França bicampeã, revival de 98 e uma digressão sobre esquemas táticos
§ 1
Não foi dessa vez que uma finalista menos cotada venceu a Copa do Mundo; desde 1974 (quando a Alemanha – que ainda assim era a anfitriã e atual campeã européia – venceu a Holanda, sensação do torneio) essa situação não acontece. Após a decepção na final da Eurocopa de dois anos atrás, a França se redimiu e fez sua melhor partida na Copa de 2018 para derrotar a Croácia por um sonoro 4x2 e garantir seu bicampeonato.
1) 4-2-3-1: França (começou o torneio adotando o 4-3-3, mas a partida difícil contra a Austrália fez Deschamps tirar o atacante Dembélé para colocar o centroavante Giroud e transformar Mbappé e Giroud em meias-atacantes); Croácia (manteve essa formação ao longo de toda a Copa, e quando esteve no ataque jogou praticamente no 4-2-4) e Rússia (exceto no jogo contra a Espanha, quando adotou com sucesso o cauteloso 5-3-2);
2) 3-4-3: Bélgica (formação ultra-ofensiva, foi adotada em todos os jogos exceto contra Brasil – onde Martínez preferiu o 4-3-3 seguido de 4-4-2 – e França – jogo no qual os belgas adotaram um conservador 3-5-2 para não se expor aos contra-ataques franceses);
3) 3-5-2: Inglaterra (Southgate resgatou um esquema muito popular nos anos 80 e início dos 90 – inclusive era o usado pela Inglaterra na Euro 96, na qual ele perdeu o pênalti que eliminou o seu país na semifinal), Uruguai (apenas no jogo contra a Rússia) e Bélgica (contra a França);
4) 4-1-4-1: Brasil (teoricamente era esse esquema, com Casemiro de volante e 4 meias ofensivos, mas dada a suposta “função tática” recuando Gabriel Jesus, na prática a seleção jogou no 4-3-3, com Neymar e Willian completando no ataque);
5) 4-4-2: Suécia (ao longo de toda a Copa adotou uma formação típica da década de 90), Uruguai (em todos os jogos, exceto contra a Rússia); Brasil (no 2º tempo contra o México) e Bélgica (depois do 2º gol contra o Brasil);
6) 4-3-3: França (na estréia contra a Austrália), Brasil (na maioria dos jogos) e Bélgica (no início da partida contra o Brasil);
7) 5-3-2: Rússia (contra a Espanha).
Pelo visto o 4-2-3-1 continua como esquema preferido das melhores seleções, embora não necessariamente da mesma forma como vinha sendo praticado antes. A Alemanha e a Espanha (embora com Lopetegui isso pudesse ter sido diferentes), eliminadas precocemente, também adotam essa formação tática, mas jogaram baseadas no “tiki-taka”- que mostrou seus limites nessa Copa, pois de nada adianta posse de bola e precisão nos passes se não há efetividade nas finalizações (vide a derrota da Espanha para o “ferrolho” russo) e se há fragilidade diante de contra-ataques velozes de nada adianta, como mostraram de forma cabal as derrotas da Alemanha para o México (0x1) e Coréia do Sul (0x2).
O que essa Copa reforçou é algo que o Bayern de Heynckes de 2013 e o Real Madrid dos últimos anos (especialmente nessa última Champions, quando soube “sofrer” e ser eficaz contra PSG, Juventus, Bayern e Liverpool) já haviam mostrado: a estratégia de segurar a pressão adversária e ser veloz e certeiro no contra-ataque, mesmo que com posse de bola abaixo dos 40%. Não é qualquer equipe que pode se dar ao luxo de seguir tal abordagem; tal como a França mostrou, é preciso uma combinação de defesa sólida, meio-campo rápido na transição e atacantes precisos nas finalizações (e olha que, apesar dos ótimos Griezmann e Mbappé, a França ainda podia ter feito mais gols se não tivesse o atrapalhado Giroud como centroavante).
Cabe notar que, antes da Copa, alguns comentaristas especulavam que o Brasil de Tite poderia mostrar uma ofensividade inédita para nossa seleção desde 82; André Rocha, por exemplo, chegou a sugerir que, no ataque, o Brasil poderia jogar no 2-3-5 (a “pirâmide”, esquema tático mais antigo de todos, e que foi o paradigma até meados da década de 1930, quando foi superado pelo WM, uma espécie de 3-4-3 primitivo), com Daniel Alves e Marcelo migrando das laterais para o meio-campo e dois meias (Coutinho e, possivelmente, Fred) se tornando atacantes. Esse plano começou a naufragar com as lesões de Daniel Alves e Fred, mas durante a própria Copa ficou claro que a seleção brasileira não conseguiria jogar de forma tão ofensiva, tanto pela má fase de Paulinho, Gabriel Jesus e Marcelo quanto pelas contusões de Renato Augusto e Douglas Costa. Não por acaso, os dois melhores jogos do Brasil foram com jogadores de perfil mais defensivo (Filipe Luís, contra sérvios e mexicanos) e com esquemas aparentemente mais cautelosos (o 4-4-2 no 2º tempo contra o México distribuiu melhor as funções no meio-campo e no ataque). A escalação mais voltada para o ataque foi justamente no jogo da eliminação, contra a Bélgica, com Marcelo de volta, no lugar de Filipe Luís, e Fernandinho, substituto de Casemiro, não sendo capaz de exercer bem a função de volante “cão de guarda”. Não deu certo, pois o meio-campo brasileiro ficou completamente exposto aos contra-ataques belgas.
O 2-3-5 pode não ter sido testado e o 4-3-3 foi abandonado pela seleção campeã após apenas um jogo. Mesmo assim, o estilo de jogo ofensivo teve seu receptáculo nessa Copa pelos pés da 3ª colocada. A Bélgica de Roberto Martínez adotou um esquema com 3 zagueiros, 4 meias e 3 atacantes e saiu da Copa com o melhor ataque (16 gols), seis vitórias e apenas uma derrota (e logo em um jogo no qual recuou um dos atacantes – De Bruyne). Esta formação ofensiva só mostrou dificuldades contra o Japão (que se protegeu bem, porém se expôs demais após levar o empate, resultando no já lendário lance do contra-golpe no último minuto que levou à virada belga), mas a lição foi aprendida e a Bélgica soube variá-lo com o 4-3-3 e o 4-4-2 diante do Brasil. Infelizmente a mesma genialidade tática de Martínez não foi repetida contra os franceses, mas ainda assim os talentosos jogadores belgas e seu técnico saem como o destaque tático da Copa.
§ 4
Chegou ao fim a 21ª Copa do Mundo, a 7ª que assisti ao vivo – ainda que, do mundial de 1994, eu só tenha memórias nítidas de dois jogos: Brasil 1x0 EUA e a final contra a Itália. De fato o mundial da Rússia foi um dos melhores Copas das últimas décadas – não supera a equilibrada Copa de 98, mas ficou ligeiramente abaixo de 2014 e acima de todas as outras quatro que eu vi (e, somando todos os mundiais, certamente ficaria entre os 7 ou 8 melhores).
Vai ser triste ter que voltar à dura realidade do Brasileirão (ainda mais quando o seu time não está no G4), então que venha logo a Copa América de 2019, a qual será realizada justamente no Brasil! Torço para que Tite e os jogadores que ficaram devendo nessa Copa aprendam com os erros e consigam nosso primeiro título continental desde 2007.