O Caminho Resgatado
Tive muitas discussões pesadas na época, por meio do saudoso "Politizados Fórum"; algumas até foram levadas para o lado pessoal, rs. Um dos debates mais recorrentes naqueles dias era sobre as relações entre nazismo (na verdade, fascismos em geral) e socialismo, algo que eu negava veementemente. Porém, algumas leituras que fiz na época me fizeram mudar meu ponto de vista sobre esta e outras indagações. Diria que três delas foram fundamentais: "1984" (George Orwell), que foi meu romance favorito durante um bom tempo; "A Desobediência Civil" (H.D. Thoreau), manifesto da liberdade individual; e uma versão resumida de "O Caminho da Servidão" (F.A. Hayek), que li só em parte, mas que expunha em linguagem tão clara alguns conceitos tão importantes que, retrospectivamente, vejo que tiveram impacto em minha "transição ideológica".
Dois anos depois, quando eu já tinha 17, finalmente resolvi ler os economistas liberais/libertários. Foi na época certa, pois eu havia passado os dois anteriores em "bildung", formando-me intelectualmente com muitos romances (Dostoiévski, Kerouac, Huxley) e filosofia (Nietzsche, Schopenhauer, Aristóteles), alguns poemas (Baudelaire, Rimbaud) e também textos políticos e sociológicos (Locke, Weber).
De quebra, havia passado por uma experiência que, com as devidas proporções, foi uma limitação da minha liberdade individual: passei no vestibular da UnB de Junho/07, mas meu colégio não quis me dar o diploma de Ensino Médio; minha mãe, obviamente, não tinha a grana preta necessária para pagar um mandado de segurança. Logo, fui obrigado a ficar mais seis meses, "preso" em Goiânia e no Ensino Médio. Já sem tanta preocupação com o vestibular, resolvi dedicar aquele semestre a uma ainda maior formação cultural. Li de tudo, desde Sérgio Buarque e Camus até Clarice Lispector e Henry Miller. Porém, comecei aquele ciclo justamente com o trio Mises, Friedman e Hayek. Não me arrependi. Dos três, o último a ser lido foi "O Caminho da Servidão", desta vez em versão integral.
Já em 1944, este livro, eminentemente político (para aqueles que querem um Hayek mais acadêmico, recomendo "Os Fundamentos da Liberdade"), causou impacto. Profetizando no deserto, seu autor estava em um contexto completamente hostil à defesa do livre mercado e da liberdade negativa. Porém, foi sua ousadia que iniciou uma série de escritos que marcaram o "Renascimento Liberal", e em alguns casos, a ascensão de sua vertente radical, o Libertarianismo. Falo, por exemplo, de "A Sociedade Aberta e seus Inimigos" (Karl Popper, 1945), "Ação Humana" (Ludwig von Mises, 1949), "Quem é John Galt?" (Ayn Rand, 1957), "Capitalismo e Liberdade" (Milton Friedman, 1962) e "Anarquia, Estado e Utopia" (Robert Nozick, 1974).
"O Caminho da Servidão", uma vez mais, exerceu um fascínio enorme sobre mim, um leitor cujo espírito estava desarmado, mas já disposto a ter melhor fundamentação sobre o pensamento liberal. Porém, recentemente percebi que ele ainda causa revolta naqueles que vão lê-lo já imbuídos de preconceitos, por mais que até estes reconheçam que Friedrich von Hayek escreve bem. Lê-lo pela terceira vez (ou 2ª e meia, se considerarmos que a primeira foi um resumo lido pela metade) foi uma experiência satisfatória. Continuo defendendo-o de seus detratores, mais por admiração intelectual a Hayek que por concordância à sua tese; sinceramente, eu iria além no minarquismo político e econômico e também ressaltaria a importância da virtude cívica.
Eis alguns dos pontos discutidos no texto:
- Hayek salienta a modéstia intelectual do individualismo. Este se opõe à "arrogância fatal" dos planejadores, os quais acreditam saber os fins e o bem-estar de todos. Sendo assim, a incerteza e razão limitada levam a uma defesa do indivíduo, que é quem melhor sabe os seus valores e necessidades.
- As influências de dois economistas da Escola Austríaca, seu mestre Mises (informação e o sistema de preços) e o pioneiro Menger (escala de valores, escassez), estão presentes.
- Quanto à definição de socialismo, Hayek frequentemente se refere ao método, que consiste na nacionalização dos meios de produção. Porém, nem sempre recorre a esse conceito de "coletivização da propriedade privada"; às vezes generaliza as diversas correntes socialistas, desde trabalhistas e social-democratas até comunistas e utópicos; isso, aliás, é uma das principais críticas que se faz ao texto. Além disso, ele alude ao princípio do socialismo (a justiça social) e os meios sempre questionáveis para alcançá-lo.
- O autor também opera certa psicologia social, ao analisar as ideologias de massa e os incentivos e comportamentos que elas induzem.
- Quanto à análise de conjuntura, o autor procura demonstrar que a II Guerra envolveu várias nações (Alemanha, Rússia, Itália e Leste Europeu em geral) cujo planejamento econômico e tendência totalitária são semelhantes. Parte disso sua preocupação com as tendências políticas nos países anglo-saxões, estandartes da liberdade.
- Rupturas: Hayek vivia em um zeitgeist coletivista, e lidava com vários embates de idéias: marginalistas x neoclássicos (metodologia), Boom vs. Bust (estudo dos ciclos econômicos); neoliberais x progressistas (os meios para alcançar a liberdade); e individualistas x coletivistas (Nazismo é capitalista ou socialista?).
- Resgates: tradição filosófica do liberalismo escocês (Smith, Hume) e o conceito de "tirania da maioria", herdado de Tocqueville.
- O livro apresenta pouco o seu debate com Keynes, que envolve desde interpretações sobre a Grande Depressão (juros baixos e expansão de crédito vs. propensão a poupar e subconsumo) até considerações sobre o papel do economista ("agenda" e caráter prático vs. lidar com imprevisibilidade e a importância.
- Quanto a seu contemporâneo Polanyi, pode-se dizer que ambos tem visão bem opostas sobre os mesmos temas de estudo (o mercado, p. ex.), mas não tanto em outros aspectos, como a constatação do caráter reacionário e anti-liberal das doutrinas fascistas.
- O planejamento leva uma invasão da privacidade, o que pode ser visto como um argumento economicista de Hayek (liberdade econômica precedendo liberdades políticas e individuais).
- O economista austríaco reúne argumentos conservadores (ênfase em tradições e costumes e as desconfianças com relação à democracia), liberais (liberismo e utilitarismo) e libertários (alerta para a servidão voluntária e valorização da esfera individual, autônoma).
(Resenha parcial do livro; restringi-me aos 7 primeiros capítulos, lidos hoje na reunião do PET. Na semana que vem, postarei sobre os 8 últimos)
O Conhecimento Social Sofisticado em Tocqueville
- Alexis-Charles-Henri Clérel de Tocqueville nasceu em 29 de Julho de 1805, em Paris. Filho de uma família tradicional e legitimista, estudou na Faculdade de Direito de Paris, onde se formou em 1825.
- Aos 26 anos, em missão do governo francês, viajou junto com seu amigo Gustave de Beaumont para os Estados Unidos da América, para estudar o sistema penitenciário e carcerário de tal país. Seus relatos de viagem foram a base para o que viria a ser seu livro mais conhecido: “A Democracia na América”.
- Atuou no Parlamento francês durante cerca de vinte anos. Defendeu causas abolicionistas e o livre-comércio. Foi membro da Assembléia Constituinte de 1848, onde fez oposição aos socialistas. Chegou a ser ministro de Relações Exteriores durante alguns meses. Abandonou a política em 1851, após o golpe de Estado de Luís Bonaparte.
- Principais obras: “A Democracia na América” (1835-1840) e “O Antigo Regime e a Revolução” (1856).
- Faleceu aos 53 anos, em Abril de 1859, na cidade de Cannes.
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
- Jon Elster: Ambigüidade, tendência à especulação e linguagem vaga são três aspectos recorrentes na obra tocquevilliana. O autor entra em contradição freqüentemente, mas nunca é claro o suficiente para podermos atestar se ele está errado ou não. O escritor francês, comparado com outros sociólogos (Marx, Weber, Durkheim), é profundamente assistemático. Parte disso se deve a seu desprezo pelo racionalismo abstrato típico do século XVIII. Tocqueville, assim como Mill, é um dos poucos pensadores de sua época que escapou de certos “males” das ciências sociais: holismo (negação do individualismo metodológico, em prol de entidades maiores), organicismo (analogia entre sociedades com organismos biológicos), funcionalismo (explicar fenômenos por seus efeitos, e não causas) e teleologia (acreditar que a história tem um sentido e uma direção). Tocqueville baseia-se em microfundações, e demonstra em “A Democracia na América” uma imaginação sociológica das mais poderosas e criativas; por exemplo, em seus “mecanismos causais exportáveis”.
- José Guilherme Merquior: Tocqueville possuía uma preocupação sincera com a base moral (especialmente a religiosa) das instituições liberais. Distinção entre egoísmo (vício atemporal) e individualismo (falta de virtude cívica nas sociedades democráticas). Aristocrático, ele sentia desprezo pelas classes médias, portadoras naturais desse individualismo. Cultivava um temor à doce servidão do Estado paternalista, assim como esperanças no autogoverno local e de associação voluntária.Talvez Tocqueville tenha sido o último arroubo do liberalismo cívico.
- Paulo Kramer: Tocqueville era um aristocrata por instinto e democrata por preferência intelectual. Estava preocupado com o homo democraticus e sua exclusiva concentração em seus interesses privados e o conseqüente relaxamento das virtudes cívicas. Concebia a tarefa de historiador como “pedagogia da liberdade”; ou seja, uma visão histórica que privilegiasse o livre-arbítrio. Comparação com Weber – ambos conferem supremo valor à liberdade, à independência ética e intelectual, à autodeterminação humana e ao senso de responsabilidade, além de abominarem a uniformização, a vulgaridade e a servidão voluntária da sociedade de massas. O francês, que escreveu meio século antes do alemão, é mais otimista quanto ao futuro desta sociedade democrática.
- José Osvaldo de Meira Penna: o pensador francês receava a emergência de uma sociedade de massas, manipulada por uma nova classe de ideólogos e burocratas, e governada por um Estado que impõe a tirania de uma maioria demagógica. Não era saudável que a sociedade exagerasse seus cuidados sobre o indivíduo, pois cada um é administrador mais competente dos seus interesses. Uma das análises mais certeiras de Tocqueville foi a constatação de que a democracia é frágil perante os Estados despóticos, no âmbito da política externa e defesa militar. Porém, ela possui virtudes insuperáveis para assegurar o desenvolvimento, a justiça e o bem-estar dos povos. Comparação com Dostoiévski: ambos se preocupam com os excessos do igualitarismo jacobino, assim como seu caráter místico; o Grande Inquisidor criado por Ivan Karamázov fala da promessa de felicidade terrena, com “liberdade igual” e segurança, mas que não passa de uma “gaiola dourada”.
3. INTERPRETAÇÃO
- Influência dos fatores naturais: isolada pelo Oceano Atlântico da Europa, os americanos não precisam se preocupar com rivalidades com vizinhos e guerras. Com isso, a glória militar ainda não exerce grande força sobre o espírito do povo.
- Origem dos anglo-americanos: imigração forte de seitas religiosas perseguidas no Reino Unido – desde os Quakers e puritanos até os católicos ingleses. Assim que chegaram nas terras do Novo Mundo, estabeleceram um contrato social. Estavam movidos pela união íntima do espírito religioso com o espírito de liberdade.
- Situação social: as leis de sucessão, ao abolirem o direito de primogenitura (e promoverem a repartição igual dos bens entre os filhos), geraram uma contínua divisão das propriedades, minando assim o apego aristocrático à terra; em outras palavras, destrói a ligação íntima que existia entre o espírito de família e a conservação da terra”. Como conseqüência política desta medida legislativo, temos o aumento da igualdade de condições, inclusive de inteligência e força; há, portanto, um enfraquecimento do “status”, mesmo no sul do país. Felizmente, essa equalização não tornou os EUA mais fracos e despóticos, em razão do princípio de soberania do povo.
- Instituições: pode-se destacar as instituições comunais, a autonomia dos Estados e a esfera de atuação limitada (embora poderosa) da União. A Constituição Federal gerou um tal equilíbrio de poderes que, simultaneamente, fortaleceu a União e manteve a autonomia dos Estados. A sociedade civil também tem instâncias importantes, como as associações e a imprensa livre.
- Valores aristocráticos x democráticos: há uma boa definição de ambos no capítulo VI da 2ª parte. De um lado, preferir a aristocracia caso se prefira “dar ao espírito humano certa elevação, (...) inspirar aos homens uma espécie de desprezo pelos bens materiais, (...), fazer nascer ou conservar convicções profundas e preparar grandes devotamentos (...), polir os costumes, elevar os modos, fazer brilhar as artes (...), poesia, ruído, glória (...), organizar um povo de maneira a agir fortemente sobre todos os outros”, destinando-o “a tentar grandes empreendimentos e, seja qual for o resultado de seus esforços, a deixar um traço imenso na história”. Do outro, constituir o governo da democracia se o objetivo for “encaminhar a atividade intelectual e moral do homem para as necessidades da vida material e empregá-la para produzir o bem-estar; se a razão nos parece mais proveitosa aos homens que o gênio; se o nosso objetivo de modo nenhum é criar virtudes heróicas, mas hábitos pacíficos; se antes queremos ver vícios que crimes, e se preferimos encontrar menor número de grandes ações com a condição de encontrar menos ofensas; se, em vez de agir no seio de uma sociedade brilhante, basta-nos viver no meio de uma sociedade próspera; se, afinal, o objetivo principal de um governo de modo nenhum (...) é dar a todo o corpo da nação a maior força ou a maior glória possível, mas fornecer a cada um dos indivíduos que a compõe a maior parcela de bem-estar e evitar-lhe maior miséria”.
- Tirania da maioria: além de aumentar a instabilidade legislativa e ser o maior perigo à perpetuação da república americana, a onipotência da maioria exerce poder profundo até sobre o pensamento. “Dentro dos seus limites, o escritor é livre; mas infeliz daquele que ousar ultrapassá-los. (...) O senhor não diz mais: ‘Pensareis como eu ou morrereis’. Diz apenas: ‘Sois livre de não pensar como eu; vossa vida, vossos bens, tudo vos fica; mas, desde hoje, sois um estranho entre nós’”. Nessa pressão social também reside a falta de grandes escritores na América: “A Inquisição jamais pôde impedir que circulassem na Espanha livros contrários à religião da maioria. O império da maioria fez mais do que isso nos Estados Unidos: acabou até com a idéia de publicá-los”.
- “Checks and balances”: a ausência de centralização administrativa (vontade soberana não é uma, e precisa passar pelas comunas e condados), a influência dos juristas (único segmento de tendência aristocrática que goza de aprovação popular, são os maiores defensores do espírito legal e do respeito às leis) e a instituição principalmente política do júri (sua diversificada composição social lhe dá um caráter de educação cívica) são três mecanismos que impediram o avanço da tirania da maioria na América. Tocqueville também ressalta a importância das associações, da divisão de poderes e do federalismo. O desbravamento de fronteiras, somado ao valor dado ao bem-estar material pelos americanos, facilitam a extensão territorial do país, assim como a manutenção da democracia.
- O papel dos costumes e da religião: o cristianismo demonstrou seu caráter democrático e republicano, muitas vezes esquecido, na colonização da América. “O despotismo pode governar sem a fé, mas a liberdade não”. A religião modera a paixão pela inovação; possui, portanto, grande utilidade política – o que justifica, por exemplo, as missões de sacerdotes enviadas para o Oeste (papel da moral em gerar coesão social).
- Duas potências: “Dois grandes povos, (...) tendo partido de pontos diferentes, parecem adiantar-se para o mesmo fim”: a Rússia despótica e a América democrática. “Um combate o deserto e a barbárie, o outro, a civilização com todas as suas armas; por isso, as conquistas do americano se firmam com o arado do lavrador, as do russo com a espada do soldado”.
- Retórica e estilística: já na Introdução, há um trecho particularmente curioso, proferido enquanto Tocqueville falava da força irresistível da democracia nos tempos modernos: “Não é necessário que fale o próprio Deus para que descubramos sinais certos da Sua vontade; basta examinar a marcha habitual da natureza e a tendência contínua dos acontecimentos; sem que o Criador eleve a voz, sei que os astros seguem no espaço órbitas traçadas pela Sua mão”. Eis um recurso retórico para expressar a importância de se estar atento ao fenômeno democrático.
- Ambigüidades do texto: o termo “democracia” é utilizado com três sentidos diferentes: o regime político propriamente dito, a sociedade americana e a sociedade francesa. O autor é autoconsciente de seus paradoxos, como no seguinte trecho: “Tenho por ímpia e detestável a máxima de que, em matéria de govenro, a maioria de um povo tem o direito de tudo fazer, e, no entanto, situo nas vontades da maioria a origem de todos os poderes. Estarei em contradição comigo mesmo?” (2ª Parte, cap. VII)
- Tradição filosófica: influenciado por Aristóteles (análise multidisciplinar dos fenômenos sociais), Montesquieu (ênfase na cultura e nas virtudes típicas de cada regime político) e Rousseau (valorização da democracia e da virtude cívica).
- Em relação a seu espectro ideológico, pode-se dizer que evoca valores conservadores (tradicionalismo), liberais (culto à sociedade comercial e aos progressos trazidos pelo livre mercado), cristãos (livre-arbítrio) e republicanos (relevância participação dos cidadãos na vida pública).
4. INFLUÊNCIAS
- Cultura: Tocqueville tornou-se um ícone cultural para os Estados Unidos. Muitas vezes foi tomado como profeta, pois em seus escritos teria prenunciado a Guerra Civil, a abolição da escravatura, o avanço do Estado previdenciário e a Guerra Fria.
- Filosofia: segundo Stuart Mill, ele escreveu “o primeiro livro filosófico sobre a democracia, tal como se manifesta na sociedade moderna”. Influenciou o conservadorismo moderno, o liberalismo republicano e também doutrinas social-liberais.
- História: influência para historiadores baseados no individualismo metodológico e no estilo clássico. Os herdeiros de Tocqueville, portanto, faziam uma historiografia centrada nas idéias e ações de individualidades excepcionais.
- Sociologia: Raymond Aron é um dos que acreditam que ele foi um dos primeiros sociólogos, assim como o pioneiro no estudo da democracia e dos dilemas da igualdade. A abordagem “politeísta de valores” de Max Weber tem ecos tocquevillianos.
- Teoria Política: cientistas políticos como Robert Putnam, em suas formulações sobre o capital social e o papel da cultura cívica, evocam a importância que Tocqueville dava para o estudo conjunto de instituições e costumes.
29 abril 2010
Foot-pol
Futebol
- A Internazionale é finalista da Liga dos Campeões. Torço pela Inter há cerca de 11 anos, e aguardava há muito por esse momento. A equipe, hegemônica em sua terra natal, não conseguia ir bem no torneio da UEFA. Porém, com uma disciplina tática notável, superou o ótimo e até então imbatível Barcelona. Após contar com a eficiência do ataque e as defesas de Júlio César no primeiro jogo (3x1), o time treinado por José Mourinho recorreu à melhor maneira de enfrentar o futebol ofensivo dos catalães: retranca. Sim, retranca das mais nojentas, porém eficazes. Com 25% de posse de bola e quase nenhuma finalização, a Inter de Milão passou o jogo inteiro na defesa, e só falhou uma vez, quando já eram 36 do 2º tempo. Resultado: 1x0 pro Barça, placar suficiente para classificar os milaneses. E que venha o Bayern de Munique!
- A Copa do Mundo já está se aproximando, hein? Veremos o pentacampeonato da Itália, certo? Torço por isso. Porém, acredito que as favoritas ao título sejam mesmo Espanha, Argentina e Brasil. Querem meus palpites de oitavas-de-final? França x Nigéria; Inglaterra x Gana; Holanda x Paraguai; Brasil x Chile; Argentina x México; Alemanha x Argélia; Itália x Dinamarca; Espanha x Portugal. Sim, acredito que 3 seleções africanas passarão da 1ª fase, levando em conta três fatores: torcida, bom desempenho na CAF 2010 e o fato de que os "segundos europeus" de seus grupos não são tão fortes (Grécia, Eslovênia e Sérvia).
Eleições
- No Reino Unido, teremos a eleição mais equilibrada das últimas décadas. Sem conseguirem maioria parlamentar há exatos 100 anos, os liberais (Lib-Dems) têm chances reais de alcançar uma ótima votação. Nick Clegg capitaneia essa campanha surpreendente. Os conservadores (Tories), que já não têm um favoritismo tão claro quanto possuíam meses atrás, ainda assim são os mais cotados para ficarem em 1º lugar, favorecidos não só pelo sistema majoritário (que prejudica a terceira-via liberal) mas também pelo bom desempenho de seu líder David Cameron no último debate. Longe do poder desde 1997, eles estão bem cotados para derrotar Gordon Brown e os trabalhistas (Labour), desgastados por desastradas tentativas de recuperar a economia britânica da crise por métodos intervencionistas. Para mim, o ideal seria uma vitória dos liberal-democratas (com ou sem coligações), mas se o Partido Conservador vencer, mas com menos de 50% dos assentos, e precisar se aliar com eles, também já me dou por satisfeito.
- Quanto ao Brasil, é uma pena essa polarização Serra vs. Dilma. Dois social-democratas sem pretensões de tirar o peso do governo de nossas costas (reforma tributária, privatizações, corte de gastos públicos, descriminalização do aborto, diminuição de controles sobre mercado e iniciativa privada, legalização da união civil entre homossexuais etc.), com o agravante para a candidata petista de ter um perfil mais tecnocrático e potencialmente autoritário. Além disso, o PNDH, embora superestimado pelos seus adversários (sou otimista, logo não creio que este plano terá a grande maioria de suas diretrizes postas em prática), inspira temor. Temos Marina Silva correndo por fora; com a saída de Ciro, sua importância estratégica para o 2º turno só aumenta. Em quem votarei? Provavelmente no Américo de Souza, do PSL. Mais detalhes em breve...
Nos próximos posts, falarei sobre Hayek e Tocqueville. Até mais!
27 abril 2010
...Il peut être
Porém, antes disso preciso terminar de ler "A Democracia na América". Ainda faltam cerca de 200 páginas, ouch. Só que o livro é tão bom que nem ligo para esses e outros detalhes, como a letra minúscula da edição da Itatiaia.
Ah, eis uma "revisão bibliográfica" das referências que utilizarei para os personagens do meu livro. Volto a insistir (mesmo que isso seja uma mentira goebbeliana, rs): a intenção não é fazer um livro pedante ou "wannabe Ulysses". Longe disso. Apenas quero ter pontos de partida para a construção dos meus personagens. Isso até me incentiva a procurar escrever melhor, pois precisarei encaixar essas inspirações sem ser muito explícito.
JÚLIA
- Ayn Rand: atéia e liberal
- Hermann Hesse: "loba da estepe"
- Alterego soturno
- A literata cientificista
CÉSAR
- Thomas Mann: humanismo
- Thoreau: individualismo
- Alterego exaltado
- O cientista literário
ALICE
- J.P. Sartre: existencialismo
- Nietzsche: transvalorização e niilismo positivo
- Beatniks: hedonismo cult
HENRIQUE
- Eric Voegelin: "psicologia do revolucionário"
- Angústia latino-americana (de Zé Bebelo a Aureliano)
- Fé materialista (socialista e espírita)
GIOVANA
- Dilemas religiosos, éticos e sexuais
- Feminismo e LGBT x Catolicismo
- Dostoiévski: redenção pelo sofrimento?
MÁRIO
- Romantismo matemático: idéias e (ou) sentidos
- Aldous Huxley: Sci-fi e distopias
- Cultura pop e conservadorismo
Sic semper tyrannis
Tive uma 2ª feira bem agitada. Pela manhã, imprimi os cartazes do GEH; almocei na Subway; à tarde, fui ao LARI (PET-REL), peguei meu cartão de conta universitária e reuni-me com o pessoal da Aliança; à noite, li Benjamin Constant, fui para o colóquio sobre ele e tivemos uma discussão muito produtiva - e longa, pois só acabou às 22h30!
Resumo da ópera: quase não li Tocqueville, Hayek ou Greenfeld hoje. Terça-feira vem aí para me redimir, I hope.
25 abril 2010
600 posts! - parte 3
1. O Artigo
Como já falei por aqui, pretendo enviar um artigo, a ser aprovado, para a revista de graduação da História. O título provisório é "O Reino dos Karamázov: Os Três Irmãos e a Rússia do Século XIX". Pretendo discutir, a partir do romance "Os Irmãos Karamázov" (Fiódor Dostoiévski), os caminhos da modernização russa, em especial o ambiente cultural e político da época. A oposição entre as visões de mundo de Ivan e Aliócha (assim como o meio-termo, o "russo comum" Dmitri), respectivamente um progressista de influências ocidentais e um conservador e cristão ortodoxo, será o mote do texto.
Eis um brainstorm de temáticas possíveis a serem desenvolvidas no meu texto:
- História, Cultura e Sociedade na Rússia do Séc. 19
- Sociologia da Religião
- Política; Espectro ideológico do personagens
- Biografia de Dostoievski
- Servidão, litígios financeiros
- Ivan, niilismo, assassinatos políticos
- Aliócha, eslavismo cristão, movimentos religiosos
- Dmitri, romantismo, populares
- Discussões sobre Deus, liberdade, crime e justiça
- “Nationalism” (Liah Greenfeld) como base
- Ocidentalização x Eslavismo cristão
- A Revolução de 1917 e a opção pelo modelo ocidental
Pretendo terminá-lo, se der tudo certo, até 30 de Abril. Não sei como vou conciliar isso com as duas leituras que tenho que fazer até dia 30, Hayek e Tocqueville; mas, acho que com o tempo livre que terei sem as festas (pois é, antes de 6ª estou me proibindo de sair!), tenho alguma esperança de consegui-lo.
2. O Livro
Tive alguma novas idéias:
1. Alice e o amadurecimento: depois de algumas conversas que tive nessa semana, mais algumas experiências recentes e as reflexões trazidas por "As Melhores Coisas do Mundo", resolvi que esta personagem terá o fardo de refletir os problemas, vantagens e angústias trazidas por um amadurecimento precoce. Alice, já aos 14/15 anos, tinha muito mais experiência de vida que seus amigos(as), e com isso surgiu como uma liderança no grupo. Muitas vezes, justificou suas atitudes com autores que lia, desde beatniks como Jack Kerouac até "filósofos da ação" como Nietzsche. Porém, por trás da aparência de convicção e superioridade (muitas vezes, também arrogância e deboche), há uma garota criada por pais tão liberais a ponto de serem permissivos e ausentes. Além disso, Alice passará toda a trama envolta em uma aceitação desesperada do niilismo, e seu estilo dionisíaco, refletido em sua suposta crença no neopaganismo, esbarra em uma constante, porém silenciosa, pergunta sobre o valor de uma vida levada ao extremo.
2. Júlia e o curso: ainda não decidi qual a graduação universitária desta personagem. Por mais que um curso não diga tanto assim sobre uma pessoa, sempre achei importante que cada um dos 6 protagonistas do livro fizesse um que tenha a ver com as discussões e dilemas que enfrentará ao longo da obra. Júlia é um caso extremo, pois ela é um protótipo de intelectual enciclopédica, dividida entre a arte e a ciência; sendo assim, precisa ser "undergraduate" de um curso gabaritado e de grade bem aberta. Inicialmente, Júlia faria Economia, mas até recentemente, estava fazendo Relações Internacionais. Talvez Letras/Literatura seja uma opção, mas ontem uma amiga me sugeriu que ela fizesse História. Pensando bem, é uma escolha interessante, pois é um curso que não vai de encontro com as "tentações cientificistas" nem o gosto artístico refinado dela; isso sem falar na contradição que ela vive em seus gostos (ex.: música contemporânea, literatura antiga). Além disso, seria interessante criar uma historiadora assumidamente liberal, atéia e levemente misantrópica.
3. Polifonia: por último, bati o martelo - todos os 17 capítulos serão narrados em 1ª pessoa, alternando-se os seis personagens principais. Só preciso tomar o cuidado de dar distinção e personalidade própria para cada uma dessas vozes narrativas. Algumas delas recorrerão mais a diálogos, outras descreverão mais os seus atos, e haverá as que preferem monólogos interiores. Sério, preciso encontrar um jeito de incorporar todos estes elementos no livro sem sacrificar uma linguagem fluida e instigante e evitando o pedantismo. Mission: possible?
600 posts! - parte 2
-> Em meio à burocracia para transformar os Estudos Humanistas em projeto de extensão, fiz amizade com o pessoal do IPOL.
-> Apesar da paralisação das atividades de ensino, por motivos óbvios, o PET/POL continuou bem ativo em pesquisa e extensão.
- Continuamos com as reuniões acadêmicas, e estamos discutindo os livros do ciclo sobre Formação e Dinâmica do Mundo Moderno. Dois já foram debatidos (Arendt, Polanyi), semana que vem começa Hayek (mais detalhes abaixo) e ainda teremos pela frente Arrigui, North, Habermas e Huntington. Os debates alternam entre o informal e o filosófico, e estou gostando das interpretações que estamos extraindo dos textos. Meu tema de pesquisa - e também de monografia - já está praticamente definido: "A Liberdade em 'A Montanha Mágica'", com uma discussão sobre livre-arbítrio, virtude cívica e a relação sempre complicada, mas nem por isso menos necessária, entre o espaço público e o foro individual.
- Quanto à extensão, iniciamos o projeto E Eu Com Isso?, realizado em um colégio de Ensino Médio em São Sebastião. A proposta é fazer um acampamento de 3 dias, com diversas atividades, dinâmicas e oficinas, sendo um para cada série (já fizemos com o 1º ano; em Junho e Julho teremos a participação do 2º e do 3º, respectivamente). O 1º 'camping' foi legal. Tudo bem que a melhor coisa que tive por lá foi a descoberta (e leitura em ritmo acelerado) de "O Liberalismo - Antigo e Moderno", do Merquior, hehe. Porém, a dinâmica que ajudei a organizar, cujo tema era Consumismo, foi melhor do que eu esperava. Os(as) alunos(as) suscitaram questionamentos interessantes, e passar a faixa "1406", dos Mamonas, e o documentário "Criança, a Alma do Negócio" foram boas idéias. Admito que não fiquei tão empolgado com o projeto como os demais extensionistas, mas isso é fruto mais do meu temperamento do que do evento em si.
-> O Grupo de Estudos Humanistas está indo de vento em popa, com suas reuniões quinzenais. Estou até testando algumas possibilidades pedagógicas; no 2º debate sobre "Os Irmãos Karamázov", por exemplo, utilizamos músicas do Joy Division para elucidar temáticas dostoievskianas. Embora com baixo público, esta última reunião teve até a participação de um ator que viu um de nossos cartazes pregados no ICC! Nosso próximo encontro será sobre "A Democracia na América", obra de Alexis de Tocqueville. Aliás, 30 de Abril será uma espécie de Dia do Liberalismo, pois haverá reunião do PET sobre "O Caminho da Servidão" (Hayek) - aberta ao público! - e, às 15h, Tocqueville no GEH. Para maiores detalhes, acessem o blog Estudos Humanistas. Os colóquios semanais continuam, e amanhã, às 19h30, haverá o 13º deles, sobre Benjamin Constant, excepcionalmente no Blenz Café (409 sul).
-> Sobre a política estudantil, nem vou me prolongar muito. Só posso dizer que o DCE vem tomando decisões equivocadas, radicalizando-se e distanciando-se dos reais interesses dos estudantes. Arrisco-me até a dizer que eles nem estão tão preocupados com a pauta principal da greve (a URP), mas sim com a possibilidade que esta trouxe para incluir pautas próprias, inclusive a esdrúxula e cega oposição às fundações privadas. A invasão da nova Câmara Legislativa (que, por ainda estar em construção, é propriedade privada, o que justificou a reintegração de posse) e a briga com a polícia no dia das eleições indiretas são sinais lamentáveis da gradual perda de sensatez das "lideranças" do movimento estudantil unbista.
Cultura pop: o que se pode dizer?
-> Passei a ouvir várias bandas interessantes nos dois últimos meses: Wire, Françoise Hardy, Public Image Ltd. e Ravel (bem, pelo menos o seu adorável "Bolero"...). Também redescobri Hüsker Dü (viciei-me em "Never Talking To You"!), Teenage Fanclub, Charlatans e A Certain Ratio. Escutei bastante o novo disco dos Gorillaz, "Plastic Beach"; destaque para o single "Stylo" e a parceria com Lou Reed em "Some Kind of Nature". E, é claro, comecei a ouvir mais Moby, para não chegar despreparado no show dele, rs.
- Já tem data marcada para minha próxima discotecagem: 20 de Maio, no Velvet Pub, às 22h. O DJ Walrus promete um repertório com bastante post-punk, new wave e britpop (em termos de décadas, anos 80 e 90, predominantemente), e uma singela homenagem ao Joy Division, tendo em vista os 30 anos da morte de Ian Curtis (18/5); quatro das 14 ou 15 músicas que tocarei serão do quarteto manchesteriano.
-> Sobre games, o que posso dizer é que Março já foi um mês farto, com Final Fantasy 13, Pokémon HG/SS, God of War 3 e o novo Battlefield. Porém, no mês que vem, com Super Mario Galaxy 2, começará uma série de lançamentos muito hypeados para 2010. Teremos desde Metroid produzido pelo Team Ninja (Wii) e o lançamento do Nintendo 3DS até Project Natal (X360) e Gran Turismo 5 (PS3). Isso sem falar nos aguardadíssimos Pokémon Black & White para DS, que chegam ainda no fim do ano no Japão.
-> Em matéria de cinema, há alguns filmes que pretendo ver assim que possível: "Alice no País das Maravilhas", "Uma Noite Fora de Série" e "Como Treinar seu Dragão'.
600 posts! - parte 1
O primeiro post cobrirá a minha vida social recente. O segundo será sobre assuntos universitários e cultura pop, e o terceiro sobre meus empreendimentos literários.
Bati meu recorde de "saídas" na semana que se encerra: foram 8 night-outs em 11 dias.
I - Balaio (14/4): festa de graça em plena quarta-feira? Let's go! Conversei bastante com alguns colegas do PET, depois fui para a pista de dança. Dancei bastante, embora nem sempre tenham tocado boas músicas (quem em sã consciência toca Little Joy e outras coisas light numa discotecagem?). Porém, "Country House" (Blur) e "Bohemian Rhapsody" (Queen) valeram a noite.
II - Drops (16/4): festa gay-pop, típica das 6ªs em Brasília. Quase perdi a carona com uma colega, porque a Claro demorou para reativar o sinal do meu celular, então fiquei incomunicável (quem mandou demorar para pagar a conta, né?). A noite teve participação especial de Ximbica, um(a) hilári(a) autor(a) de hits internéticos como "Ximbication" e "Moto Boy".
III - Moby (17/4): mais um entretenimento noturno gratuito. O Museu da República ficou lotado para ver a apresentação do músico e DJ americano. Antes do show, fui com uma amiga lanchar no Conjunto Nacional. Sobre a performance, digo que foi até melhor do que eu esperava. Ele tocou praticamente todos os seus clássicos ("Bodyrock", "Go", "Porcelain", "In This World", "We Are All Made Of Stars", "Why Does My Heart Feels So Bad?", "Natural Blues" e um desfecho sensacional com "Feeling So Real"), além das faixas do novo disco e até dois covers legais ("Walk On The Wild Side", de Lou Reed, e "Whole Lotta Love", do Led Zeppelin). Depois, ainda dormi na casa de um amigo, aproveitando para assistir ao GP da China de F1. Foi uma corrida tumultuada, em que mais uma vez Jenson Button ganhou pela combinação de estratégia e eficiência. E a ultrapassagem de Alonso sobre Massa foi maldosamente divertida, e provavelmente deixará a disputa interna na Ferrari mais interessante.
IV - CHUPETOL (18/4): no domingo passado, houve a segunda edição do "churrasco" do PET/POL. Boa música, cachorro quente, pérolas, conversas gaiatas etc. De quebra, depois de ter trocado de música no carro de uma amiga minha (aliás, infelizmente esse som automotivo prejudicou a bateria do automóvel dela...), saí correndo e acabei tropeçando na grama e ralei meu pé direito. Justamente quando meu machucado no joelho direito já está quase curado, arranjei um novo hematoma, yay!
Fiz meu debut em bebidas alcóolicas mais fortes; tomei caipirinha, tequila e vodka misturada com Coca-Cola. Porém, prudente que sou, comi bastante pão e Negresco para não ficar tonto e passar mal. Sendo assim, nem fiquei bêbado, o máximo que tive foi uma "miopia avançada". Tirando a visão turva e o fato de que eu precisava me esforçar um pouco mais para fixar minha memória recente (sou sistemático até na boemia, hehe), não senti nenhum dos efeitos do álcool. Além disso, nem virei fã das bebidas, logo não se preocupem, meu orkut ainda continuará com "não" na resposta à pergunta "bebo". Ainda sou feliz com meus refris, sucos e milk-shakes, rs.
V - Landscape (20/4): véspera de feriado, o que fazer? Sair, ainda mais quando a festa é barata e em homenagem a Iggy Pop e The Cure. O engraçado é que a maioria esmagadora das pessoas por lá tinha o dobro da minha idade - algo esperado, afinal, deviam ser adolescentes no final dos anos 80, época de ouro do post-punk e da new wave. O repertório, obviamente, foi impecável, e foram tantas boas faixas (inclusive algumas das duas últimas décadas) que eu gastaria muitas linhas só para relatar todas. Outro destaque, não sei se positivo ou negativo, foi a "morte" do carro do meu amigo, tanto na ida quanto na volta. É, pelo visto esta não foi uma boa semana para as baterias!
VI - Funarte (21/4): juro que eu nem queria sair na quarta passada. Estava ainda exausto das últimas festas, e ainda por cima tinha almoçado bastante (qualitativa e quantitativamente) com minha mãe (que, aliás, veio me fazer uma visita naquela manhã). Porém, quando acordei do cochilo, às 18h, meus vizinhos "peões" estavam fazendo tanto barulho, e ouvindo músicas tão ruins, que fiquei desesperado para sair para qualquer lugar. Liguei para todo mundo (até para minha ex, rs!), em busca de alguma festa. Dei sorte e encontrei um colega e vizinho meu que já estava de saída para o "Brasília: Outros 500", e peguei carona. Para falar a verdade, o evento nem foi tão bom assim; porém, o show do Frejat e algumas faixas da Tenda DJ salvaram a noite.
VII - Play (23/4): entre quinta e sexta, dediquei 24 horas a redimir a falta de estudo dos dias anteriores. Como disse no post anterior, dei uma palestra sobre os "Irmãos Karamázov". Além disso, fui à aula de Francês e consegui ler as 190 páginas finais de "A Grande Transformação". O sprint final foi das 3 às 7 da manhã de anteontem. Logo depois, fui à UnB para uma dupla reunião, e um amigo que havia feito aniversário no dia anterior combinou comigo e outros petianos para que fôssemos na Play daquele dia. Antes disso, passamos no coquetel de lançamento do livro-coletânea sobre Hannah Arendt do tutor do PET. Descobri que não gosto de vinho branco; dei pouquíssimos goles, porque, caramba, que bebida mais amarga! Ah, a festa foi bacana, e tirando uma ou outra má idéia de canção por parte de um DJ, deu para aproveitar muita coisa. Aloprei/fritei na hora em que fizeram a sequência "Lust for Life" (Iggy Pop), "20th Century Boy" (Placebo) e "Friction" (Television)! Depois, um McDonald's básico para não dormir de barriga vazia.
VIII - Park Shopping + Embracine + Drops (24/4): meu "sabadomingo" teve uma saga de 16 horas. Saí às três da tarde para o Park Shopping, pois na Fnac haveria um torneio de Pokémon Heart Gold/Soul Silver. Nem fui para participar, afinal minha versão não é original (R4, you know...) e eu só tinha 2 insígnias e pokémons fracos. Minha idéia era acompanhar as disputas mesmo. Tive a sorte de chegar a tempo de ver a grande final, que foi emocionante. A vitória do Infernape sobre o Machamp, tamanho o equilíbrio (ambos com pouquíssimo HP) foi graças a uma... Sandstorm! Estou até pensando em comprar Soul Silver; não só pelo Pokéwalker, mas porque cada vez mais tenho a certeza de que HG/SS é o jogo mais completo da franquia até agora: extras herdados de outras versões (mais alguns inéditos, como o Pokéthlon), 16 insígnias, fator replay infinito, batalhas online, praticamente todos os lendários são capturáveis e, é claro, nostalgia.
Às sete da noite, assisti ao filme "As Melhores Coisas do Mundo". Recomendo-o fortemente! Como se já não bastasse ser um filme brasileiro que não fala sobre miséria e violência e também não é uma comédia romântica com atores globais, temos aqui uma comédia dramática teen, mas não necessariamente feita para teens. O linguajar coloquial dos personagens é adequadíssimo, e a polifonia enriquece o enredo, ao ligar as várias tramas: o protagonista que sofre bullying na escola por ter um pai gay; o irmão emo com tendências suicidas; a garota que se apaixona pelo professor; os pais que não sabem como criar os filhos diante de tantas mudanças culturais. A temática da Tolerância permeia toda a película.
Encontrei um professor meu quando estava indo para a Cultura, e batemos papo até as dez da noite, quando eu e uma amiga fomos para a Drops, onde haveria a enésima Party Libre. Curiosamente, foi a 1ª edição dessa festa dentre as que eu fui (e olha que foram muitas!) que estava vazia. Até chegaram algumas pessoas até as 0h30, mas depois gradualmente o ambiente foi ficando deserto. Estranho... Mesmo assim, dancei muito, até aproveitando o espaço enorme que tinha para circular. Fiquei com um pouco de sono, e até cochilei no 'puf', mas como a festa acabou mais cedo (lá pelas 3 e meia), fui para o Extra. Comprei uma Colomba de gotas de chocolate, aproveitando que, depois da Páscoa, o preço delas caiu bastante. Lanchei, li um pouco de Tocqueville, esperei o metrô e, às 7h40, pude enfim deitar na minha cama (aliás, camas, já que tenho o hábito de juntar as 2 camas de solteiro para formar 1 de casal).
22 abril 2010
9 Days of Autumn
O blog não esteve muito ativo em Abril. Aliás, desde o início do ano, a maior parte dos posts são fichamentos dos colóquios. Sendo assim, ontem de madrugada tive a idéia de ressuscitar Racio Símio impondo-me uma rotina de postagens. Hope it works...
Tenho pouco menos de dez horas para terminar de ler "A Grande Transformação", de Karl Polanyi. É o livro a ser discutido na reunião do PET de amanhã. Faltam 85 páginas. Tentarei ler mais um pouco antes de dormir, e acordarei cedo (umas 3 da manhã, se eu aguentar) para encerrar a leitura. O livro finalmente "engrenou", e agora consigo entender melhor os pressupostos e conseqüências da linha de pensamento do autor, que é o socialismo reformista (a.k.a. fabiano). Suas críticas ao liberalismo (e também ao seu filho rebelde, o marxismo) ora são consistentes, ora soam como exagero e "nostalgia antropológica". Veremos como ele terminará a obra...
Hoje fui ao CEAC (Centro de Atividades Culturais) dar uma palestra sobre "Os Irmãos Karamázov". Aproveitei a base que eu já tinha das discussões no GEH, e consegui em menos de 1 hora resumir o livro e tocar nas discussões principais, como o ateísmo/materialismo de Ivan e a compaixão/caridade de Aliócha. Foi uma boa experiência. Agora, é tentar fazer até o fim do mês um artigo que utilize este romance dostoievskiano como ponto de partida para uma análise da modernização russa no século XIX, e seu dilema entre o eslavismo cristão e a via ocidental.
Ah, tenho muita coisa para contar nos próximos posts. Palavras-chave: Brasília, Moby, Landscape, Drops, "miopia avançada", extensão, UnB, livros, "o" livro, bandas, DJ, expectativas, planos.
18 abril 2010
Entre românticos, materialistas e cristãos: "Somos todos Karamazovianos agora"
- Paulo Bezerra: “Os Irmãos Karamázov”, em seu mosaico de temas, constitui um romance-síntese. Personagens que “migraram” da vida real para o romance (ex.: Dmitri e o parricida inocente; Ivan como alter ego de seu criador). Aliócha, o homem-universo (mediação, compreensão e amor ativo pelo ser humano). É possível haver virtude sem religião? A linguagem como pilar da independência das personagens.
- Leopoldo Waizbort, “Max Weber e Dostoiévski: Literatura Russa e Sociologia das Religiões”: o cristianismo dostoievskiano é semelhante ao dos primeiros tempos (comunitário, o crente virtuoso como ideal de vida, ética do amor, campo, superação do mundo, um Deus que perdoa, contemplação ou ascese extramundana). Contraposição ao protestantismo ascético estudado por Weber (individualista, homem de vocação, ética do dever, cidade, dominação do mundo, um Deus que escolhe, ascese intramundana). Zossima x Fierapont. Viver no mosteiro x viver no mundo. Contraste Ocidente-Oriente: separação completa entre Estado e Igreja ou anti-secularização? A idéia do “destino” (“daimon”).
- Haron Gamal: personagens humanos, demasiadamente humanos. Renegar ou não um pai que abandona? O valor do homem comum; o mundo que sempre esteve ao nosso lado.
- Darthmouth, “Reading the Brothers Karamazov”: o que leva à crise fé de Aliócha, e como ele a resolve? Semelhanças entre Dmitri e Zossima. Qual o sentido da mudança de trama no livro 10? Quais os demônios que atormentam cada personagem no livro 11? Como é o painel da cultura russa do século XIX pintado pelo autor no tribunal? Aliócha é realmente o herói do romance?
2. INTERPRETAÇÃO
- “Cheiro Deletério” (L7, C1): após a morte do stárietz Zossima, surge um odor que sugere a putrefação, o que vai de encontro com a expectativa dos fiéis de que seu corpo não entraria em decomposição. O monastério entra em alvoroço; muitos até questionam sua fé em Zossima. Aliócha, horrorizado, foge. Rakítin aproveita o momento de abalo de seu colega para convencê-lo a visitar Grúchenka.
- Aliócha desespera-se perante a superficialidade da fé das pessoas, que atribuíam o caráter sagrado a seu stárietz não pela sua alma e boas ações, mas por uma expectativa de que seu corpo não apodreceria. Em sua vacilação, aceita visitar Grúchenka. Porém, ao invés de se corromper, Alieksiêi auxilia a moça em sua redenção espiritual. Ao final do livro, sua fé, posta em xeque, é renovada, e sua razão, fortalecida por essa reviravolta. Ele passa a aceitar mais serenamente a missão de “residir no mundo”.
- “Delírio” (L8, C8): em meio à orgia, Dmitri, que pouco antes pensava que aquela seria sua última noite e que iria se matar logo ao amanhecer, finalmente conquista o coração de Grúchenka. Ambos fazem juras de amor: “e que nós sejamos honestos e bons, não como animais, mas bons... Leva-me”. Subitamente, aparecem o comissário, o promotor e o juiz de instrução, com o mandado de prisão de Mítia. Este, pensando que o acusarão de ter assassinado Grigori, exclama: “Com-pre-en-do!”
- “O grande segredo de Mítia. Os apupos.” (L9, C7): em meio ao interrogatório, no qual insiste que não derramou o sangue de seu pai (e que tampouco roubou os três mil rublos), revela a origem do dinheiro que esbanjara naquela noite – era metade do empréstimo que Catierina lhe fizera um mês antes, e ele escondera as notas em um saquinho no pescoço. Sem evidências que contestem a culpa de Dmitri no crime, ele é levado preso.
- Dmitri, após passar a noite inteira correndo atrás de dinheiro para quitar a sua dívida (e salvar sua honra) perante Catierina, resolve ir à casa do pai, procurando por Agrafiena. Não a encontrando, resolve fugir, mas no caminho acaba ferindo Grigori, que o agarrara pela perna, pensando que Mítia havia matado Fiódor. Quando Dmitri, encharcado de sangue, descobre por Fiênia que sua amada foi para Mókroie com o oficial que fora o 1º amor dela (mas, há cinco anos a abandonara), toma uma “decisão repentina”: farrear e cometer suicídio. Em uma reviravolta, ele supera seu rival, e Grúchenka se declara para Mítia. Em nova tragédia do destino, ele é acusado de ter matado o pai, e nem a revelação de um segredo que para ele era tão desonroso alivia a suspeita de seus interrogadores. É um dos capítulos em que o romantismo do personagem, assim como sua tensão entre o sensual/mundano e o ideal/nobre, é mais explícito.
- “Desenvolvimento precoce” (L10, C6): Kólia, devastado pela iminência da morte de seu colega Iliúcha, abre-se com Aliócha. Revela que é socialista e pouco crédulo (“A fé cristã só serviu aos ricos e nobres para que mantivessem a classe inferior na escravidão”). Seu discurso evoca várias das opiniões da intelectualidade russa. Ao final, lamenta seus esforços em parecer erudito e admira Alieksiêi pela sua modéstia e bondade.
- “A terceira e última conversa com Smierdiakóv” (L11, C8): o mistério é finalmente desvendado, e em detalhes. O ex-criador de Fiódor Karamázov revela como matou seu suposto pai – a crise epilética fingida, o envelope rasgado, a apreensão de Fiódor, o golpe com o peso de papel, o dinheiro escondido. Além disso, acusa Ivan de ter sido o mentor intelectual do crime, por não só ter revelado indiferença pelas ameaças à vida de seu pai (a viagem para Moscou), mas por ter pregado que “tudo é permitido”. O irmão do meio confessa que subestimou a inteligência de Smierdiakóv, e jura que irá denunciá-lo no tribunal.
- Smierdiakóv: um dos personagens mais soturnos da obra dostoievskiana. Embora aparente ser apenas um demente adoentado e de passado trágico, possui sagacidade e frieza impressionantes. A forma calculista com que cometeu o assassinato de Fiódor revela mais do que uma vingança pela bastardia: é uma aplicação do niilismo pregado por Ivan; um crime que não precisa de sanção moral, pois a própria moralidade é questionável.
- “O Diabo. O pesadelo de Ivan Fiódorovitch” (L11, C9): um dos capítulos mais fascinantes de “Os Irmãos Karamázov”. Ivan, em um delírio, é visitado pelo diabo. Ao invés de um Satanás amedrontador, o demônio é um simplório “gentleman”. Este debocha de todas as idéias de Ivan, desde “O Grande Inquisidor” até “A Revolução Geológica”. Como agente da discórdia, cabe ao diabo dar movimento (e talvez sentido) à vida, e impedir que todos gritem juntos: “Hosana!”. Ele é sarcástico quanto a seu ‘ofício’: “Retrógrado é crer em Deus, em nossa época, mas no diabo, em mim, pode-se. (...) Sou proibido formalmente de externar meus melhores sentimentos, como a gratidão, por exemplo, unicamente por minha posição social”. Frente à insistente negação de Ivan, ele afirma: “Pelo arroubo com que me negas, vou me convencendo de que, apesar de tudo, crês em mim”.
- Ivan: seu cinismo moral atormenta a todos à sua volta. Possui uma profunda angústia existencial (ele precisa “resolver uma idéia”, como diria seu irmão Aliócha). Racionalismo tem sua faceta niilista e destruidora revelada. Ele encontra em Smierdiakóv e no diabo os seus duplos. Sente-se cúmplice da morte do pai. Dostoiévski antecipa em dez anos as idéias (e a crise de loucura) de Nietzsche: “ao novo homem, ainda que seja a um só no mundo inteiro, será permitido tornar-se homem-deus e (...) passar tranquilamente por cima de qualquer obstáculo moral imposto ao antigo homem-escravo, se isso for necessário. Para um deus não existe lei! (...) ‘tudo é permitido’, e basta!
- “A catástrofe repentina” (L12, C5): em seu 1º depoimento, Catierina ressalta o lado nobre de seu ex-noivo. Porém, quando as coisas pareciam caminhar para uma absolvição (ou mesmo um pena menor) para Mítia, seu irmão Ivan faz um depoimento confuso e perturbador, que mais atrapalha do que ajuda a defesa de Dmitri. Desesperada com a situação daquele, Catierina entra em histeria e faz revelações prejudiciais ao réu, inclusive mostrando uma carta com a "prova matemática" do crime, que ele havia escrito em estado de embriaguez.
- Catierina e Grúchenka formam uma peculiar rivalidade feminina. A primeira, elegante mas histérica, e a segunda, bela porém perversa. Lutam pelo amor de Dmitri, o que acaba sendo fatal para o próprio destino deste.
- “O discurso do promotor. Tópicos” (L12, C6): por meio de um método rigorosamente histórico, apela à moral para condenar Dmitri por roubo e parricídio. Referindo-se às “vozes alarmadas vindas da Europa”, é categórico: “Não as tenteis, não alimenteis seu ódio sempre crescente com uma sentença que absolva o assassinato de um pai pelo próprio filho!”
- “Adúltero do pensamento” (L12, C13): o advogado de defesa adota a lógica para refutar cada uma das provas e fatos do crime, demonstrando que o réu não cometeu assassinato nem roubo. No final do discurso, faz um apelo eloqüente: “é preferível deixar escapar dezenas de culpados do que punir um inocente”. Mesmo assim, Dmitri é considerado culpado pelo júri, e terá que cumprir 20 anos de serviços forçados.
- O Tribunal representa a crise de consciência russa, aguçada pela própria modernização (expressa nos tribunais abertos ao público, p. ex.). Deve-se punir aquele que tinha todos os motivos para matar ou pai, ou reconhecer o direito de vingança àquele que foi rejeitado pelo seu próprio genitor?
- “Os funerais de Iliúchetchka. O discurso junto à pedra” (Ep, C3): Aliócha pede aos meninos que mantenham viva em seus corações a memória de Iliúcha; além disso, implora que eles, mesmo que se separem, nunca deixem de amar um ao outro. O valor da amizade.
- Eslavismo cristão vs. Ocidentalização: além das questões teológicas, podemos opor Ivan e Alieksiêi pelas visões político-filosóficas que nutrem sobre o futuro da Rússia. Enquanto o irmão caçula, pelo seu próprio conservadorismo e jeito amável de ser, encarna o lado místico e quase chauvinista da pátria russa, Ivan representa o pensamento ocidental: ateísmo, secularização, progresso sócio-econômico (seja pelo liberalismo ou pelo socialismo).
3. INFLUÊNCIAS
- Joy Division (ápice da reflexão existencialista do post-punk): “Dead Souls” e a necessidade desesperada de escapar do inferno pessoal (“They keep calling me”); “She’s Lost Control” e a temática da epilepsia (“Confusion in her eyes that says it all”); “The Kill” e a redenção pelo crime (“Just something that I knew I had to do”); “Atrocity Exhibition” e a perversão mundana (“But the sickness is drowned by cries for more”); “The Eternal” e a resignação ao vazio existencial (“Just watching the trees and the leaves as they fall”).
- Romances polifônicos: cada personagem funciona como um ser autônomo dotado de voz, posição própria e visão de mundo. Os exemplos vão desde “Uma Casa no Fim do Mundo” (Michael Cunningham”) até “Ulisses” (James Joyce).
- Debates filosóficos: existência ou não de Deus; relações entre religião e moral; vias da modernização na Rússia (a Revolução de 1917 como opção pelo modelo ocidental); o parricídio como crime mais abominável; a redenção pelo crime; os limites da liberdade humana perante ambições como a do ‘homem-deus’.
13 abril 2010
O Teatro Mágico de Hermann Hesse
- Hermann Hesse nasceu em 2 de Julho de 1877, na cidade alemã de Calw.
- Seus pais eram pietistas, fato que, somado à rebelião do jovem com as escolas religiosas em que estudou, foi motivo de muitos conflitos entre o futuro escritor e eles. Segundo sua mãe, ele tinha “uma luta interna contra seu temperamento tirânico, sua turbulência apaixonada”. Mesmo na juventude sentia-se alienado dos valores pequeno-burgueses.
- Engajou-se na crítica ao militarismo alemão na I Guerra Mundial. Na mesma época, desenvolveu grande interesse pela psicanálise, consultando-se com Carl Jung em pessoa.
- Seus dois primeiros casamentos, com a fotógrafa Maria Bernoulli (1904-1911) e a cantora Ruth Wenger (1924), foram mal-sucedidos. Hesse só teve um relacionamento estável e duradouro com a historiadora da arte Ninon Hesse, com quem se casou em 1931.
- Passou por uma profunda crise espiritual nos anos 20, dividido entre seu humanismo e sua rebeldia misantrópica. Os problemas conjugais, somados à sua dificuldade em manter uma vida social, levaram-no a cultivar pensamentos suicidas.
- Na década seguinte, fez oposição à ideologia nazista, e inclusive ajudou Bertold Brecht e Thomas Mann a irem para o exílio. Porém, detestava mais ainda a política em geral, e nunca assumiu posições ideológicas claras.
- Principais obras: “Demian” (1919), “Siddharta” (1922), “O Lobo da Estepe” (1927) e “O Jogo das Contas de Vidro” (1943).
- Ganhou o Prêmio Goethe e o Nobel de Literatura em 1946. Faleceu em 1962, em Montagnola (Suíça), aos oitenta e cinco anos de idade.
2 – “O Lobo da Estepe”
- Segundo o narrador, “Haller era um gênio do sofrimento; (...) ele, no sentido de várias acepções de Nietzsche, havia forjado dentro de si uma capacidade de sofrimento genial, ilimitada e terrível. (...) A base de seu pessimismo não era ‘o desprezo do mundo’, mas antes o desprezo de si mesmo; (...) era sempre o primeiro a quem dirigia suas setas”.
- É impossível amar o próximo sem antes amar a si mesmo. Haller era um homem deslocado, dividido entre duas épocas. É como se fosse inevitável que ele sofresse eternamente com a “incerteza do destino humano”.
- “Anotações de Harry Haller”: Harry, apátrida e solitário que odeia o mundo burguês, ironicamente, sempre viveu em casas pequeno-burguesas. Ele não sabe que prazeres e alegrias “levam as pessoas a trens e hotéis superlotados, aos cafés abarrotados, com sua música sufocante e vulgar, aos bares e espetáculos de variedades”. Enquanto isso, ele é o Lobo da Estepe, “aquele animal extraviado que não encontra abrigo nem alegria nem alimento num mundo que lhe é estranho e incompreensível”. Porém, tudo mundo quando um dia lê um anúncio: “Teatro Mágico: Entrada só para os Raros”. Haller procura esse local misterioso, em busca da “Noitada Anarquista”. Encontra um folheto interessantíssimo...
- “O Tratado do Lobo da Estepe”: eis uma debochada biografia de seu próprio leitor. Harry, segundo o folheto, era um homem descontente consigo mesmo, pois vivia sob o conflito interno entre duas naturezas – homem (nobre, divino) e lobo (agressivo, satânico). Notívago, vivia à margem do mundo convencional; "nunca existira um homem com tão profunda e apaixonada necessidade de independência como ele".
- O burguês é “uma criatura de impulsos vitais muito débeis e angustiosos, temerosa de qualquer entrega de si mesma, fácil de governar. Por isso colocou em lugar do poder a maioria, em lugar da autoridade a lei, em lugar da responsabilidade as eleições”. Porém, a burguesia sobrevive graças aos lobos da estepe, pois estes, embora desterrados, "continuam de certo modo pertencendo a ela, obrigadas a ela e a seu serviço; (...) reforçam-na e glorificam-na, pois em última instância têm de professar sua crença para viver".
- Heller era um suicida, mas em um sentido particular: sentia “seu eu, certo ou errado, como um germe da Natureza, particularmente perigoso, problemático e daninho”. Era uma daquelas “almas que encontram o sentido de sua vida não no aperfeiçoamento e moldagem do ser, mas na dissolução”. Porém, essas almas são “incapazes de cometer o suicídio real, porque têm uma profunda consciência do pecado que isso representa”. Sendo assim, “vêem a redenção na morte e não na vida; estão dispostos a eliminar-se e a entregar-se, a extinguir-se e a voltar ao princípio”.
- Harry, assim como Fausto, vive a ilusão de que só possui duas almas (“ridícula dualidade”), mas tem uma multidão delas. O problema de Haller é que “tudo o que é covarde, símio, estúpido, mesquinho, (...) ele o atribui ao ‘homem’, assim como atribui ao ‘lobo’ tudo o que é forte e nobre, só porque não conseguiu ainda dominá-lo”. Após ler o folheto, ele admite que agiu freqüentemente como “D. Quixote, preferindo a honra à comodidade e o heroísmo à razão”. Porém, acha que o tratado não abarca completamente o seu ser individual, cujo destino é “único e insubstituível”.
- Quando se encontra com um jovem professor, o qual critica um artigo anti-militarista de “um tal de Haller” passa por um embate mental entre suas personalidades. “Assim estavam os dois Harrys, as duas figuras extraordinariamente antipáticas, (...) insultando-se, observando-se e cuspindo-se mutuamente, e ao mesmo tempo fazendo a si mesmas (...) a mesma pergunta: se aquilo não passava de debilidade e estupidez humana (...). Se tal sordidez fosse comum aos humanos, então podia entregar-me ao desprezo pelo mundo com renovadas energias, mas se fosse apenas uma debilidade pessoal, então ali estava o motivo para uma orgia de auto-desprezo”. Seu desespero só aumenta: “Por quê? Para quê? Haveria sentido em continuar sofrendo dias e mais dias assim, em continuar tragando tais sopas? Não! (...) Vá para casa, Harry, e corte o pescoço! Chega de esperar!”
- Em sua caminhada errante pela cidade, o protagonista vai parar em uma hospedaria, onde encontra Hermínia, “uma jovem bonita e pálida”, com quem conversa longamente. Ela o ensina a dançar (“Como pode dizer que a vida lhe deu muito trabalho se você nem sequer sabe dançar?”), e constata que ele gosta dela porque Hermínia conseguiu libertá-lo de seu isolamento. Em seguida, diz que pretende que ele se apaixone por ela, mas que quando isso ocorrer, Haller deverá matá-la, como uma forma de reconhecê-la como uma faceta dele. Hermínia é tudo que Harry é, mas também aquilo que não é e gostaria de ser. (Princípio jungiano do “anima”; relação com Clawdia Chauchat de “A Montanha Mágica”, obra de Mann)
- Por meio de Hermínia, Haller conhece sua amante, Maria, que lhe faz descobrir o prazer e a juventude; enfim, “a buscar fugazes alegrias, a ser criança e animal na inocência do sexo”. Para ele, Maria praticamente tinha como “seu ofício e sua tarefa extrair todo o prazer sensorial e amoroso que fosse possível obter dos sentidos que possuía”.
- Pablo, “o do saxofone, o dos olhos negros e das mãos longas, brancas, nobres e melancólicas”, ensina Harry a não levar a vida tão a sério.
- O baile de máscaras: após a dança, Haller conhece finalmente o Teatro Mágico, cheio de portas que revelam segredos, lembranças e traumas do protagonista.
- Em uma das portas, ele encontra Gustav, em um cenário que lembra uma guerrilha urbana (“Atira no chofer!”). Este, que era professor de Teologia e pacifista, resolve entrar na guerra e dá valiosas lições a Haller: “As coisas não vão bem quando a Humanidade fatiga excessivamente sua inteligência e procura ordenar com o auxílio da razão as coisas inacessíveis à razão. Então surgem ideais, tais como os dos americanos ou dos bolchevistas; ambos são extraordinariamente racionais, mas desejando ingenuamente simplificar a vida, acabam por violentá-la de maneira terrível.”
- No clímax da trama, ao encontrar Pablo e Hermínia nus em uma cama, Harry assassina sua amada, como havia prometido. (metáfora da libertação de suas personalidades ou retrocesso?)
- O Teatro Mágico: “Entrada só para os Raros” (Loucos). No desfecho, Harry Haller finalmente descobre o humor, aprendendo a rir. Por meio das diversas portas do Teatro Mágico, ele aprende a aceitar a realidade, e a ver a vida não mais como um choque entre os extremos (lobo e homem). Agora ele poderia viver no mundo burguês sem estar atormentado. “Pablo me esperava. Mozart também”.
3 – Influências
- Sua popularidade explodiu nos anos 60, época em que o caráter filosófico de suas obras foi exaltado pela contracultura; vários jovens estavam em uma “procura espiritual do eu”. A defesa de uma moralidade alternativa e a forte presença de sexo e drogas também contribuiu para que obras como “O Lobo da Estepe” encantassem tantos leitores, tanto na efervescência da década de 1960 como atualmente.
- Mesmo assim, Hermann Hesse julga esta obra como a "mais freqüente e violentamente incompreendida" de suas produções literárias. Segundo o autor, seus leitores focaram-se excessivamente na questão do sofrimento e no desespero. Ele afirma que “a história do Lobo da Estepe, embora retrate enfermidade e crise, não conduz à destruição e à morte, mas, ao contrário, à redenção”.
- O conjunto brasileiro O Teatro Mágico e a banda de rock clássico (e pioneira do heavy metal) Steppenwolf são dois exemplos da influência de Hesse na música popular. O quarteto de britpop Blur fez uma canção cujo título (“Strange News from Another Star”) é o mesmo de uma coleção de contos de Hesse. Algumas faixas do álbum “Amnesiac” (Radiohead) têm inspiração em “Siddharta”.
- “Siddharta” é um dos romances ocidentais mais influentes na Índia.
4 - Referências bibliográficas
HESSE, Hermann. “O Lobo da Estepe” (25ª edição). Rio de Janeiro: Record, 1998.
MALIK, Hassan M., “Steppenwolf: “The Genius of Suffering”. Disponível em: http://gator.dt.uh.edu/~hassanm4/steppenwolf.htm
Wikipedia – páginas sobre “Hermann Hesse” e “Steppenwolf”.
07 abril 2010
Book-Caterpie