[Meu Facebook] [Meu Last.FM] [Meu Twitter]


 

 

Kaio

 

Veja meu perfil completo

 

 

 

 

30 abril 2010

O Caminho Resgatado

Como já disse dia desses, "O Caminho da Servidão" (Hayek) tem certa importância na minha trajetória intelectual. Aos 15 anos, bem nos primórdios do blog, como demonstram posts como Dissidência e Libertário, eu estava atravessando o mar ideológico que separa o socialismo do libertarianismo. Não digo esquerda -> direita, porque talvez estes termos não expressem tão bem que minha mudança de mentalidade foi econômica, social e também filosófica. Continuei defendendo algumas bandeiras (democracia, direitos e liberdades civis), mas desta vez sob um novo prisma, menos contraditório e insatisfatório às minhas visões de mundo.
Tive muitas discussões pesadas na época, por meio do saudoso "Politizados Fórum"; algumas até foram levadas para o lado pessoal, rs. Um dos debates mais recorrentes naqueles dias era sobre as relações entre nazismo (na verdade, fascismos em geral) e socialismo, algo que eu negava veementemente. Porém, algumas leituras que fiz na época me fizeram mudar meu ponto de vista sobre esta e outras indagações. Diria que três delas foram fundamentais: "1984" (George Orwell), que foi meu romance favorito durante um bom tempo; "A Desobediência Civil" (H.D. Thoreau), manifesto da liberdade individual; e uma versão resumida de "O Caminho da Servidão" (F.A. Hayek), que li só em parte, mas que expunha em linguagem tão clara alguns conceitos tão importantes que, retrospectivamente, vejo que tiveram impacto em minha "transição ideológica".
Dois anos depois, quando eu já tinha 17, finalmente resolvi ler os economistas liberais/libertários. Foi na época certa, pois eu havia passado os dois anteriores em "bildung", formando-me intelectualmente com muitos romances (Dostoiévski, Kerouac, Huxley) e filosofia (Nietzsche, Schopenhauer, Aristóteles), alguns poemas (Baudelaire, Rimbaud) e também textos políticos e sociológicos (Locke, Weber).
De quebra, havia passado por uma experiência que, com as devidas proporções, foi uma limitação da minha liberdade individual: passei no vestibular da UnB de Junho/07, mas meu colégio não quis me dar o diploma de Ensino Médio; minha mãe, obviamente, não tinha a grana preta necessária para pagar um mandado de segurança. Logo, fui obrigado a ficar mais seis meses, "preso" em Goiânia e no Ensino Médio. Já sem tanta preocupação com o vestibular, resolvi dedicar aquele semestre a uma ainda maior formação cultural. Li de tudo, desde Sérgio Buarque e Camus até Clarice Lispector e Henry Miller. Porém, comecei aquele ciclo justamente com o trio Mises, Friedman e Hayek. Não me arrependi. Dos três, o último a ser lido foi "O Caminho da Servidão", desta vez em versão integral.
Já em 1944, este livro, eminentemente político (para aqueles que querem um Hayek mais acadêmico, recomendo "Os Fundamentos da Liberdade"), causou impacto. Profetizando no deserto, seu autor estava em um contexto completamente hostil à defesa do livre mercado e da liberdade negativa. Porém, foi sua ousadia que iniciou uma série de escritos que marcaram o "Renascimento Liberal", e em alguns casos, a ascensão de sua vertente radical, o Libertarianismo. Falo, por exemplo, de "A Sociedade Aberta e seus Inimigos" (Karl Popper, 1945), "Ação Humana" (Ludwig von Mises, 1949), "Quem é John Galt?" (Ayn Rand, 1957), "Capitalismo e Liberdade" (Milton Friedman, 1962) e "Anarquia, Estado e Utopia" (Robert Nozick, 1974).
"O Caminho da Servidão", uma vez mais, exerceu um fascínio enorme sobre mim, um leitor cujo espírito estava desarmado, mas já disposto a ter melhor fundamentação sobre o pensamento liberal. Porém, recentemente percebi que ele ainda causa revolta naqueles que vão lê-lo já imbuídos de preconceitos, por mais que até estes reconheçam que Friedrich von Hayek escreve bem. Lê-lo pela terceira vez (ou 2ª e meia, se considerarmos que a primeira foi um resumo lido pela metade) foi uma experiência satisfatória. Continuo defendendo-o de seus detratores, mais por admiração intelectual a Hayek que por concordância à sua tese; sinceramente, eu iria além no minarquismo político e econômico e também ressaltaria a importância da virtude cívica.

Eis alguns dos pontos discutidos no texto:
- Hayek salienta a modéstia intelectual do individualismo. Este se opõe à "arrogância fatal" dos planejadores, os quais acreditam saber os fins e o bem-estar de todos. Sendo assim, a incerteza e razão limitada levam a uma defesa do indivíduo, que é quem melhor sabe os seus valores e necessidades.
- As influências de dois economistas da Escola Austríaca, seu mestre Mises (informação e o sistema de preços) e o pioneiro Menger (escala de valores, escassez), estão presentes.
- Quanto à definição de socialismo, Hayek frequentemente se refere ao método, que consiste na nacionalização dos meios de produção. Porém, nem sempre recorre a esse conceito de "coletivização da propriedade privada"; às vezes generaliza as diversas correntes socialistas, desde trabalhistas e social-democratas até comunistas e utópicos; isso, aliás, é uma das principais críticas que se faz ao texto. Além disso, ele alude ao princípio do socialismo (a justiça social) e os meios sempre questionáveis para alcançá-lo.
- O autor também opera certa psicologia social, ao analisar as ideologias de massa e os incentivos e comportamentos que elas induzem.
- Quanto à análise de conjuntura, o autor procura demonstrar que a II Guerra envolveu várias nações (Alemanha, Rússia, Itália e Leste Europeu em geral) cujo planejamento econômico e tendência totalitária são semelhantes. Parte disso sua preocupação com as tendências políticas nos países anglo-saxões, estandartes da liberdade.
- Rupturas: Hayek vivia em um zeitgeist coletivista, e lidava com vários embates de idéias: marginalistas x neoclássicos (metodologia), Boom vs. Bust (estudo dos ciclos econômicos); neoliberais x progressistas (os meios para alcançar a liberdade); e individualistas x coletivistas (Nazismo é capitalista ou socialista?).
- Resgates: tradição filosófica do liberalismo escocês (Smith, Hume) e o conceito de "tirania da maioria", herdado de Tocqueville.
- O livro apresenta pouco o seu debate com Keynes, que envolve desde interpretações sobre a Grande Depressão (juros baixos e expansão de crédito vs. propensão a poupar e subconsumo) até considerações sobre o papel do economista ("agenda" e caráter prático vs. lidar com imprevisibilidade e a importância.
- Quanto a seu contemporâneo Polanyi, pode-se dizer que ambos tem visão bem opostas sobre os mesmos temas de estudo (o mercado, p. ex.), mas não tanto em outros aspectos, como a constatação do caráter reacionário e anti-liberal das doutrinas fascistas.
- O planejamento leva uma invasão da privacidade, o que pode ser visto como um argumento economicista de Hayek (liberdade econômica precedendo liberdades políticas e individuais).
- O economista austríaco reúne argumentos conservadores (ênfase em tradições e costumes e as desconfianças com relação à democracia), liberais (liberismo e utilitarismo) e libertários (alerta para a servidão voluntária e valorização da esfera individual, autônoma).

(Resenha parcial do livro; restringi-me aos 7 primeiros capítulos, lidos hoje na reunião do PET. Na semana que vem, postarei sobre os 8 últimos)

 

Comentários:

 

 

Kaio,
Continue lendo e escrevendo!
Espero que as publicações do IMB te sirvam muito nesta caminhada!
Parabéns!


Postar um comentário

[ << Home]