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31 julho 2023

Back in S.P.

Hoje é o 18º aniversário deste blog, e acabou que o post comemorativo será sobre uma viagem que fiz nesse último fim de semana!

Eu, a Carolina e um casal de amigos (Adriana e Thiago) viajamos para São Paulo, e foi uma estadia excelente! Ao contrário de minhas duas viagens anteriores para SP capital (em 2014 eu e a Carol nos hospedamos no Capão Redondo e só saímos para o Lollapalooza; em 2022 ficamos só no bairro da Liberdade), dessa vez eu pude ir ao meu point preferido da cidade pela 1ª vez desde Novembro de 2013: a Galeria do Rock.

Antes de falar sobre meu passeio lá, contudo, vou recapitular os acontecimentos anteriores.

A Carolina já teria que estar em São Paulo nos dias 29 e 30 de Julho para o exame e campeonato de iaido. O Thiago acabou de comprar um carro novo, e queria viajar com a Adriana para algum lugar. Decidimos viajar juntos, e enquanto nos planejávamos descobrimos que justamente naquele fim de semana haveria um evento de videogames retrô, a Retrocon; enquanto a Carolina estivesse no iaido, nós três iriamos nela.

Saímos do Rio na sexta às 14h. Na estrada ouvimos a playlist de Queen que eu havia feito horas antes, além de episódios dos podcasts Godmode (do qual o Thiago faz parte) e Nerdcast. Assim que chegamos em São Paulo, fomos jantar no Pompéia's Burguer. Comida caprichada, em especial os onion rings com molho barbecue.

No dia seguinte, tomamos café no hotel enquanto assistíamos ao jogo entre Brasil e França pela 1ª fase da Copa do Mundo feminina de futebol. O Brasil acabou perdendo o jogo por 2x1, após uma falha de marcação no escanteio que, por ironia do destino, foi bem parecida com as dos dois gols do Zidane em outro jogo contra a França (a final da Copa masculina de 1998).

A Carolina teve que sair mais cedo, pois o motivo principal para ela vir para SP eram o exame e o campeonato de iaido, sendo que o exame seria já no sábado. Já eu, o Thiago e a Adriana saímos às 9h30 para fazermos um passeio pelas lojas de games de Santa Ifigênia. O saldo foi bem positivo: eles compraram um PlayStation 2 desbloqueado, um Rumble Pak para o N64 e o jogo Final Fantasy XVI (PS5); eu adquiri Octopath Traveler (Switch) na Rei Games e, numa loja de CDs e DVDs que encontramos no caminho, ainda comprei 2 CDs da coleção Grande Discoteca Brasileira: Clube da Esquina (Milton Nascimento e Lô Borges) - o qual eu até já tinha em CD, mas queria ter essa edição especial pelo longo texto que vem no encarte - e Expresso 2222 (Gilberto Gil).

Em seguida nós fomos para o bairro da Liberdade. Adriana e Thiago foram almoçar com uma amiga deles no Chi Fu, um restaurante chinês da Liberdade; como eu queria economizar dinheiro para minhas compras na Galeria do Rock e na Retrocon, cometi uma heresia culinária: em vez de comida oriental, almocei no McDonald's da Liberdade, rs! Valeu a pena, pois eu não comia no Mac há várias semanas. Depois voltei para o Chi Fu e ficamos conversando até umas 15h. Em seguida, o passeio pelo qual esperei quase 10 anos... 


As impressões iniciais, contudo, não foram das melhores: não encontrei os álbuns mais recentes do Blur, do Suede e do Slowdive; e pior, os preços do CDs, em especial dos importados, aumentaram exponencialmente! Por exemplo, até 
encontrei os álbuns do Steely Dan que estava procurando (Katy Lied e Gaucho) em duas lojas, mas em ambas eles estavam por no mínimo 130 reais! Depois dessa nunca mais vou reclamar dos preços de CDs aqui no Rio, mesmo os da "Galeria do Rock" da Tijuca, rs.


Após passar em várias lojas e não encontrar o que queria, ou encontrar e ficar assustado com os valores, enfim o enredo teve uma reviravolta feliz: na Allied Forces eu comprei os discos Computer World (Kraftwerk) e U.K. (U.K.) por preços razoáveis. Pouco depois passei na Oficina Rock e, além de levar camisetas bem bonitas dos Pixies e do David Bowie, conversei por mais de meia hora com as vendedoras; trocamos várias dicas musicais.


Quase indo embora, fiz a última aquisição: uma camiseta do Discipline, um dos meus álbuns preferidos do King Crimson! Saímos da Galeria do Rock bem na hora que estava quase fechando, às 18h. Voltamos para o hotel, onde reencontramos a Carolina - que passou no exame! Naquele sábado à noite jantamos na Bráz Pizzaria. Experimentamos a controversa pizza paulistana sem mussarela... e foi aprovada!


Domingo de manhã a Carolina saiu para o campeonato, e 9h30 eu e meu casal de amigos fomos àa Retrocon. Mal chegamos lá e logo dei de cara com o estande da TecToy, onde encontrei o M30, joystick wireless de Mega Drive compatível com Switch, smartphone e PC. O Thiago tem um desses e havia me recomendado semanas antes. Estava com atraentes 50% de desconto, então acabei comprando. Também passei no estande da editora Europa e enfim comprei os 3 volumes do Dossiê Old Gamer que estava querendo adquirir há quase dois anos: Game Boy, Game Boy Advance e PlayStation 2. Também adquiri 3 pôsteres: um com a Pokédex de Kanto a Galar (ou seja, atualizada até Pokémon Legends: Arceus) e dois para a Carolina: um de The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom e outro de Dark Souls.


Eu e Thiago jogamos Top Racer Collection, coletânea da série Top Gear que será lançada em breve. Na primeira corrida fiquei em 3º e ele, em 5º; na segunda, a qual fizemos no modo crossover com Horizon Chase, ele venceu usando o icônico carro da firma e eu cheguei em 2º. Aproveitamos para tirar foto com dois dos balões de diálogo do jogo:


Uma das coisas mais interessantes da Retrocon foi uma exposição contando a história dos videogames, organizada pela VGDB (Video Game Data Base). Tirei vários fotos dos infográficos e consoles expostos.


Ao longo da Retrocon também jogamos Sega Saturn pela primeira vez; foi interessante notar que o controle dele é parecido com o Six-Button Control Pad do Mega Drive (no qual, aliás, o M30 se baseou). O esquema com seis botões é ideal para jogos de luta.


Também disputamos uma partida de futebol em um arcade da SNK; não me lembro o nome do jogo. Joguei com a Itália e o Thiago, com o Brasil. Venci por 1x0 com gol de uma versão genérica do Roberto Baggio, rs.


Havia vários estandes vendendo jogos antigos, mas nada que me interessasse - e, tal como na Galeria do Rock, o que poderia me interessar estava muito caro. Por fim, havia palestras com youtubers com canais sobre games, dentre eles o Ed do Aperte Start, o qual já fez vídeos muito bons sobre consoles como PlayStation, Nintendo 64, NeoGeo e Xbox.


Ficamos duas horas na Retrocon, e depois Adriana e Thiago me deixaram no bairro da Liberdade, perto do evento de iaido no qual a Carolina estava. Como na tarde de domingo o campeonato ainda estava sendo realizado, e iaido é uma arte marcial bem silenciosa, fiquei com medo de fazer barulho e fui passear pelo bairro, rs. Passei um bom tempo na Galeria Liberdade - que, aliás, foi um dos lugares que visitei na viagem passada para São Paulo. Acabei não comprando nada, mas tive boas conversas sobre mangá, anime e games com alguns dos vendedores.

O evento acabou em torno de 17h, e eu e minha esposa pegamos um Uber para a rodoviária. A viagem de volta foi tranquila; bati um papo com um youtuber que também tinha ido na Retrocon (mas tem canais não sobre games, e sim sobre música e comportamento), e depois ouvi Blur e dormi durante a maior parte da viagem. Chegamos de volta ao Rio de madrugada. Enfim, foi uma excelente viagem para São Paulo! Mal posso esperar pela próxima, que já está com data marcada: 2 e 3 de Dezembro, para assistirmos ao Primavera Sound, festival que em seu line-up contará com 8 bandas que quero muito ver: The Cure, The Killers, Slowdive, Pet Shop Boys, The Hives, Beck, CSS e Bad Religion.

26 julho 2023

California tumbles into the sea, that'll be the day I go back to Annandale

Countdown to Ecstasy, o segundo LP do Steely Dan, foi lançado há 50 anos, em meados de Julho de 1973. Ao lado de Aja (1977), este é meu álbum favorito de Donald Fagen (vocal, piano, sintetizador), Walter Becker (baixo, gaita) e cia. Countdown é a obra-prima da primeira fase da banda, quando eles ainda tinham uma formação relativamente fixa, com Denny Dias (guitarra), Jeff "Skunk" Baxter (guitarra) e Jim Hodder (bateria); por sua vez, Aja é o apogeu da segunda fase, na qual o duo Becker & Fagen tocou com um rodízio de grandes músicos de estúdio.

Descobri Steely Dan há apenas 5 meses, e de um jeito inusitado: um tweet do Steve Albini falando mal deles! Fiquei curioso e fui ouvir. Gostei tanto que logo fui atrás dos CDs, e os dois primeiros que encontrei, na "Galeria do Rock" da Tijuca, ainda são meus preferidos: Countdown to Ecstasy e AjaAdquiri vários outros CDs desde então: os álbuns Can't Buy A Thrill (1972), Pretzel Logic (1974), The Royal Scam (1976), Two Against Nature (2000) e as coletâneas Decade (1985) e Remastered (1993). Não surpreendentemente, foi a banda que mais ouvi no 1º semestre de 2023. 

Li recentemente um texto que toca no aspecto que talvez mais tenha me atraído no Steely Dan, que é a combinação de letras cínicas com melodias cativantes: "O verdadeiro conteúdo de seu trabalho, que abordava impulsos proibidos que iam até a beira do crime e frequentemente além, sempre foi vestido com uma elegância acetinada; sua essência sardônica e horrível era comercializada como o mais puro doce para os ouvidos."

Countdown to Ecstasy é o trabalho mais atípico da discografia do Steely Dan, pois contém uma sonoridade mais "roqueira" e solta e menos meticulosa. Como bem definiu Dave Connolly, é o álbum em que as sensibilidades jazzísticas da banda estão mais pronunciadas.


"Bodhisattva", a faixa de abertura, é um deboche à moda esotérica orientalista (p.ex., zen budismo e hinduísmo Hare Krishna) que assolava a classe média "progressista" americana - em especial  os jovens universitários - na virada dos anos 60 para os 70, supostamente em busca de orientação espiritual e pregando o desapego dos bens materiais: "Can you show me the shine of your Japan, the sparkle of your China? (...) Bodhisattva, I'm gonna sell my house in town". Segundo Sam Sutherland, a "abordagem cínica da música sobre a espiritualidade chique sugere a ambivalência de seus autores em relação às pretensões culturais da Costa Oeste que eles estavam encontrando em seu novo teatro de operações no sul da Califórnia." Como se a letra debochada de "Bodhisattva" já não fosse o bastante, a parte instrumental é eletrizante e empolgante (em especial as guitarras e o piano), e geralmente essa canção era um dos destaques dos shows do Steely Dan. 

"Razor Boy", à primeira vista, parece uma canção soft rock delicada, mas o refrão nos dá um choque de realidade dos mais contundentes: "Will you still have a song to sing / When the razor boy comes / And take your fancy things away?".

"The Boston Rag" foi definida de forma certeira por Alex Pappademas, em seu ótimo livro Quantum Criminals: ramblers, wild gamblers, and other sole survivors from the songs of Steely Dan: é o momento do álbum "quando Donald e Walter cedem o palco a Skunk Baxter para que ele possa surfar na lava por dois minutos." Ele se refere à guinada da faixa em sua metade final, que tem uma pausa seguida de um arranjo majestoso e apoteótico.

"Your Gold Teeth" combina muito bem elementos de jazz com ritmos latinos; seus longos interlúdios instrumentais levam a sua duração à casa dos 7 minutos. A letra contém uma referência cult a Cathy Berberian (1925-1983), cantora de vanguarda mezzo-soprano que trabalhou com John Cage e Stravinsky. A propósito, o Steely Dan compôs uma Parte 2 para essa canção no álbum Katy Lied (1975).


"Show Biz Kids", um delicioso deboche ao hedonismo e narcisismo das celebridades jovens de Los Angeles ("Show business kids making movies of themselves"), permanece extremamente atual e é um dos destaques de Countdown to Ecstasy. A letra contém até uma autorreferência: "They got the Steely Dan T-Shirt", verso apropriadamente seguido de uma possível paródia do solo de "Reelin' In The Years", um dos maiores hits do álbum anterior. Por seu tom abrasivo e um ritmo quase monolítico, talvez tenha sido uma autossabotagem escolhê-la para 1º single do disco: ao contrário dos dois singles de Can't Buy a Thrill ("Do It Again" - #6, "Reelin' in The Years" - #11), essa faixa ficou apenas em 61º lugar nas paradas americanas, o que prejudicou as vendas de Countdown to Ecstasy (#35 na Billboard), por sinal o disco menos vendido da banda nos anos 70. Um sample do polêmico trecho com um palavrão ("You know they don't give a fuck about anybody else") foi utilizado em 1996 pela banda britânica Super Furry Animals na divertidíssima canção "The Man Don't Give a Fuck".



"My Old School" é possivelmente a canção mais famosa do álbum. Lançada como 2º single, foi ainda pior nas paradas que sua antecessora (63º lugar), mas logo se tornaria uma canções do Steely Dan mais tocadas nas rádios FM americanas. Fagen e Becker estudaram no Bard College no fim da década de 1960, e essa canção e essa canção, baseada em fatos reais, é sobre uma apreensão de drogas (provavelmente maconha) motivada por uma denúncia de uma das estudantes: "I was smoking with the boys upstairs when I / Heard about the whole affair, I said oh no (...) Well, I did not think the girl / Could be so cruel". O eu-lírico jura nunca mais voltar à sua "Old School", e chega a brincar que só o faria depois de uma catástrofe natural: "California tumbles into the sea / That'll be the day I go back to Annandale". Cabe notar que naquela época Walter e Donald estavam morando em Los Angeles, mas cresceram em Nova York; embora geralmente tivessem nostalgia por NY e uma perspectiva bem sarcástica sobre LA, essa canção prova que pelo menos do Bard College eles não tinham tantas saudades... A propósito, Fagen não cumpriu a promessa, pois em 1985 visitou a sua antiga faculdade para recebeu um Doctor Honoris Causa em Artes.

"Pearl Of The Quarter" é uma das ironias típicas do Steely Dan: uma canção de letra bem romântica e melodia tão doce... sobre uma prostituta de Nova Orleans: "Where the sailor spend his hard-earned pay / Red beans and rice for a quarter / You can see her almost any day / Singing 'voulez-voulez-voulez-vous' (...) And if you hear from my Louise / Won't you tell her I love her so?"

"King Of The World" é um encerramento espetacular para Countdown, seja pelo refrão poderoso, pela sonoridade psicodélica evocada pelos sintetizadores ou pelos versos que descrevem um futuro pós-apocalíptico: "No marigolds in the promised land / There's a hole in the ground / Where they used to grow / Any man left on the Rio Grande / Is the king of the world / As far as I know (...) You and I will spend this day / Driving in my car / Through the ruins of Santa Fe".

Countdown to Ecstasy é um dos melhores álbuns lançados em 1973 - o que não é pouca coisa, considerando que este é um dos anos mais importantes da história do pop e do rock. Eis alguns dos grandes discos da safra daquele ano: The Dark Side of the Moon (Pink Floyd), Houses of the Holy (Led Zeppelin), Selling England By The Pound (Genesis), Innervisions (Stevie Wonder), For Your Pleasure (Roxy Music), Secos & Molhados (Secos & Molhados) e Larks' Tongues in Aspic (King Crimson). 

O Steely Dan demorou décadas para ter o reconhecimento que merecia. Nos anos 1970 o conjunto era desprezado pelos críticos por seu excessivo perfeccionismo e pelo apelo pop (não por acaso, foram uma das principais influências do famigerado "yacht rock"). Na década de 80, a estética de Gaucho (1980) inspirou produtores como o brasileiro Lincoln Olivetti a desenvolverem uma assinatura musical, mas seu uso excessivo levou a uma "pasteurização" que foi abertamente condenada por roqueiros como Lobão. Nos anos 1990 e 2000, Fagen e Becker eram mal vistos pelo público mais jovem, que odiou o fato de Two Against Nature ter vencido o Grammy de melhor álbum de 2000 contra os favoritos Eminem, Radiohead e Beck - e meses antes o mesmo disco tinha sido alvo de um involuntariamente cômico review da Pitchfork, no qual foram acusados de fazer música para "motoristas de jipe ​​que usam rabo de cavalo e que passeiam com cães Terrier". Foi só nos últimos anos, graças à maior aceitação da geração atual tanto ao rock setentista de viés mais soft/jazz quanto ao cinismo das letras da banda, que está havendo uma espécie de "renascimento" do Steely Dan, notado até mesmo pela Rolling Stone

Embora não seja tão badalado quanto Aja (o disco mais icônico) e Can't Buy a Thrill (o LP que contém os maiores hits - além dos supramencionados singles, "Dirty Work" e "Only A Fool Would Say That" também estão entre as 5 canções mais ouvidas) pela nova geração de fãs da banda, Countdown to Ecstasy também merece ser (re)descoberto - ainda mais por aqueles cuja sensibilidade musical tende a um rock mais contundente e/ou de um virtuosismo mais espontâneo, "ao vivo".

11 julho 2023

Where figures from the past stand tall

Lançada em 11 de Julho de 1988, Substance é uma das melhores compilações de todos os tempos por vários motivos: 

1) a abordagem cronológica permite que o ouvinte acompanhe a metamorfose do Joy Division do punk ao pós-punk (e a versão em CD funciona como um LP duplo, já que a faixa 11 "No Love Lost" inicia outra sequência 1977-1980, desta vez com os lados B); 

2) algumas das melhores (e mais famosas) canções da banda foram lançadas apenas como singles ou B-sides, e estão todas reunidas aqui; 

3) a qualidade das faixas incluídas é tão alta e consistente que este é um álbum tão essencial quanto Unknown Pleasures e Closer.

"Warsaw" e "Leaders of Men" (gravadas em 12/1977) retratam as raízes punk do Joy Division, e as letras mostram o fascínio estético de Ian Curtis pelo nazismo e pela Segunda Guerra Mundial. 




"Digital" (10/1978), primeira faixa produzida por Martin Hannett (o "quinto membro" da banda), é uma de suas canções mais dançantes, graças em parte ao uso de Hannett da linha de delay digital AMS na bateria.

"Autosuggestion" (04/1979) é certamente uma das faixas mais claustrofóbicas da banda; o clímax é a parte em que Ian repete copiosamente a frase "Say you tried" sob um instrumental cada vez mais intenso.




"Transmission" (07/1979), é um dos maiores êxitos do Joy Division, com uma linha de baixo lendária, um poderoso solo de guitarra, uma das melhores performances vocais de Ian, letras marcantes ("The things that we've learnt are no longer enough / No language, just sound, that's all we need know, to synchronise / Love to the beat of the show") e uma tensão crescente após o primeiro refrão ("Dance, dance, dance, dance, dance to the radio").

"She's Lost Control" (03/1980) é a única música disponível em um de seus álbuns de estúdio, mas a versão de Substance é bem diferente da incluída em Unknown Pleasures, com uso proeminente de bateria eletrônica e uma coda estendida, incluindo novas letras (o trecho iniciado em "I could live a little better with the myths and the lies"). 

A faixa instrumental "Incubation" (03/1980) prova que a seção rítmica da banda (o baixista Peter Hook e o baterista Stephen Morris) são fundamentais para sua tão influente assinatura musical. Ela funciona também como um interlúdio antes das três músicas incríveis que encerram o LP (ou o "lado A" do CD).

"Dead Souls" (10/1979) tem uma longa introdução que prepara perfeitamente o clima para os vocais agressivos de Ian Curtis e seus versos soturnos ("A duel of personalities / That stretch all true realities / They keep calling me").




"Atmosphere" (10/1979) é uma das canções mais etéreas e belas já lançadas. A bateria em ritmo marcial, a melodia conduzida elegantemente pelo baixo, os teclados delicados e os versos melancólicos ("Abandoned too soon / Set down with due care / Don't walk away in silence") evocam um clima de funeral; não por acaso, foi usada como trilha sonora do suicídio de Ian Curtis nas cineobiografias 24 Hour Party People (2002) e Control (2007).




"Love Will Tear Us Apart" (03/1980) é a faixa mais popular do Joy Division; o ritmo dançável contrasta com a letra sobre uma separação iminente ("And resentment rides high / But emotions won't grow / And we're changing our ways / Taking different roads (...) Just that something so good / Just can't function no more?").

Como eu disse antes, um novo CD começa na faixa 11. "No Love Lost" (12/1977) é uma das melhores canções dos primórdios da banda, com uma ótima introdução instrumental e um refrão eletrizante. "Failures" (12/1977) é uma das faixas mais rápidas da banda; a letra tem um tom meio existencialista ("Don't speak of safe Messiahs / A failure of the modern man"). 

"Glass" (10/1978) é uma música com um ritmo surpreendentemente funk, particularmente na linha de baixo de Hook. 

"From Safety to Where...?" (04/1979) evoca desespero existencial, e se encaixaria perfeitamente em Unknown Pleasures (e de fato foi gravada durante as sessões desse álbum).

"Novelty" (07/1979) é uma das joias escondidas de Substance; é uma demonstração muito boa de como a banda - com uma ajudinha de Hannett - desacelerou suas músicas e, com isso, as deixou mais sombrias e reflexivas ("But you're the only one responsible to take the blame / So what ya gonna do when the novelty has gone?").

"Komakino" (03/1980), curiosamente o único lado A nesta parte do álbum ("Incubation" era seu lado B), foi gravada durante as sessões de Closer; é uma canção paradoxalmente vigorosa e triste. "As You Said" (03/1980), também gravada nas sessões do segundo e último álbum de estúdio da banda, é o sinal mais explícito do crescente interesse de seus integrantes por sintetizadores, algo que se consolidaria no New Order. 



"These Days" (01/1980) é outro destaque desta compilação; embora sua gravação pudesse ter sido melhor (a bateria não é tão proeminente quanto em outras faixas), os vocais são tão bons e as letras são tão surpreendentemente edificantes ("We'll drift through it all, it's the modern age / Take care of it all now these debts are paid") que ainda assim é uma das melhores faixas do JD. Aliás, no mesmo dia da sessão de "These Days", em 8 de Janeiro de 1980, o Joy Division gravou a primeira versão de "Love Will Tear Us Apart" (01/1980), um pouco mais rápida que a regravação de março (e sem os vocais inspirados em Frank Sinatra que Ian adotou na versão posterior). Sua introdução de guitarra é muito bonita, mas prefiro a regravação, especialmente pela bateria e teclados aprimorados.

Em suma, Substance é um disco tão indispensável que cabe indagar por que não foi lançado em 1981, ao invés de Still (que é uma coletânea irregular, composta por outtakes e gravações ao vivo com qualidade de áudio inferior - e sem ordem cronológica). Um motivo plausível é que naquela época o New Order estava focado em sua própria carreira, então parece compreensível que eles esperassem até seu próprio Substance (1987) para revisitar cuidadosamente seu legado dos tempos de Joy Division com esta antologia homônima. Antes tarde do que nunca; ambos os álbuns estão entre os melhores dos anos 80.