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Kaio

 

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30 abril 2011

O difícil caminho da sabedoria

Antes de iniciar, peço mais uma vez desculpas a você, querido blog, por tê-lo atualizado tão pouco nos últimos meses. Prometo que vou me policiar para utilizá-lo mais freqüentemente, nem que para isso eu tenha que recorrer ao alarme do meu celular tocando diariamente a mensagem "ATUALIZE O BLOG!".

A motivação para este post é um questionamento profundo que vem me atormentando nos últimos tempos. Não é uma mera busca de sentido existencial: é uma busca pelo sentido da vida. Embora eu seja agnóstico, acredito que exista uma Verdade absoluta, transcendental, que dá lógica e finalidade a tudo; só não creio na capacidade cognitiva do ser humano para apreendê-la por inteiro. Estou bem "em cima do muro", entre o cristianismo e o ateísmo; se por um lado não acredito em religiões ou em Deus, por outro já não me seduz mais a negação de que exista qualquer "princípio ativo", seja ele monoteísta ou não. É como questionou o Stan em um episódio de South Park: “A [teoria da] evolução não poderia ser a resposta a ‘como’, ao invés da resposta a ‘por que’?”

Para acirrar esta dúvida, contribuiu o fato de que as duas correntes filosóficas que mais me orientam (o Libertarianismo e o Humanismo) têm representantes controversos e repletos de prós e contras. Tomemos por exemplos Ayn Rand e Olavo de Carvalho, cujos inimigos são os mesmos (o coletivismo, o subjetivismo ético, as doutrinas de esquerda...), mas que muito discordam entre si na parte 'propositiva'. Ambos enfatizam a objetividade da realidade e alegam influência de Aristóteles (que, cada vez mais, vem se tornando o filósofo que considero "o melhor de todos os tempos"), embora esta seja mais clara e melhor sistematizada em Carvalho. Ela é atéia e ele é cristão, mas ambos defendem a liberdade de consciência e a responsabilidade individual. Os dois fazem críticas veementes às elites políticas e culturais de seus respectivos contextos históricos, porém em defesa de causas diversas - ela, pelo capitalismo e pelo 'egoísmo racional', e ele em defesa do legado do perenialismo filosófico e religioso legado por gregos, cristãos e orientais.

Por outro lado, ambos apresentam vários problemas. Olavo é paranóico e agressivo na defesa de seus pontos de vista, muitas vezes desembocando em teorias da conspiração - muito embora a recente confirmação da existência do Foro de São Paulo mostre que nem sempre Olavão exagera em suas denúncias. Ayn Rand apresenta uma problemática distinção entre egoísmo e altruísmo, que não se sustenta logicamente (afinal, é reducionista quanto à forma como os seres humanos orientam as suas ações) nem na prática (as ações mais auto-interessadas podem envolver considerações e implicações ao bem-estar alheio, assim como os altruístas podem se portar de forma bastante egoísta - algo que os próprios personagens literários que ela criou demonstram). Os dois também inspiraram seguidores bastante sectários e radicais; no caso de Rand, o caso é ainda mais grave, pois a própria fundou uma seita chamada Objetivismo, em que moldava toda a vida pessoal de seus discípulos (vide peça satírica de Rothbard, Mozart was a Red, que descreve as reuniões dos objetivistas).

Ainda assim, ambos apresentam códigos morais e visões de mundo que muito me inspiram. Foi com Olavo que descobri o Trivium (Artes Liberais) e passei a ter maior interesse por estudar o pensamento filosófico grego e cristão. Graças a Rand, tive contato com a mensagem individualista e libertária em sua forma artística ("A Revolta de Atlas" e "A Nascente") e entendi a importância da autenticidade e de jamais ceder à "sanção da vítima" (sentir-se culpado por deveres e valores forjados por uma moralidade mesquinha e parasita).

Se fôssemos simplistas, poderíamos dizer que estou entre a cruz e a espada, entre o conservadorismo e o liberalismo, entre o cristianismo e o individualismo. Porém, creio que é mais do que isso: ambos os lados têm razão, mas nenhum deles, tomado isoladamente, é correto o bastante. Será, no entanto, que basta a síntese e o problema está resolvido? Depende. O jeito é reconstruir a trajetória, indo dos primórdios da Filosofia Grega até o mundo contemporâneo, para entender se há nexo e convergência entre o que Olavo e Rand (mas também Thomas Mann e Thoreau, Dostoiévski e Mises, Voegelin e Hayek etc., dentre outras "duplinhas" de cristãos/humanistas e libertários/liberais) propõem. Inclusive este será o tema de minha tese de doutorado: um estudo comparado entre as tradições filosóficas do Humanismo (enquanto filosofia moral que prioriza a dignidade e a excelência humanas, mas em sua versão "clássica" e não a cientificista, que hoje em dia é mais popular) e do Libertarianismo (entendido como o Liberalismo em sua vertente mais preocupada com a individualidade, sem os "desvios socializantes").

Em outras palavras, coloco como meu objetivo de vida compreender as possibilidades e limitações de uma filosofia que combine o legado cristão e grego com as contribuições liberais e “anarco-individualistas” dos últimos três séculos e meio. Creio que me enriquecerei bastante com a exegese comparada de ambas as tradições. Afinal, um dos sentidos da vida é se aprimorar intelectualmente, ser um pouquinho menos ignorante. Se não é possível saber tudo, que nos esforcemos para entender pelo menos alguma coisa – e que esta seja relevante.

Várias coisas me impulsionaram para esta empreitada. Porém, vamos nos centrar nas mais recentes, que me fizeram ter mais certeza de que não estou “viajando na maionese” com este plano de estudos:

1 – Estou cursando uma matéria chamada Política e Direito, cujo professor é um pós-moderno de carteirinha. Adepto da hermenêutica jurídica, ele já soltou as seguintes pérolas na sala de aula: “os seres vivos não têm sentido; eles simplesmente existem”; “toda racionalidade é delirante”; “explicar os seres humanos por finalidade é uma questão de discurso e perspectiva”; “a ciência é uma atividade que se dá mediante um tipo de discurso; é um saber útil, mas não leva à verdade”. Já houve aulas em que me irritei tanto com as imposturas intelectuais dele que cheguei a acusá-lo de ser sofista. O problema é que a maior parte da turma está do lado dele, ou porque não tem uma posição clara nesse debate filosófico (racionalistas x relativistas, ou coisa do gênero), ou porque são “pós-pós” assumidos. Ainda bem que já estou acostumado, desde meu 1º semestre de UnB, a ser profeta no deserto...

2 – A leitura do “Trivium” de Miriam Joseph foi edificante; sua exposição aristotélica dos fundamentos da Lógica, da Gramática e da Retórica me deixou mais convicto de que é possível compreender a realidade com categorias firmes e universais. Com isso, pude dar ao meu separatismo epistemológico (ou seja, a idéia de que não há um método único para as ciências exatas/naturais e as ciências humanas) um caráter menos pessimista: as Humanidades, embora não sejam tão “científicas” quanto os positivistas e adjacências pretendem, têm uma dimensão filosófica e analítica admirável, podendo entender os fenômenos metafísicos e sociais com um rigor que emana do senso comum, sofisticando-o, e não rompendo com ele.

3 – Enquanto estive no Seminário de Escola Austríaca e no Fórum da Liberdade (em breve, um relato completo de ambos!), uma de minhas preocupações centrais era se os palestrantes davam uma base sólida para suas argumentações pró-liberalismo (ou mesmo em prol do anarco-capitalismo). Felizmente, o professor Gabriel Zanotti, que estuda Epistemologia da Economia, foi um dos que me satisfez nesse aspecto. Ele justificou o método dedutivo dos austríacos sem negar a importância dos fatos empíricos; apenas delimitou o lugar que cabe a eles, que é ilustrar princípios desenvolvidos logicamente. Por exemplo, a teoria dos ciclos econômicos é correta por sua própria fundamentação, e não porque teria poderes de “prever a realidade” – muito embora seja extremamente aplicável a casos como a Grande Depressão e a recente crise econômica. Com isso, meu temor de que a Escola Austríaca caía em “hiper-dedutivismo” (ou “espírito de sistema”, como diria o sábio Tocqueville) foi apaziguado.

4 – Por fim, o desenvolvimento de minha pesquisa sobre “A Montanha Mágica” – que, em breve, tomará a forma de monografia – me levou a estudar a relação ora conflituosa, ora harmônica entre visões de mundo clássicas e modernas, que muitas vezes aparecem mescladas no mesmo personagem (Settembrini, p.ex.). Além disso, procuro compreender o ponto de vista do Humanismo sobre a questão da Liberdade, na medida em que o próprio conceito de “bildung” (lembrando que este romance de Mann é um romance de formação, “bildungsroman”) remete tanto à Paidéia grega quanto à idiossincrática concepção de Liberalismo dos alemães.

Ou seja, no final das contas estou fazendo o caminho inverso de Benjamin Constant e Isaiah Berlin; ao invés de diferenciar liberdade positiva/antiga de liberdade negativa/moderna, quero encontrar o denominador comum entre ambas, aquilo que une os gregos do século V a.C. e os britânicos do séc. XVIII d.C. Afinal, talvez neste ponto de convergência residam os próprios fundamento da Cultura Ocidental. É claro que minha contribuição ao tema será modesta, mas quem sabe não posso iniciar uma linha de pesquisa que será continuada por outros estudiosos, nas próximas gerações?

Juntando este otimismo acadêmico com minha angústia existencial (ou seria “ceticismo auto-desconfiado”?), o que concluo com este post é que... tenho um longo caminho pela frente! Ainda tenho muito que aprender, estudar e debater. O importante é nunca perder o ânimo e a inquietação intelectual, mesmo diante de tantas adversidades que a Academia – e a própria sociedade – coloca(m).