BSB Days
À noite fui tomar café com a Luísa no Baristas. Não nos víamos desde o fim de 2011, quando eu ainda estava na graduação. Conversamos sobre nossas pesquisas e sobre literatura em geral. Um pouco mais tarde o namorado dela chegou e fomos no bar ao lado, La Rubia. Falamos sobre música, filmes, séries etc., e a discotecagem anos 80/90 lá estava ótima.
Tivemos uma longa conversa sobre política (principalmente sobre os erros da esquerda americana) e música (a ótima discotecagem, também amparada nos anos 80 e 90, ajudou - aliás, fiz uma lista no Spotify com as músicas que tocaram naquela noite e na anterior). Deu para dançar em várias canções, dentre elas a imbatível Blue Monday (New Order) e hits de Information Society, Prince, Madonna etc. Só em torno de 1 da manhã começou o primeiro show da noite, de uma banda cover de Runaways - tal como a original, todas as cinco integrantes eram mulheres, e achei legal que imitaram até o vestuário da banda de Cherie Currie, Joan Jett e cia. A Jana estava sentindo algumas dores no estômago, então fomos embora mais cedo, antes do show-tributo ao Little Quail e o do Gabriel Thomaz.
15 fevereiro 2017
Comunhão e viagem
10 fevereiro 2017
When I feel heavy metal and I'm pins and I'm needles
08 fevereiro 2017
A kiss of death, the embrace of life
Marquee Moon foi co-produzido por Verlaine e Andy Johns (que já trabalhara com os Stones e o Led Zeppelin); como as faixas estavam bem ensaiadas e foram gravadas praticamente ao vivo e com poucos efeitos, o disco tem uma sonoridade crua e direta que ainda soa bem atual.
A Submissão dos Intelectuais - parte 2
1. O vazio de François após terminar sua tese sobre Huysmans
"Já na manhã seguinte (ou talvez já na própria noite, não posso garantir, pois a noite de minha defesa foi solitária e muito alcoolizada), entendi que uma parte de minha vida acabava de terminar, e era provavelmente a melhor. (...) eu acabava de perder algo inapreciável, algo que nunca mais reencontraria: minha liberdade. por vários anos, os últimos resíduos de uma social-democracia agonizante tinham me permitido (graças a uma bolsa de estudos, a um sistema extenso de descontos e vantagens sociais, a refeições medíocres mas baratas num restaurante universitário) dedicar a integralidade de meus dias a uma atividade que eu escolhera: o livre convívio intelectual com um amigo. (...) Mas tudo isso estava terminado; minha juventude, mais genericamente, estava terminada Em breve |(e sem dúvida muito depressa), eu deveria me envolver num processo de inserção profissional. O que não me alegrava nem um pouco." (pp. 9; 12-13)
2. A ode à arte poética
"A especificidade da literatura, arte maior de um Ocidente que se conclui diante dos nosso olhos, não é, porém, muito difícil de definir. Tanto quanto a literatura, a música pode determinar uma reviravolta, um transtorno emotivo, uma tristeza ou um êxtase absolutos; tanto quanto a literatura, a pintura pode gerar um deslumbramento, um olhar novo depositado sobre o mundo. Mas só a literatura pode dar essa sensação de contato com outro espírito humano, com a integralidade desse espírito, suas fraquezas e grandezas, suas limitações, suas mesquinharias, suas idéias fixas, suas crenças (...). Só a literatura permite entrar em contato com o espírito de um morto, da maneira mais direta, mais completa e até mais profunda do que a conversa com um amigo - (...) numa conversa nunca nos entregamos tão completamente como o fazemos diante de uma página em branco, dirigindo-nos a um destinatário desconhecido." (pp. 10-11)
3. A dificuldade dos homens para "desabafar"
"Ao contrário delas, eu não podia me abrir com ninguém, pois as conversas sobre a vida íntima não fazem parte dos temas considerados admissíveis na sociedade dos homens: eles falarão de política, de literatura, de mercados financeiros ou de esportes, dependendo do temperamento. Sobre sua vida amorosa manterão silêncio, e isso até seu último suspiro." (p. 20)
4. Ao ser chamado de machista, François dá uma resposta sarcástica
"'Você é a favor da volta do patriarcado, é isso?'
'Eu não sou a favor de nada, como você bem sabe, mas o patriarcado tinha o mínimo mérito de existir. Bem, quero dizer que como sistema social ele perseverava no próprio ser, havia famílias com filhos, que grosso modo reproduziam o mesmo esquema, enfim, e funcionava; agora não há mais crianças suficientes, então sabe como é." (p. 33)
"Foi nesse momento de minhas reflexões (...) que me veio uma idéia extremamente desagradável: assim como À rebours era o apogeu da vida literária de Huysmans, Myriam era sem dúvida o apogeu de minha vida amorosa. Como eu conseguiria superar a perda de minha amante? A resposta era, tudo indicava, que eu não conseguiria." (p. 41)
6. O mito de Cassandra e a ameaça de uma guerra civil
"Anos a fio, e talvez até por várias dezenas de anos, o Le Monde, assim como em geral todos os jornais de centro-esquerda, isto é, na verdade todos os jornais, tinham regularmente denunciado as 'Cassandras' que previam uma guerra civil entre os imigrantes muçulmanos e as populações autóctones da Europa ocidental. (...) Em suma, Cassandra oferecia o exemplo de previsões pessimistas constantemente realizadas, e na verdade parecia, à luz dos fatos, que os jornalistas de centro-esquerda apenas repetiam a cegueira dos troianos. Tal cegueira nada tinha de historicamente inédita: podia-se encontrar a mesma entre os intelectuais, políticos e jornalistas dos anos 1930, unanimemente convencidos de que Hitler 'acabaria por recobrar a razão'. Talvez seja impossível, para pessoas que viveram e prosperaram em determinado sistema social, imaginar o ponto de vista dos que, nunca tendo tido nada a esperar desse sistema, encaram sua destruição sem nenhum terror especial." (pp. 45-46)
"Para resumir a tese deles, a transcendência é uma vantagem seletiva: os casais que se reconhecem numa das três religiões do Livro Sagrado, entre os quais os valores patriarcais se mantiveram, têm mais filhos que os casais ateus ou agnósticos; as mulheres são menos educadas, o hedonismo e o individualismo são menos enraizados. Por outro lado, a transcendência é, em grande parte, uma característica geneticamente transmissível: as conversões, ou a rejeição dos valores familiares, têm apenas importância marginal; na imensa maioria dos casos, as pessoas permanecem fiéis ao sistema metafísico em que foram criadas. O humanismo ateu, sob o qual repousa o 'viver juntos' laico, está, portanto, condenado a curto prazo, e a percentagem da população monoteísta está fadada a aumentar rapidamente. É este, em especial, o caso da população muçulmana - sem nem sequer levar em conta a imigração, que acentuará ainda mais o fenômeno. Para os identitários europeus, está fora de questão que entre os muçulmanos e o resto da população deverá necessariamente, mais cedo ou mais tarde, estourar uma guerra civil. Daí concluem que, se querem ter uma chance de ganhar essa guerra, é melhor que ela estoure o quanto antes - em qualquer hipótese, antes de 2050, de preferência bem antes disso."
"A verdadeira dificuldade, o pomo de discórdia das negociações, é a educação nacional. O interesse pela educação é uma velha tradição socialista, e o meio docente é o único que nunca abandonou o Partido Socialista, que continuou a apoiá-lo até a beira do abismo; só que, agora, estão lidando com um interlocutor ainda mais motivado que eles, e que não cederá sob nenhum pretexto. (...) Para eles o essencial é a demografia e a educação; a subpopulação que dispõe da melhor taxa de reprodução, e consegue transmitir seus valores, triunfa; (...) quem controla as crianças controla o futuro, ponto final. (...) Bem, para a Fraternidade Muçulmana cada criança francesa deve ter a possibilidade de se beneficiar, do início ao fim da escolaridade, de um ensino islâmico. E o ensino islâmico é, de todos os pontos de vista, muito diferente do ensino laico. Primeiro, não pode em nenhuma hipótese ser misto; e só certas carreiras serão abertas às mulheres. O que eles desejam, no fundo, é que a maioria das mulheres, depois do curso primário, seja orientada para escolas de educação doméstica e se case o quanto antes - uma pequena minoria prosseguindo, antes de se casar, nos estudos literários ou artísticos; seria para eles o modelo ideal de sociedade. Por outro lado, todos os professores, sem exceção, deverão ser muçulmanos." (pp. 68-69)
"De cara, fiquei impressionado com o caráter republicano, e até francamente anticlerical, de sua intervenção. Superando a referência banal a Jules Ferry, ela [Marine Le Pen] chegava a Condocert, de quem citava o memorável discurso de 1792 perante a Assembléia Legislativa, em que ele evoca esse egípcios, esses indianos 'cujo espírito humano fez tantos progressos, e que recaíram no embrutecimento da mais vergonhosa ignorância no momento em que a potência religiosa se apoderou do direito de instruir os homens'. (...) Concluíra seu discurso citando um artigo da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a de 1793: 'Quando o governo viola os direitos do povo, a insurreição é, para o povo e para cada porção do povo, o mais sagrado dos direitos e o mais indispensável dos deveres'." (pp. 91; 95)
"A verdadeira agenda da UMP, como a do PS, é o desaparecimento da França, sua integração num conjunto federal europeu. Seus eleitores, é claro, não aprovam esse objetivo; mas os dirigentes conseguem, há anos, silenciar esse assunto. Se fechassem uma aliança com um partido abertamente antieuropeu, não conseguiriam perseverar nessa atitude; e a aliança [com a FN] não demoraria a ir para o espaço. É por isso que acredito mais numa segunda hipótese: a criação de uma frente republicana, em que a UMP se aliaria, como o PS, à candidatura Ben Abbes - desde que, é claro, houvesse uma participação suficiente no governo, e acordos para as próximas eleições legislativas". (pp. 121-122)
"Espalhou-se a idéia nos círculos da ultra-direita de que, quando os muçulmanos chegassem ao poder, os cristãos seriam necessariamente reduzidos a um estatuto de dhimmis, cidadãos de segunda classe. De fato, a dhimitude faz parte dos princípios gerais do islã; mas na prática o estatuto de dhimmi é extremamente flexível. O islã tem uma extensão geográfica enorme; a maneira como é praticado na Arábia Saudita não tem nada a ver com o que se encontra na Indonésia, ou no Marrocos. Quanto à França, estou absolutamente convencido - e disposto a bancar a aposta - de que não só nenhum entrave será imposto ao culto cristão, como os subsídios alocados às associações católicas e à manutenção dos edifícios religiosos serão aumentados; eles podem se permitir isso, pois as verbas alocadas às mesquitas pelas petromonarquias serão consideráveis. E, mais ainda, o verdadeiro inimigo dos muçulmanos, aquele que temem e odeiam acima de tudo não é o catolicismo: é o secularismo, a laicidade, o materialismo ateu. Para eles os católicos são crentes, o catolicismo é uma religião do Livro; trata-se apenas de convencê-los a dar mais um passo, a se converterem ao islã: esta é a verdadeira visão muçulmana da cristandade, a visão original." (pp. 129-130)
"Tudo isso era profundamente surpreendente; durante toda a sua vida - bem, durante toda a parte de sua vida que me era conhecida - meu pai se mantivera quase às raias da ostentação, nos limites do bom gosto burguês perfeitamente convencional (...) Faz dez anos que não nos víamos, e sua evolução me era desconhecida, mas com certeza eu não esperava que tivesse se transformado numa espécie de aventureiro de subúrbio. (...) O mais surpreendente para mim era a existência de uma coleção de fuzis de valor (....).
'Ele colecionava armas?', perguntei a Sylvia.
'Não eram armas de coleção; ele ia muito à caça, que tinha se tornado sua grande paixão.'
Um ex-diretor financeiro da Unilever que tardiamente compra um 4x4 off-road e reencontra seus instintos de caçador-coletor: era surpreendente mas, afinal, plausível. (...) Assim, meu pai tivera um final de vida legal (...). Em suma, eis um homem que teria vivido duas vidas, nitidamente separadas, e sem o menor ponto de contato entre elas." (pp. 157-160)
"A implosão brutal do sistema de oposição binário centro-esquerda/centro-direita, que estruturava a vida política francesa desde tempos imemoriais, primeiro mergulhara toda a imprensa num estado de estupor, depois de afasia. (...) No entanto, pouco a pouco, ao longo das semanas, núcleos de oposição começaram a se formar. Primeiro, entre os laicos de esquerda. (...) Inversamente, certas organizações como a União dos Estudantes Salafistas fizeram ouvir sua voz, denunciando a persistência de comportamentos imorais e exigindo uma autêntica aplicação da charia. Assim, aos poucos instalavam-se os elementos de um debate político. Seria um debate de tipo novo, muito diferente dos que a França conhecera nos últimos decênios, mais parecido com o que existia na maioria dos países árabes; mas seria, mesmo assim, uma espécie de debate. E a existência de um debate político, embora artificial, é necessária para o funcionamento harmonioso da imprensa, talvez até para a existência, no seio da população, de um sentimento pelo menos formal de democracia." (pp. 167-168)
14. A volta do casamento por interesse?
"Todas essas evoluções arrastava a França para um novo modelo de sociedade, mas a transformação deveria permanecer implícita até a publicação clamorosa de um ensaio escrito por um jovem sociólogo, Daniel da Silva, ironicamente chamado Um dia tudo isso será seu, meu filho, com o explícito subtítulo 'Rumo a uma família de interesse'. (...) Da Silva afirma que o laço familiar, em especial o laço entre pai e filho, não podia de jeito nenhum se basear no amor, mas na transmissão de uma competência e de um patrimônio. A passagem generalizada ao regime de salários deveria necessariamente, a seu ver, provocar a explosão da família e a atomização completa da sociedade, que só conseguiria se refundar quando o modelo de produção normal fosse de novo baseado na empresa individual." (p. 170)
15. A breve experiência no mosteiro
"Meu humor ia azedando, e a prosa de dom Jean-Pierre Longeat, decerto um monge excelente, de boas intenções e amor, me exasperava mais e mais. 'A vida deveria ser um constante intercâmbio amoroso, quer estejamos na provação, quer estejamos na alegria', escrevia o frade, 'portanto aproveita estes poucos dias para trabalhar essa capacidade de amar e deixar-te amar em palavras e atos.' Você está por fora, Idiota, estou sozinho no quarto, eu debochava furioso. 'Estás aqui para pousar tuas bagagens e fazer uma viagem em ti mesmo, neste lugar-fonte em que se expressa a força do desejo', ele também escrevia. Meu desejo está na cara, eu fulminava, é só fumar um cigarro, você está vendo que eu estou aqui, Idiota, meu lugar-fonte é esse aí. (...) Na manhã do terceiro dia entendi que precisava ir embora, aquela temporada estava fadada ao fracasso." (p. 184)
"No regime islâmico, as mulheres - quer dizer, as bonitas o suficiente para despertar o desejo de um marido rico - tinham, no fundo, a possibilidade de permanecerem crianças praticamente a vida toda. Pouco depois de saírem da infância, tornavam-se mães e caíam de novo no universo infantil. Seus filhos cresciam, depois elas se tornavam avós, e assim se passavam suas vidas. Por um período curto de tempo elas compravam lingerie sexy, trocando os jogos infantis por jogos sexuais - o que no fundo era mais ou menos a mesma coisa. É claro que perdiam autonomia, mas fuck autonomy, e eu devia admitir, de meu lado, que renunciara facilmente, e até com verdadeiro alívio, a toda responsabilidade de ordem profissional ou intelectual, e que não invejava em nada aquele homem de negócios sentado do outro lado do corredor de nosso compartimento no TGV Pro Première". (p. 192)
"'Você não é católico, o que poderia constituir um obstáculo... (...) E também não penso que seja propriamente ateu. No fundo, verdadeiros ateus são raros.'
'Você acha? Ao contrário eu tinha a impressão de que o ateísmo era universalmente difundido no mundo ocidental.'
'Ao meu ver, ele é superficial. Os únicos verdadeiros ateus que encontrei eram revoltados; não só se contentavam em verificar friamente a inexistência de Deus como recusavam essa existência, à maneira de Bakunin: 'E, mesmo se Deus existisse, seria preciso livrar-se dele...'), em suma, eram ateus a Kirilov, rejeitavam Deus porque queriam pôr o homem em seu lugar, eram humanistas, tinham uma alta idéia da liberdade humana, da diginidade humana. Suponho que você também não se reconhece nesse perfil?'
Não, nesse também não, de fato; só a palavra humanismo já me dava uma leve vontade de vomitar, mas talvez fossem os pasteizinhos quentes, eu tinha abusado deles; bebi mais uma taça de Mersault para ver se passava.
'O que há', ele continuou, 'é que a maior parte das pessoas vive sua vida sem se preocupar demais com essas questões, que parecem a elas exageradamente filosóficas; só pensam nisso quando são confrontadas a um drama - uma doença grave, a morte de um próximo. Bem, isso é verdade no Ocidente, porque em qualquer outro lugar do mundo é em nome dessas questões que os seres humanos morrem e matam, travam guerras sangrentas, e isso desde a origem da humanidade". (pp. 211-212)
18. A decadência da Europa começa na I Guerra Mundial
"'Essa Europa que estava no auge da civilização humana realmente se suicidou, no espaço de alguns decênios', continuou Rediger com tristeza (...). 'Houve em toda a Europa os movimentos anarquistas e niilistas, o apelo à violência, a negação de qualquer lei moral. E depois, alguns anos mais tarde, tudo terminou por essa loucura injustificável da Primeira Guerra Mundial. Freud não se enganou, Thomas Mann também não: se a França e a Alemanha, as duas nações mais avançadas, mais civilizadas do mundo, eram capazes de se entregar a essa carnificina insensata, então era porque a Europa estava morta (...)'. Eu não tinha certeza de partilhar seu ponto de vista sobre o papel decisivo da Primeira Guerra Mundial; sem dúvida, fora uma carnificina indesculpável, mas a guerra de 1870 já era razoavelmente absurda, pelo menos na descrição de Huysmans, e já depreciara seriamente toda forma de patriotismo; as nações em seu conjunto não passavam de uma absurdidade assassina, e isso todos os seres humanos um pouco conscientes tinham provavelmente percebido desde 1871; daí decorriam, parece-me, o niilismo, o anarquismo e todas essas porcarias." (p. 217)
19. A submissão e sua relação com o otimismo cosmológico do islã
"'É a submissão', disse suavemente Rediger. 'A idéia assombrosa e simples, jamais expressada antes com toda essa força, de que o auge da felicidade humana reside na submissão mais absoluta. É uma idéia que eu hesitaria em expor perante meus correligionários, que eles talvez julgassem blasfematória, mas para mim há uma relação entre a absoluta submissão da mulher ao homem (...) e a submissão do homem a Deus, tal como o encara o islã. Veja bem', continuou, 'o islã aceita o mundo, e aceita-o em sua integralidade, aceita o mundo como ele é, para falar como Nietzsche. O ponto de vista do budismo é que o mundo é dukkha - inadequação, sofrimento. O próprio cristianismo manifesta sérias reservas - Satanás não é qualificado como 'príncipe deste mundo'? Para o islã, ao contrário, a criação divina é perfeita, é uma obra-prima completa. No fundo, o que é o Alcorão senão um imenso poema místico de louvação? De louvação ao Criador e de submissão às suas leis." (pp. 219-220)
"Um pouco da mesma forma como isso se produzira, alguns anos antes, com meu pai, uma nova oportunidade se oferecia a mim; e seria a oportunidade de uma segunda vida, sem grande relação com a anterior.
Eu nada teria do que me lamentar." (p. 251)
Fonte das citações: HOUELLEBECQ, Michel. Submissão. Trad. Rosa Freire d'Aguiar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015.
04 fevereiro 2017
A Submissão dos Intelectuais - parte 1
Em seu último terço o livro seguiu um rumo diferente do que eu imaginava, e ainda assim gostei bastante. Ao contrário do que o título e o marketing fariam supor, o enredo não gira tanto em torno do Islã, e sim da crise moral e existencial dos intelectuais ocidentais. Houellebecq mostra, com muita ironia e acidez, que o meio universitário, marcado pelo niilismo e pelo carreirismo, poderia muito bem abraçar uma guinada para o islamismo tanto pelo vazio de valores quanto por razões estritamente políticas e econômicas.
Além disso, o humanismo ateu estaria com os dias contados, pois não responde aos anseios metafísicos da intelectualidade, e nem mesmos aos mais modestos desejos burgueses de uma vida estável e confortável.
No próximo post vou separar e discutir os trechos de que mais gostei.
01 fevereiro 2017
Adeus, Benzaquen