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Kaio

 

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21 outubro 2023

Now your mind is floating cool and you can find the way


Este mês de Outubro marcou o 50º aniversário de dois dos melhores álbuns de rock progressivo. Hoje falarei do primeiro deles, Ashes Are Burning (Renaissance), lançado em 10 de Outubro de 1973.

O Renaissance foi muito bem definido por George Starostin: "Se o Black Sabbath foram os demônios do rock, o Renaissance eram seus anjos: é difícil imaginar qualquer outra banda que fosse mais 'angelical', mais leve, doce e com influência clássica do que o Renaissance." E não há disco da banda que represente melhor esse caráter angelical do que o clima bucólico e fantasioso evocado por Ashes Are Burning, a obra-prima do Renaissance - ainda que seguida bem de perto por Sheherazade And Other Stories (1975).

A banda, contudo, começou em 1969 na Inglaterra como um dos espólios dos Yardbirds, o lendário conjunto de blues rock que chegou a incluir Eric Clapton, Jeff Beck e Jimmy Page. Em sua primeira formação, a qual já tinha o propósito de fazer experimentos com rock, folk e música clássica, o Renaissance era composto pelos irmãos Keith (vocais e guitarra) e Jane Relf (vocais), Jim McCarty (bateria), Louis Cannamo (baixo) e John Hawken (piano). Após dois álbuns, essa formação já tinha se dissolvido, e aos poucos foram entrando os cinco integrantes da formação clássica, que duraria até o fim da década de 70: o guitarrista Michael Dunford, o tecladista John Tout, o baixista Jon Camp, o baterista Terry Sullivan e a vocalista Annie Haslam - a única que continua tocando com o Renaissance até hoje em dia, tendo inclusive participado da turnê que passou pelo Brasil em Junho do ano passado (e da qual pude assistir aos shows em Niterói e no Rio de Janeiro).

O terceiro álbum do Renaissance, Prologue (1972), foi o primeiro LP dessa formação clássica, e já apresenta fortes indícios da qualidade do quinteto em faixas como "Prologue", "Kiev" e "Rajah Khan". É, contudo, em Ashes Are Burning que a banda mostra todo o seu potencial sonoro - e lírico, com ótimas letras escritas por Betty Thatcher (Dunford enviava fitas das composições para ela, que então compunha os versos). Starostin teceu um comentário certeiro sobre este disco: "Tudo no álbum é impregnado daquele estilo romântico medieval, resplandecente e caloroso, desde a pitoresca capa até as letras graciosas e os arranjos de cordas arrebatadores."

Apenas duas das seis faixas de Ashes Are Burning ("On The Frontier" e "At The Harbour") não se tornaram clássicos do repertório do Renaissance - e mesmo ambas são muito boas e contribuem para a elevada consistência do LP.

Quanto às quatro canções que se tornaram favoritas dos fãs, a faixa de abertura "Can You Understand?" foi a 1ª do Renaissance que eu ouvi, e foi amor à primeira audição. Lembro até hoje da primeira vez que a ouvi: em Março de 2019, quando estava catalogando os livros da minha ex-orientadora de doutorado Alba Zaluar (1942-2019). Na época eu estava no auge do meu vício por rock progressivo, e "Can You Understand?" me fisgou imediatamente com sua melodia cativante. Todos os elementos contribuem para sua grandeza: o piano de Tout na abertura, o baixo proeminente de Camp, a guitarra acústica de Dunford, a boa levada de bateria de Sullivan, os arranjos orquestrais e, é claro, os belos vocais de Haslam. A letra tem uma temática hippie e faz jogos de palavras interessantes ("Open up your eyes and make the day shine sunshine now / Open up your dreams and and make the way shine sunshine now / (...) Open up your life and make your lifetime sunshine now / Open up your soul and make your lifeline sunshine now"). Por fim, a estrutura sinfônica também merece destaque, com empolgantes mudanças de ritmo a longo de quase 10 minutos que nem parecem longos.

"Let It Grow" é um daqueles casos curiosos em que uma faixa só é hit no Brasil. Embora seja uma excelente balada, com uma letra bem romântica ("It's got to be slow, talking love the only way / It's got to just flow, making love and taking time to let it grow") e vocais magníficos de Annie Haslam, ela não fez tanto sucesso com as plateias do Atlântico Norte, mas foi presença obrigatória nos setlists dos shows que o Renaissance fez no Brasil em 2017 e 2022.

"Carpet Of The Sun" é a faixa mais próxima da estrutura de uma canção pop, com menos de 4 minutos e justaposição tradicional de versos e refrões - e ainda por cima embelezada por toques orquestrais. É uma das faixas do Renaissance mais queridas pelos fãs; não por acaso, segundo o Setlist.fm, é a canção mais tocada nos shows da banda, ao lado de "Mother Russia".

A faixa-título é um dos destaques de Ashes Are Burning, com uma sonoridade épica, momentos de primazia para o baixo de Jon Camp e mais uma grande performance vocal de Haslam. Fugindo um pouco à estética predominantemente folk/acústica do resto do álbum, e "Ashes Are Burning" conta com um solo de guitarra elétrica de Andy Powell (Wishbone Ash). Quando executada ao vivo, essa canção ganhava uma versão estendida, com mais espaço para os solos instrumentais; em alguns casos, chegava a ter o dobro da duração original, como no ótimo álbum ao vivo Live At Carnegie Hall (1976).

Embora não tenha entrado nas paradas britânicas, a banda acabou tendo mais sucesso nos Estados Unidos, onde Ashes Are Burning chegou ao 171º lugar da Billboard. O encarte da coletânea Tales of 1001 Nights (1990) contém uma explicação plausível para essa popularidade do outro lado do Atlântico: "A exposição da audiência [às canções geralmente longas da banda] era consideravelmente restrita às estações de rádio FM comerciais de formato livre ou às universitárias, cujos ouvintes revelaram-se abertos à sua música. Embora o Renaissance tivesse fãs em todo o mundo, esse público tendia a se concentrar no Nordeste dos Estados Unidos, ao longo do corredor Boston-Washington (a Filadélfia e a área metropolitana de Nova York sempre foram os principais centros do fandom do Renaissance)." Cabe mencionar o Brasil como outro pólo de fãs da banda, em particular deste álbum; de acordo com o Discogs, somente o Japão e os EUA tiveram tantas ou mais reedições em LP e CD de Ashes Are Burning. Considerando que o público brasileiro da época que consumia rock gostava bastante de canções de estética hippie (seja pela via folk/acústica ou pela psicodélica/progressiva), o "cult following" do Renaissance em nosso país também é compreensível.

Ashes Are Burning pode não ser tão popular ou badalado quanto outros discos de rock progressivo da mesma época gravados por bandas como Yes, Genesis, Pink Floyd ou Emerson, Lake & Palmer, mas merece ser tão valorizado quanto eles. Além disso, é uma boa porta de entrada nesse subgênero de rock para quem gosta de vocais femininos, música sinfônica com forte influência de temas clássicos e um estilo mais melódico, bucólico... e angelical.

 

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