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Kaio

 

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17 julho 2018

França bicampeã, revival de 98 e uma digressão sobre esquemas táticos


§ 1
Não foi dessa vez que uma finalista menos cotada venceu a Copa do Mundo; desde 1974 (quando a Alemanha – que ainda assim era a anfitriã e atual campeã européia – venceu a Holanda, sensação do torneio) essa situação não acontece. Após a decepção na final da Eurocopa de dois anos atrás, a França se redimiu e fez sua melhor partida na Copa de 2018 para derrotar a Croácia por um sonoro 4x2 e garantir seu bicampeonato.
Os franceses, como notaram analistas como Douglas Ceconello, jogaram como se só estivessem usando 50% do seu potencial, o que mostra como a geração de jogadores é de altíssimo nível. Craques como Pogba, Mbappé e Griezmann não precisaram usar todos os recursos que mostram na temporada européia para produzir contra-ataques mortais (e bolas aéreas perigosas) e fazer gols. O banco de reservas francês contava com jogadores muito bons, como Dembélé e Tolisso, e ainda ficaram de fora da Copa atletas de destaque como Benzema e Martial. Ou seja, a França certamente tem sua melhor safra desde a equipe que foi campeã mundial em 98, campeã européia em 2000 e vice mundial em 2006, e dada a baixa média etária (a menor da Copa ao lado da Nigéria), é possível que a maior parte desta equipe ainda poderá disputar títulos pelos próximos anos. Deschamps venceu a desconfiança de muitos (inclusive a minha) por seu estilo excessivamente pragmático. Moldou a seleção francesa para vencer, mesmo que sem brilhar. Aplicação tática, defesa forte e eficácia no ataque foram a receita do sucesso. Na final, por exemplo, a França teve apenas 8 finalizações, mas 6 foram no gol e a equipe saiu da partida com 4 gols (ainda que um deles tenha sido o gol contra de Mandžukić); além disso, teve apenas 39% da posse de bola, o que ressalta a eficiência da equipe. Deschamps por muito tempo foi chamado de “Dunga francês”, mas sai da Copa como uma espécie de “Parreira gaulês”, considerando que em 1994 o técnico brasileiro também montou uma equipe pouco “artística”, mas coesa, disciplinada e com perfil vencedor. Cheguei a torcer pela Argentina contra eles nas oitavas-de-final (ainda chateado pelo “jogo de compadres” – e único 0x0 da Copa – entre França e Dinamarca), mas diante da atuação exuberante de jogadores como Mbappé, tive que dar o braço a torcer: a seleção francesa atual, quando quer jogar, é realmente a melhor do mundo. A Croácia terminou sua campanha histórica com um vice-campeonato, o melhor desempenho esportivo de uma seleção da Europa oriental desde o vice da Tchecoslováquia em 1962. No 2º tempo da partida era visível a exaustão física dos jogadores croatas – mas também a sua garra e disposição. Mesmo o inusitado gol de Mandžukić após o erro de Lloris mostra isso: os croatas estavam perdendo por 4x1 e continuaram lutando. Luka Modrić foi com justiça eleito o craque da Copa; não foi tão bem na final, mas nas partidas decisivas contra a Argentina, a Rússia e a Inglaterra ele foi peça fundamental. A seleção croata, ao contrário da francesa, está envelhecida, então o ótimo desempenho em 2018 soa como despedida para a geração de Modrić (32 anos) e – talvez – Rakitić (30) e Perišić (29). § 2 Se a Euro 2016 já tinha me evocado certa nostalgia pela Copa do Mundo de 1998 (que, em minha opinião, foi a melhor desde a mudança de taça, isto é, de 1974 em diante) por também ter acontecido na França, a Copa de 2018 foi ainda mais semelhante à de vinte anos atrás: 1) o nível técnico foi bem alto, e tal como em 98 seis seleções (França, Uruguai, Brasil, Bélgica, Croácia e, em menor medida, Inglaterra) chegaram às quartas-de-final com desempenho razoavelmente digno de serem campeãs; 2) a média de gols foi elevada, com 2,64 por jogo, a 2ª melhor em Copas com 32 seleções, atrás apenas de 98 e 2014 – 2,67 em cada; 3) houve apenas um 0x0 em todos os 64 jogos (em 98 foram quatro, sendo apenas um no mata-mata); 4) tal como em 1998, vários confrontos espetaculares ocorreram já na 1ª fase (Portugal 3x3 Espanha, Alemanha 0x1 México, Argentina 0x3 Croácia, Japão 2x2 Senegal...); 5) oito jogos que ocorreram naquele mundial se repetiram (além dos supracitados Alemanha x México e Argentina x Croácia, houve revanches de Inglaterra x Tunísia, Colômbia x Inglaterra, Alemanha x México, Coréia do Sul x México, França x Dinamarca e França x Croácia); 6) por último, é claro, os franceses ganharam novamente. § 3 Nas últimas Copas o torneio não estava mais ditando as tendências táticas dos clubes, e sim o contrário. Em 2010, a campeã Espanha jogava de forma bem parecida à do Barcelona de Guardiola – com a diferença de que, na falta de um “falso 9” tão bom quanto Messi, vencia a maioria dos jogos por 1x0. A Copa seguinte teve o título alemão com um time cuja base era o Bayern de Munique treinado por Jupp Heynckes (2011-13), com seus contra-ataques mortais, e o próprio Guardiola (desde 2013), que adaptou o “tiki-taka” (isto é, o estilo focado na posse de bola e nos toques laterais) às características do futebol alemão. Além disso, a Alemanha treinada por Joachim Löw popularizou o esquema 4-2-3-1 que já vinha sendo praticado por clubes de renome, como o Real Madrid que bateu o Bayern nas semifinais da Champions League de 2014. A Copa de 2018 não mudou tanto esse cenário, embora tenha mostrado uma notável diversidade de esquemas táticos entre as oito equipes que chegaram às quartas-de-final. Eis as formações adotadas por elas:
1) 4-2-3-1: França (começou o torneio adotando o 4-3-3, mas a partida difícil contra a Austrália fez Deschamps tirar o atacante Dembélé para colocar o centroavante Giroud e transformar Mbappé e Giroud em meias-atacantes); Croácia (manteve essa formação ao longo de toda a Copa, e quando esteve no ataque jogou praticamente no 4-2-4) e Rússia (exceto no jogo contra a Espanha, quando adotou com sucesso o cauteloso 5-3-2); 2) 3-4-3: Bélgica (formação ultra-ofensiva, foi adotada em todos os jogos exceto contra Brasil – onde Martínez preferiu o 4-3-3 seguido de 4-4-2 – e França – jogo no qual os belgas adotaram um conservador 3-5-2 para não se expor aos contra-ataques franceses); 3) 3-5-2: Inglaterra (Southgate resgatou um esquema muito popular nos anos 80 e início dos 90 – inclusive era o usado pela Inglaterra na Euro 96, na qual ele perdeu o pênalti que eliminou o seu país na semifinal), Uruguai (apenas no jogo contra a Rússia) e Bélgica (contra a França); 4) 4-1-4-1: Brasil (teoricamente era esse esquema, com Casemiro de volante e 4 meias ofensivos, mas dada a suposta “função tática” recuando Gabriel Jesus, na prática a seleção jogou no 4-3-3, com Neymar e Willian completando no ataque); 5) 4-4-2: Suécia (ao longo de toda a Copa adotou uma formação típica da década de 90), Uruguai (em todos os jogos, exceto contra a Rússia); Brasil (no 2º tempo contra o México) e Bélgica (depois do 2º gol contra o Brasil); 6) 4-3-3: França (na estréia contra a Austrália), Brasil (na maioria dos jogos) e Bélgica (no início da partida contra o Brasil); 7) 5-3-2: Rússia (contra a Espanha). Pelo visto o 4-2-3-1 continua como esquema preferido das melhores seleções, embora não necessariamente da mesma forma como vinha sendo praticado antes. A Alemanha e a Espanha (embora com Lopetegui isso pudesse ter sido diferentes), eliminadas precocemente, também adotam essa formação tática, mas jogaram baseadas no “tiki-taka”- que mostrou seus limites nessa Copa, pois de nada adianta posse de bola e precisão nos passes se não há efetividade nas finalizações (vide a derrota da Espanha para o “ferrolho” russo) e se há fragilidade diante de contra-ataques velozes de nada adianta, como mostraram de forma cabal as derrotas da Alemanha para o México (0x1) e Coréia do Sul (0x2). O que essa Copa reforçou é algo que o Bayern de Heynckes de 2013 e o Real Madrid dos últimos anos (especialmente nessa última Champions, quando soube “sofrer” e ser eficaz contra PSG, Juventus, Bayern e Liverpool) já haviam mostrado: a estratégia de segurar a pressão adversária e ser veloz e certeiro no contra-ataque, mesmo que com posse de bola abaixo dos 40%. Não é qualquer equipe que pode se dar ao luxo de seguir tal abordagem; tal como a França mostrou, é preciso uma combinação de defesa sólida, meio-campo rápido na transição e atacantes precisos nas finalizações (e olha que, apesar dos ótimos Griezmann e Mbappé, a França ainda podia ter feito mais gols se não tivesse o atrapalhado Giroud como centroavante). Cabe notar que, antes da Copa, alguns comentaristas especulavam que o Brasil de Tite poderia mostrar uma ofensividade inédita para nossa seleção desde 82; André Rocha, por exemplo, chegou a sugerir que, no ataque, o Brasil poderia jogar no 2-3-5 (a “pirâmide”, esquema tático mais antigo de todos, e que foi o paradigma até meados da década de 1930, quando foi superado pelo WM, uma espécie de 3-4-3 primitivo), com Daniel Alves e Marcelo migrando das laterais para o meio-campo e dois meias (Coutinho e, possivelmente, Fred) se tornando atacantes. Esse plano começou a naufragar com as lesões de Daniel Alves e Fred, mas durante a própria Copa ficou claro que a seleção brasileira não conseguiria jogar de forma tão ofensiva, tanto pela má fase de Paulinho, Gabriel Jesus e Marcelo quanto pelas contusões de Renato Augusto e Douglas Costa. Não por acaso, os dois melhores jogos do Brasil foram com jogadores de perfil mais defensivo (Filipe Luís, contra sérvios e mexicanos) e com esquemas aparentemente mais cautelosos (o 4-4-2 no 2º tempo contra o México distribuiu melhor as funções no meio-campo e no ataque). A escalação mais voltada para o ataque foi justamente no jogo da eliminação, contra a Bélgica, com Marcelo de volta, no lugar de Filipe Luís, e Fernandinho, substituto de Casemiro, não sendo capaz de exercer bem a função de volante “cão de guarda”. Não deu certo, pois o meio-campo brasileiro ficou completamente exposto aos contra-ataques belgas. O 2-3-5 pode não ter sido testado e o 4-3-3 foi abandonado pela seleção campeã após apenas um jogo. Mesmo assim, o estilo de jogo ofensivo teve seu receptáculo nessa Copa pelos pés da 3ª colocada. A Bélgica de Roberto Martínez adotou um esquema com 3 zagueiros, 4 meias e 3 atacantes e saiu da Copa com o melhor ataque (16 gols), seis vitórias e apenas uma derrota (e logo em um jogo no qual recuou um dos atacantes – De Bruyne). Esta formação ofensiva só mostrou dificuldades contra o Japão (que se protegeu bem, porém se expôs demais após levar o empate, resultando no já lendário lance do contra-golpe no último minuto que levou à virada belga), mas a lição foi aprendida e a Bélgica soube variá-lo com o 4-3-3 e o 4-4-2 diante do Brasil. Infelizmente a mesma genialidade tática de Martínez não foi repetida contra os franceses, mas ainda assim os talentosos jogadores belgas e seu técnico saem como o destaque tático da Copa. § 4 Chegou ao fim a 21ª Copa do Mundo, a 7ª que assisti ao vivo – ainda que, do mundial de 1994, eu só tenha memórias nítidas de dois jogos: Brasil 1x0 EUA e a final contra a Itália. De fato o mundial da Rússia foi um dos melhores Copas das últimas décadas – não supera a equilibrada Copa de 98, mas ficou ligeiramente abaixo de 2014 e acima de todas as outras quatro que eu vi (e, somando todos os mundiais, certamente ficaria entre os 7 ou 8 melhores). Vai ser triste ter que voltar à dura realidade do Brasileirão (ainda mais quando o seu time não está no G4), então que venha logo a Copa América de 2019, a qual será realizada justamente no Brasil! Torço para que Tite e os jogadores que ficaram devendo nessa Copa aprendam com os erros e consigam nosso primeiro título continental desde 2007.

 

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