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Kaio

 

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18 abril 2010

Entre românticos, materialistas e cristãos: "Somos todos Karamazovianos agora"

1. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
- Paulo Bezerra: “Os Irmãos Karamázov”, em seu mosaico de temas, constitui um romance-síntese. Personagens que “migraram” da vida real para o romance (ex.: Dmitri e o parricida inocente; Ivan como alter ego de seu criador). Aliócha, o homem-universo (mediação, compreensão e amor ativo pelo ser humano). É possível haver virtude sem religião? A linguagem como pilar da independência das personagens.
- Leopoldo Waizbort, “Max Weber e Dostoiévski: Literatura Russa e Sociologia das Religiões”: o cristianismo dostoievskiano é semelhante ao dos primeiros tempos (comunitário, o crente virtuoso como ideal de vida, ética do amor, campo, superação do mundo, um Deus que perdoa, contemplação ou ascese extramundana). Contraposição ao protestantismo ascético estudado por Weber (individualista, homem de vocação, ética do dever, cidade, dominação do mundo, um Deus que escolhe, ascese intramundana). Zossima x Fierapont. Viver no mosteiro x viver no mundo. Contraste Ocidente-Oriente: separação completa entre Estado e Igreja ou anti-secularização? A idéia do “destino” (“daimon”).
- Haron Gamal: personagens humanos, demasiadamente humanos. Renegar ou não um pai que abandona? O valor do homem comum; o mundo que sempre esteve ao nosso lado.
- Darthmouth, “Reading the Brothers Karamazov”: o que leva à crise fé de Aliócha, e como ele a resolve? Semelhanças entre Dmitri e Zossima. Qual o sentido da mudança de trama no livro 10? Quais os demônios que atormentam cada personagem no livro 11? Como é o painel da cultura russa do século XIX pintado pelo autor no tribunal? Aliócha é realmente o herói do romance?

2. INTERPRETAÇÃO
- “Cheiro Deletério” (L7, C1): após a morte do stárietz Zossima, surge um odor que sugere a putrefação, o que vai de encontro com a expectativa dos fiéis de que seu corpo não entraria em decomposição. O monastério entra em alvoroço; muitos até questionam sua fé em Zossima. Aliócha, horrorizado, foge. Rakítin aproveita o momento de abalo de seu colega para convencê-lo a visitar Grúchenka.
- Aliócha desespera-se perante a superficialidade da fé das pessoas, que atribuíam o caráter sagrado a seu stárietz não pela sua alma e boas ações, mas por uma expectativa de que seu corpo não apodreceria. Em sua vacilação, aceita visitar Grúchenka. Porém, ao invés de se corromper, Alieksiêi auxilia a moça em sua redenção espiritual. Ao final do livro, sua fé, posta em xeque, é renovada, e sua razão, fortalecida por essa reviravolta. Ele passa a aceitar mais serenamente a missão de “residir no mundo”.
- “Delírio” (L8, C8): em meio à orgia, Dmitri, que pouco antes pensava que aquela seria sua última noite e que iria se matar logo ao amanhecer, finalmente conquista o coração de Grúchenka. Ambos fazem juras de amor: “e que nós sejamos honestos e bons, não como animais, mas bons... Leva-me”. Subitamente, aparecem o comissário, o promotor e o juiz de instrução, com o mandado de prisão de Mítia. Este, pensando que o acusarão de ter assassinado Grigori, exclama: “Com-pre-en-do!”
- “O grande segredo de Mítia. Os apupos.” (L9, C7): em meio ao interrogatório, no qual insiste que não derramou o sangue de seu pai (e que tampouco roubou os três mil rublos), revela a origem do dinheiro que esbanjara naquela noite – era metade do empréstimo que Catierina lhe fizera um mês antes, e ele escondera as notas em um saquinho no pescoço. Sem evidências que contestem a culpa de Dmitri no crime, ele é levado preso.
- Dmitri, após passar a noite inteira correndo atrás de dinheiro para quitar a sua dívida (e salvar sua honra) perante Catierina, resolve ir à casa do pai, procurando por Agrafiena. Não a encontrando, resolve fugir, mas no caminho acaba ferindo Grigori, que o agarrara pela perna, pensando que Mítia havia matado Fiódor. Quando Dmitri, encharcado de sangue, descobre por Fiênia que sua amada foi para Mókroie com o oficial que fora o 1º amor dela (mas, há cinco anos a abandonara), toma uma “decisão repentina”: farrear e cometer suicídio. Em uma reviravolta, ele supera seu rival, e Grúchenka se declara para Mítia. Em nova tragédia do destino, ele é acusado de ter matado o pai, e nem a revelação de um segredo que para ele era tão desonroso alivia a suspeita de seus interrogadores. É um dos capítulos em que o romantismo do personagem, assim como sua tensão entre o sensual/mundano e o ideal/nobre, é mais explícito.
- “Desenvolvimento precoce” (L10, C6): Kólia, devastado pela iminência da morte de seu colega Iliúcha, abre-se com Aliócha. Revela que é socialista e pouco crédulo (“A fé cristã só serviu aos ricos e nobres para que mantivessem a classe inferior na escravidão”). Seu discurso evoca várias das opiniões da intelectualidade russa. Ao final, lamenta seus esforços em parecer erudito e admira Alieksiêi pela sua modéstia e bondade.
- “A terceira e última conversa com Smierdiakóv” (L11, C8): o mistério é finalmente desvendado, e em detalhes. O ex-criador de Fiódor Karamázov revela como matou seu suposto pai – a crise epilética fingida, o envelope rasgado, a apreensão de Fiódor, o golpe com o peso de papel, o dinheiro escondido. Além disso, acusa Ivan de ter sido o mentor intelectual do crime, por não só ter revelado indiferença pelas ameaças à vida de seu pai (a viagem para Moscou), mas por ter pregado que “tudo é permitido”. O irmão do meio confessa que subestimou a inteligência de Smierdiakóv, e jura que irá denunciá-lo no tribunal.
- Smierdiakóv: um dos personagens mais soturnos da obra dostoievskiana. Embora aparente ser apenas um demente adoentado e de passado trágico, possui sagacidade e frieza impressionantes. A forma calculista com que cometeu o assassinato de Fiódor revela mais do que uma vingança pela bastardia: é uma aplicação do niilismo pregado por Ivan; um crime que não precisa de sanção moral, pois a própria moralidade é questionável.
- “O Diabo. O pesadelo de Ivan Fiódorovitch” (L11, C9): um dos capítulos mais fascinantes de “Os Irmãos Karamázov”. Ivan, em um delírio, é visitado pelo diabo. Ao invés de um Satanás amedrontador, o demônio é um simplório “gentleman”. Este debocha de todas as idéias de Ivan, desde “O Grande Inquisidor” até “A Revolução Geológica”. Como agente da discórdia, cabe ao diabo dar movimento (e talvez sentido) à vida, e impedir que todos gritem juntos: “Hosana!”. Ele é sarcástico quanto a seu ‘ofício’: “Retrógrado é crer em Deus, em nossa época, mas no diabo, em mim, pode-se. (...) Sou proibido formalmente de externar meus melhores sentimentos, como a gratidão, por exemplo, unicamente por minha posição social”. Frente à insistente negação de Ivan, ele afirma: “Pelo arroubo com que me negas, vou me convencendo de que, apesar de tudo, crês em mim”.
- Ivan: seu cinismo moral atormenta a todos à sua volta. Possui uma profunda angústia existencial (ele precisa “resolver uma idéia”, como diria seu irmão Aliócha). Racionalismo tem sua faceta niilista e destruidora revelada. Ele encontra em Smierdiakóv e no diabo os seus duplos. Sente-se cúmplice da morte do pai. Dostoiévski antecipa em dez anos as idéias (e a crise de loucura) de Nietzsche: “ao novo homem, ainda que seja a um só no mundo inteiro, será permitido tornar-se homem-deus e (...) passar tranquilamente por cima de qualquer obstáculo moral imposto ao antigo homem-escravo, se isso for necessário. Para um deus não existe lei! (...) ‘tudo é permitido’, e basta!
- “A catástrofe repentina” (L12, C5): em seu 1º depoimento, Catierina ressalta o lado nobre de seu ex-noivo. Porém, quando as coisas pareciam caminhar para uma absolvição (ou mesmo um pena menor) para Mítia, seu irmão Ivan faz um depoimento confuso e perturbador, que mais atrapalha do que ajuda a defesa de Dmitri. Desesperada com a situação daquele, Catierina entra em histeria e faz revelações prejudiciais ao réu, inclusive mostrando uma carta com a "prova matemática" do crime, que ele havia escrito em estado de embriaguez.
- Catierina e Grúchenka formam uma peculiar rivalidade feminina. A primeira, elegante mas histérica, e a segunda, bela porém perversa. Lutam pelo amor de Dmitri, o que acaba sendo fatal para o próprio destino deste.
- “O discurso do promotor. Tópicos” (L12, C6): por meio de um método rigorosamente histórico, apela à moral para condenar Dmitri por roubo e parricídio. Referindo-se às “vozes alarmadas vindas da Europa”, é categórico: “Não as tenteis, não alimenteis seu ódio sempre crescente com uma sentença que absolva o assassinato de um pai pelo próprio filho!”
- “Adúltero do pensamento” (L12, C13): o advogado de defesa adota a lógica para refutar cada uma das provas e fatos do crime, demonstrando que o réu não cometeu assassinato nem roubo. No final do discurso, faz um apelo eloqüente: “é preferível deixar escapar dezenas de culpados do que punir um inocente”. Mesmo assim, Dmitri é considerado culpado pelo júri, e terá que cumprir 20 anos de serviços forçados.
- O Tribunal representa a crise de consciência russa, aguçada pela própria modernização (expressa nos tribunais abertos ao público, p. ex.). Deve-se punir aquele que tinha todos os motivos para matar ou pai, ou reconhecer o direito de vingança àquele que foi rejeitado pelo seu próprio genitor?
- “Os funerais de Iliúchetchka. O discurso junto à pedra” (Ep, C3): Aliócha pede aos meninos que mantenham viva em seus corações a memória de Iliúcha; além disso, implora que eles, mesmo que se separem, nunca deixem de amar um ao outro. O valor da amizade.
- Eslavismo cristão vs. Ocidentalização: além das questões teológicas, podemos opor Ivan e Alieksiêi pelas visões político-filosóficas que nutrem sobre o futuro da Rússia. Enquanto o irmão caçula, pelo seu próprio conservadorismo e jeito amável de ser, encarna o lado místico e quase chauvinista da pátria russa, Ivan representa o pensamento ocidental: ateísmo, secularização, progresso sócio-econômico (seja pelo liberalismo ou pelo socialismo).

3. INFLUÊNCIAS
- Joy Division (ápice da reflexão existencialista do post-punk): “Dead Souls” e a necessidade desesperada de escapar do inferno pessoal (“They keep calling me”); “She’s Lost Control” e a temática da epilepsia (“Confusion in her eyes that says it all”); “The Kill” e a redenção pelo crime (“Just something that I knew I had to do”); “Atrocity Exhibition” e a perversão mundana (“But the sickness is drowned by cries for more”); “The Eternal” e a resignação ao vazio existencial (“Just watching the trees and the leaves as they fall”).
- Romances polifônicos: cada personagem funciona como um ser autônomo dotado de voz, posição própria e visão de mundo. Os exemplos vão desde “Uma Casa no Fim do Mundo” (Michael Cunningham”) até “Ulisses” (James Joyce).
- Debates filosóficos: existência ou não de Deus; relações entre religião e moral; vias da modernização na Rússia (a Revolução de 1917 como opção pelo modelo ocidental); o parricídio como crime mais abominável; a redenção pelo crime; os limites da liberdade humana perante ambições como a do ‘homem-deus’.

 

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