No dia 10 de Fevereiro de 1997, o Blur lançou seu quinto álbum. O título homônimo e a capa borrada ("blurred") não são por acaso: a banda estava à procura de uma nova identidade.
Surpreendendo público e crítica, Blur abandonou o projeto estético da trilogia Modern Life is Rubbish (93), Parklife (94) e The Great Escape (95). Em vez das canções melódicas, das letras em 3ª pessoa com crônicas debochadas de personagens típicos e das influências predominantemente britânicas (Beatles, Kinks, XTC etc.), a banda passou a apostar em guitarras distorcidas (para regozijo de Graham Coxon), letras mais densas e intimistas, experimentos com trip hop, psicodelia e lo-fi e uma abertura estilística para o indie rock americano, outrora duramente rejeitado por Damon Albarn (vide o anglófilo Modern Life).
Abrindo o álbum temos "Beetlebum", forte candidata a melhor música do Blur. Tudo contribui para sua perfeição: o riff peculiar, a letra lisérgica, os vocais etéreos, o belíssimo coda...
"Song 2" são 2 minutos de deboche aos clichês do rock americano - a dinâmica de versos calmos e refrão barulhento de Pixies e Nirvana, os versos nonsense típicos do grunge e até o "woo-hoo" inspirado em "Friends of P" (The Rentals). Extremamente viciante, "Song 2" é a faixa mais popular da banda, sendo a responsável direta pelo sucesso mundial de Blur - inclusive nos EUA, onde o disco vendeu mais do que na Inglaterra - e trilha sonora de FIFA 98 e diversos filmes de ação.
"Country Sad Ballad Man" é minha preferida. Sua letra profundamente autobiográfica alude à solidão de um rockstar melancólico, que já está cheio da fama - e dos excessos que a acompanham: "Let me sleep all day / Spent the money / I haven't felt my legs / Since the summer / And I don't call my friends / Forgot their numbers". Letárgica e psicodélica, no último minuto a faixa muda de ritmo, ficando mais pesada e desesperada, e se encerra de forma súbita.
"M.O.R." é uma homenagem sonora à "Fase Berlim" de Bowie, e sua progressão lembra a de "Boys Keep Swinging". A letra não poderia ser mais atual em sua critica à mediocridade dos artistas pop: "It's automatic / I need to unload / Under the pressure / Gone middle of the road".
"On Your Own" é uma das mais animadas; destaque para o riff contagiante, os loops de bateria e o excêntrico refrão. "Theme from Retro", como o título sugere, parece trilha sonora de filme de terror. A acústica "You're so Great" é a primeira canção escrita por Coxon a entrar em um álbum da banda, e sua temática de remorso pelo alcoolismo será retomada dois anos depois em "Coffee and TV".
"Death of a Party" é Gorillaz em versão embrionária, principalmente pelo uso proeminente dos teclados e pela letra sombria: "Another night / And I thought well well / Go to another party / And hang myself / Gently on the shelf". Escrita em 92, foi regravada para este disco porque, diante do desgaste público do Blur após a derrota para o Oasis na "britpop war" e das brigas internas, "Death of a Party" soava como um hino da ressaca.
"Chinese Bombs" é ainda mais acelerada que "Song 2"; mas, ao contrário desta, seu peso não está concentrado no baixo, mas na guitarra. "I'm Just a Killer for Your Love" tem cara de B-side, mas em um disco tão eclético, não soa tão fora do ninho. "Look Inside America" é a única que mantém a estética do britpop, mas só na melodia; sua letra é uma admissão de que os EUA podem ser "alright".
"Strange News From Another Star" combina um space-rock à la Bowie e Pink Floyd com uma letra deprimida: "I don't believe in me / All I've ever done is tame / Will you love me all the same".
"Movin' On" é uma das mais animadas, e gosto especialmente de seus vocais distorcidos. "Essex Dogs" é uma crônica decadentista com estilo trip hop; é a canção que melhor revela o método experimental de composição de "Blur", feito a partir de jams no estúdio.
Embora Parklife e 13 (99) sejam considerados discos mais icônicos, Blur também pode ser visto como o ápice da banda, seja pela sua diversidade estilística, seja pelas letras mais profundas ou mesmo pela ousadia do Blur ao romper com a zona de conforto do britpop e arriscar algo mais "anti-comercial" (o que nem se concretizou, pois o sucesso internacional de "Song 2" levou o disco a vender mais de 2 milhões de cópias).