia do Maharishi Yogi, ex-guru dos Beatles); McCartney então solta o maior petardo do álbum branco: "Helter Skelter", uma faixa tão agressiva e barulhenta que chamá-la de proto-metal não tem nada de exagerado (ainda mais considerando que foi feita justamente para superar o peso de "I Can See For Miles", do Who). George apazigua o clima com "Long, Long, Long", mas o final da canção tem um quê de orgásmico. As 6 faixas finais podem parecer menores perante tudo que as 24 anteriores apresentaram, mas ainda há espaço para surpresas. "Revolution 1", como já comentei anteriormente, é uma versão mais lenta e irônica da canção que depois se tornaria B-side de "Hey Jude". "Honey Pie" é um número de music hall que parece a sucessora de "When I'm Sixty-Four". "Savoy Truffle", outra composição harrisoniana, também investe na metalinguagem (cita "Ob-La-Di, Ob-La-Da"). "Cry Baby Cry" tem uma tensão contida, realçada pela vinheta "Can You Take Me Back?" e finalmente estourada em "Revolution 9", o momento mais vanguardista (e controverso) do White Album. Feita a partir de colagem sonora, ela vive ganhando enquetes de pior música dos Beatles, mas no contexto de um álbum tão esquizofrênico tem o seu charme. A propósito, graças a um dos extras da edição comemorativa de 50 anos, esta faixa de 8 minutos pode ser vista sob um novo prisma: vários dos seus ruídos e gritos foram tirados da jam de 10 minutos de "Revolution 1"! Em mais um drástico contraste sonoro, a jornada de três dezenas de canções é encerrada em grande estilo com a canção de ninar orquestrada "Good Night". Turbinado pela expectativa gerada tanto pelo imenso sucesso de "Hey Jude" quanto pelo fato de ser o sucessor do clássico instantâneo Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, as vendas do álbum homônimo dos Beatles foram espetaculares. Quanto à crítica, as opiniões em geral foram francamente favoráveis, mas há 50 anos este LP duplo tem seus detratores, desde os que acham que seria menos irregular se fosse lançado como um disco simples até os que o acusam de auto-indulgência, falta de direcionamento estético (lembrando que o álbum anterior dos Beatles era Sgt. Pepper's, que em vários aspectos é o diâmetro oposto do White Album) e até apatia política (lançado em 68, uma época em que tudo que não tivesse uma agenda explícita era considerado "alienado"; mas, já comentei sobre isso em Maio no post sobre "Revolution"). Os anos se passaram e o julgamento sobre o álbum branco vem se tornando mais benevolente, afinal ele disseminou sua influência por tantas décadas e estilos (desde o post-punk de Siouxsie and the Banshees até o indie rock dos Breeders) que se tornou provavelmente o trabalho dos Beatles que melhor envelheceu, o mais repleto de tesouros a serem explorados. Até hoje me lembro da 1ª vez em que o ouvi inteiro, quando tinha 14 anos. Fiquei desconcertado com um álbum que alternava subitamente entre faixas debochadas, baladas delicadas, canções barulhentas, experimentos estilísticos e músicas suingadas. Gostava mais dele a cada audição, e já naquela época ele se tornou meu álbum favorito não só dos Beatles, mas de música em geral.



2. Por sua vez, The Kinks Are The Village Green Preservation Society nada na contramão de seu Zeitgeist: não é nem psicodélico, nem politizado, nem vanguardista. Muito pelo contrário: é bucólico, nostálgico e tradicionalista. Não surpreende que, com essa peculiar proposta estética, os Kinks arriscaram qualquer chance de sucesso comercial, e isso logo depois do relativo êxito do single "Days" (primeira vez que entraram no top 20 britânico em quase um ano); Village Green não entrou nas paradas inglesas nem nas americanas, e só foi alcançar a marca de 100 mil cópias na Inglaterra na semana passada, graças ao box comemorativo de 50 anos lançado recentemente. Por outro lado, os Kinks criaram um dos clássicos secretos da música britânica, um disco que influenciaria várias bandas que igualmente desafiaram o mainstream apelando para uma sonoridade meticulosamente melódica (o chamado "pop perfeito") e para letras contendo crônicas sociais permeadas por melancolia; dentre elas podem ser citadas XTC, Blur e Pulp. The Kinks Are The Village Green Preservation Society contém canções geniais como a debochada "Picture Book", a gótica "Wicked Annabella", a envolvente "Do You Remember Walter?", a escapista "Animal Farm", a cínica "People Take Pictures Of Each Other" e o irreverente manifesto da faixa-título. É o melhor álbum dos Kinks, ainda que seja sucedido pelos ótimos (e também conceituais) Arthur (1969) e Lola (1970).