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13 abril 2010

O Teatro Mágico de Hermann Hesse

1 – Biografia
- Hermann Hesse nasceu em 2 de Julho de 1877, na cidade alemã de Calw.
- Seus pais eram pietistas, fato que, somado à rebelião do jovem com as escolas religiosas em que estudou, foi motivo de muitos conflitos entre o futuro escritor e eles. Segundo sua mãe, ele tinha “uma luta interna contra seu temperamento tirânico, sua turbulência apaixonada”. Mesmo na juventude sentia-se alienado dos valores pequeno-burgueses.
- Engajou-se na crítica ao militarismo alemão na I Guerra Mundial. Na mesma época, desenvolveu grande interesse pela psicanálise, consultando-se com Carl Jung em pessoa.
- Seus dois primeiros casamentos, com a fotógrafa Maria Bernoulli (1904-1911) e a cantora Ruth Wenger (1924), foram mal-sucedidos. Hesse só teve um relacionamento estável e duradouro com a historiadora da arte Ninon Hesse, com quem se casou em 1931.
- Passou por uma profunda crise espiritual nos anos 20, dividido entre seu humanismo e sua rebeldia misantrópica. Os problemas conjugais, somados à sua dificuldade em manter uma vida social, levaram-no a cultivar pensamentos suicidas.
- Na década seguinte, fez oposição à ideologia nazista, e inclusive ajudou Bertold Brecht e Thomas Mann a irem para o exílio. Porém, detestava mais ainda a política em geral, e nunca assumiu posições ideológicas claras.
- Principais obras: “Demian” (1919), “Siddharta” (1922), “O Lobo da Estepe” (1927) e “O Jogo das Contas de Vidro” (1943).
- Ganhou o Prêmio Goethe e o Nobel de Literatura em 1946. Faleceu em 1962, em Montagnola (Suíça), aos oitenta e cinco anos de idade.

2 – “O Lobo da Estepe”
- Segundo o narrador, “Haller era um gênio do sofrimento; (...) ele, no sentido de várias acepções de Nietzsche, havia forjado dentro de si uma capacidade de sofrimento genial, ilimitada e terrível. (...) A base de seu pessimismo não era ‘o desprezo do mundo’, mas antes o desprezo de si mesmo; (...) era sempre o primeiro a quem dirigia suas setas”.
- É impossível amar o próximo sem antes amar a si mesmo. Haller era um homem deslocado, dividido entre duas épocas. É como se fosse inevitável que ele sofresse eternamente com a “incerteza do destino humano”.
- “Anotações de Harry Haller”: Harry, apátrida e solitário que odeia o mundo burguês, ironicamente, sempre viveu em casas pequeno-burguesas. Ele não sabe que prazeres e alegrias “levam as pessoas a trens e hotéis superlotados, aos cafés abarrotados, com sua música sufocante e vulgar, aos bares e espetáculos de variedades”. Enquanto isso, ele é o Lobo da Estepe, “aquele animal extraviado que não encontra abrigo nem alegria nem alimento num mundo que lhe é estranho e incompreensível”. Porém, tudo mundo quando um dia lê um anúncio: “Teatro Mágico: Entrada só para os Raros”. Haller procura esse local misterioso, em busca da “Noitada Anarquista”. Encontra um folheto interessantíssimo...
- “O Tratado do Lobo da Estepe”: eis uma debochada biografia de seu próprio leitor. Harry, segundo o folheto, era um homem descontente consigo mesmo, pois vivia sob o conflito interno entre duas naturezas – homem (nobre, divino) e lobo (agressivo, satânico). Notívago, vivia à margem do mundo convencional; "nunca existira um homem com tão profunda e apaixonada necessidade de independência como ele".
- O burguês é “uma criatura de impulsos vitais muito débeis e angustiosos, temerosa de qualquer entrega de si mesma, fácil de governar. Por isso colocou em lugar do poder a maioria, em lugar da autoridade a lei, em lugar da responsabilidade as eleições”. Porém, a burguesia sobrevive graças aos lobos da estepe, pois estes, embora desterrados, "continuam de certo modo pertencendo a ela, obrigadas a ela e a seu serviço; (...) reforçam-na e glorificam-na, pois em última instância têm de professar sua crença para viver".
- Heller era um suicida, mas em um sentido particular: sentia “seu eu, certo ou errado, como um germe da Natureza, particularmente perigoso, problemático e daninho”. Era uma daquelas “almas que encontram o sentido de sua vida não no aperfeiçoamento e moldagem do ser, mas na dissolução”. Porém, essas almas são “incapazes de cometer o suicídio real, porque têm uma profunda consciência do pecado que isso representa”. Sendo assim, “vêem a redenção na morte e não na vida; estão dispostos a eliminar-se e a entregar-se, a extinguir-se e a voltar ao princípio”.
- Harry, assim como Fausto, vive a ilusão de que só possui duas almas (“ridícula dualidade”), mas tem uma multidão delas. O problema de Haller é que “tudo o que é covarde, símio, estúpido, mesquinho, (...) ele o atribui ao ‘homem’, assim como atribui ao ‘lobo’ tudo o que é forte e nobre, só porque não conseguiu ainda dominá-lo”. Após ler o folheto, ele admite que agiu freqüentemente como “D. Quixote, preferindo a honra à comodidade e o heroísmo à razão”. Porém, acha que o tratado não abarca completamente o seu ser individual, cujo destino é “único e insubstituível”.
- Quando se encontra com um jovem professor, o qual critica um artigo anti-militarista de “um tal de Haller” passa por um embate mental entre suas personalidades. “Assim estavam os dois Harrys, as duas figuras extraordinariamente antipáticas, (...) insultando-se, observando-se e cuspindo-se mutuamente, e ao mesmo tempo fazendo a si mesmas (...) a mesma pergunta: se aquilo não passava de debilidade e estupidez humana (...). Se tal sordidez fosse comum aos humanos, então podia entregar-me ao desprezo pelo mundo com renovadas energias, mas se fosse apenas uma debilidade pessoal, então ali estava o motivo para uma orgia de auto-desprezo”. Seu desespero só aumenta: “Por quê? Para quê? Haveria sentido em continuar sofrendo dias e mais dias assim, em continuar tragando tais sopas? Não! (...) Vá para casa, Harry, e corte o pescoço! Chega de esperar!”
- Em sua caminhada errante pela cidade, o protagonista vai parar em uma hospedaria, onde encontra Hermínia, “uma jovem bonita e pálida”, com quem conversa longamente. Ela o ensina a dançar (“Como pode dizer que a vida lhe deu muito trabalho se você nem sequer sabe dançar?”), e constata que ele gosta dela porque Hermínia conseguiu libertá-lo de seu isolamento. Em seguida, diz que pretende que ele se apaixone por ela, mas que quando isso ocorrer, Haller deverá matá-la, como uma forma de reconhecê-la como uma faceta dele. Hermínia é tudo que Harry é, mas também aquilo que não é e gostaria de ser. (Princípio jungiano do “anima”; relação com Clawdia Chauchat de “A Montanha Mágica”, obra de Mann)
- Por meio de Hermínia, Haller conhece sua amante, Maria, que lhe faz descobrir o prazer e a juventude; enfim, “a buscar fugazes alegrias, a ser criança e animal na inocência do sexo”. Para ele, Maria praticamente tinha como “seu ofício e sua tarefa extrair todo o prazer sensorial e amoroso que fosse possível obter dos sentidos que possuía”.
- Pablo, “o do saxofone, o dos olhos negros e das mãos longas, brancas, nobres e melancólicas”, ensina Harry a não levar a vida tão a sério.
- O baile de máscaras: após a dança, Haller conhece finalmente o Teatro Mágico, cheio de portas que revelam segredos, lembranças e traumas do protagonista.
- Em uma das portas, ele encontra Gustav, em um cenário que lembra uma guerrilha urbana (“Atira no chofer!”). Este, que era professor de Teologia e pacifista, resolve entrar na guerra e dá valiosas lições a Haller: “As coisas não vão bem quando a Humanidade fatiga excessivamente sua inteligência e procura ordenar com o auxílio da razão as coisas inacessíveis à razão. Então surgem ideais, tais como os dos americanos ou dos bolchevistas; ambos são extraordinariamente racionais, mas desejando ingenuamente simplificar a vida, acabam por violentá-la de maneira terrível.”
- No clímax da trama, ao encontrar Pablo e Hermínia nus em uma cama, Harry assassina sua amada, como havia prometido. (metáfora da libertação de suas personalidades ou retrocesso?)
- O Teatro Mágico: “Entrada só para os Raros” (Loucos). No desfecho, Harry Haller finalmente descobre o humor, aprendendo a rir. Por meio das diversas portas do Teatro Mágico, ele aprende a aceitar a realidade, e a ver a vida não mais como um choque entre os extremos (lobo e homem). Agora ele poderia viver no mundo burguês sem estar atormentado. “Pablo me esperava. Mozart também”.

3 – Influências
- Sua popularidade explodiu nos anos 60, época em que o caráter filosófico de suas obras foi exaltado pela contracultura; vários jovens estavam em uma “procura espiritual do eu”. A defesa de uma moralidade alternativa e a forte presença de sexo e drogas também contribuiu para que obras como “O Lobo da Estepe” encantassem tantos leitores, tanto na efervescência da década de 1960 como atualmente.
- Mesmo assim, Hermann Hesse julga esta obra como a "mais freqüente e violentamente incompreendida" de suas produções literárias. Segundo o autor, seus leitores focaram-se excessivamente na questão do sofrimento e no desespero. Ele afirma que “a história do Lobo da Estepe, embora retrate enfermidade e crise, não conduz à destruição e à morte, mas, ao contrário, à redenção”.
- O conjunto brasileiro O Teatro Mágico e a banda de rock clássico (e pioneira do heavy metal) Steppenwolf são dois exemplos da influência de Hesse na música popular. O quarteto de britpop Blur fez uma canção cujo título (“Strange News from Another Star”) é o mesmo de uma coleção de contos de Hesse. Algumas faixas do álbum “Amnesiac” (Radiohead) têm inspiração em “Siddharta”.
- “Siddharta” é um dos romances ocidentais mais influentes na Índia.
- Clarice Lispector, na composição de seus personagens, expressa certas dualidades e angústias que lembram as de vários personagens hessianos, como o próprio Harry Haller.

4 - Referências bibliográficas
HESSE, Hermann. “O Lobo da Estepe” (25ª edição). Rio de Janeiro: Record, 1998.
MALIK, Hassan M., “Steppenwolf: “The Genius of Suffering”. Disponível em: http://gator.dt.uh.edu/~hassanm4/steppenwolf.htm
Wikipedia – páginas sobre “Hermann Hesse” e “Steppenwolf”.

 

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