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26 janeiro 2011

O Duelo Filosófico entre Settembrini e Naphta em "A Montanha Mágica"


“Quem era, afinal de contas, o livre-pensador e quem o homem pio?”

(Thomas Mann)

1. Introdução: o “eterno debate” e considerações iniciais

No 1º capítulo de “A República” (Platão), há uma acirrada discussão entre Sócrates e Trasímaco sobre o conceito de Justiça. Enquanto este se baseia na sofística para defender a “justiça do mais forte”, Sócrates tenta provar que a justiça é a perfeição humana e que ser injusto não traz vantagens. Estão em diâmetros opostos: Trasímaco é um relativista; não acredita em uma verdade absoluta, pois tudo é convenção (“nomos”). Sócrates, ao contrário, é eloqüente defensor da Filosofia enquanto método para que o homem consiga acessa a verdade universal do “Logos”.

Séculos se passaram, mas a Filosofia – e as Humanidades em geral – continuam a conviver com o eterno debate entre posições racionalistas e irracionalistas, universalistas e relativistas, defensores da liberdade natural e adeptos do determinismo etc. De certa maneira, Voltaire e Rousseau (sobre a civilização[1]) e Erasmo e Lutero (quanto ao livre-arbítrio[2]) são exemplos de confrontos de perspectivas radicalmente opostas.

Thomas Mann, em seu romance “A Montanha Mágica” (1924), ocupa boa parte da segunda metade da obra com um intenso embate de idéias entre os personagens Lodovico Settembrini e Leo Naphta. De um lado, temos “o advogado do progresso e da organização racional da vida humana”; do outro, o homem que prega “o espírito absoluto e sobrenatural” (Kaufmann, 1973, p. 245). Ambos estão competindo pela alma do jovem Hans Castorp, que é o protagonista do romance.

Este artigo analisará os aspectos filosóficos e políticos do debate entre Settembrini e Naphta. A partir de certos conceitos da Teoria Política, será discutido se – e como – ambos os personagens representam, respectivamente, as teses do Iluminismo e do Niilismo.

Duas são as perguntas que devem ser respondidas. Em primeiro lugar, se é possível fazer uma leitura política e filosófica de “A Montanha Mágica”. Segundo, se Settembrini e Naphta estão de fato alinhados com as correntes ideológicas supracitadas. Para isso, serão utilizados conceitos fundamentais para tal duelo filosófico: individualismo, liberalismo, conservadorismo, vontade de poder e gnosticismo.[3]

A partir desta análise do repertório de influências intelectuais, serão discutidas questões mais específicas. Primeiro, entender as contradições de Settembrini; embora se considere liberal e pacifista, ele defende o imperialismo do Ocidente. Em seguida, elucidar a heterogeneidade ideológica de Naphta, que combina cristianismo, socialismo, conservadorismo e niilismo. Por fim, comparar a perspectivas de ambos, buscando possíveis convergências e diferenças.

Para estudar a relação entre Arte - enquanto Literatura - e Política, recorremos à noção de “arte crítica”, segundo a qual “a arte aparece como forma de conhecimento e investigação, constituindo uma modalidade de saber, apta a compreender o mundo e sintetizar a realidade” (Chaia, 2007, p. 22). Além disso, auxilia na apreensão dos limites e paradoxos da política.

Wellek e Warren são um pouco mais céticos quanto a essa relação entre literatura e idéias: “o conteúdo ideológico, no seu devido contexto, parece realçar o valor artístico”, mas “o artista será prejudicado por demasiada ideologia se esta não for assimilada” (Wellek & Warren, 1962, p. 155) Chegaram a criticar “A Montanha Mágica” pela sua guinada temática, do poético ao intelectual: “as primeiras partes, com a sua evocação do mundo do sanatório, são artisticamente superiores às últimas – de tão amplas pretensões filosóficas” (Ibidem).

Porém, por mais que a hipertrofia do debate filosófico deixe o próprio Hans Castorp consternado (vide epígrafe), o confronto entre os dois personagens é retrato de uma controvérsia intelectual que atravessou a Europa a partir do fim do século XIX. “O duelo entre Settembrini e Naphta (...) é um sintoma da excitação nervosa que precedeu a I Guerra Mundial, uma das premonições (...) de uma catástrofe próxima” (Kaufmann, 1973, p. 111). Logo é, enquanto chave de compreensão de certos fenômenos do mundo moderno, um objeto de estudo dos mais fascinantes – e sintomáticos.

2. Intermezzo: conceitos a serem trabalhados

Cinco conceitos são importantes para o desenvolvimento deste artigo. O primeiro deles é “individualismo”. Segundo F. A. Hayek, o individualismo é a postura filosófica para a qual cada um é livre para buscar as próprias metas, sendo responsável pelas decisões que toma e as conseqüências das mesmas (Hayek, 1983). Devem ser reconhecidos a cada indivíduo valores próprios pelos quais ele tem o direito de se pautar, e sua dignidade deve ser respeitada. Hayek chega a ver modéstia intelectual em tal postura: a incerteza e a razão limitada levam a uma defesa do indivíduo, que é quem melhor sabe os seus valores e necessidades (Idem, 1994).

A segunda conceituação refere-se ao “liberalismo”. José Guilherme Merquior considerou-o um fenômeno histórico, portanto difícil de ser definido; “é muito mais fácil – e muito mais sensato – descrever o liberalismo do que tentar defini-lo de maneira curta” (Merquior, 1991, p. 15). Ele aponta, contudo, que um aspecto comum à tradição liberal é a preocupação em limitar e dividir a autoridade, para garantir a maior esfera de liberdade individual possível. A sociedade liberal pressupõe uma grande variedade de valores e crenças, contrariando o pacto moral defendido por conservadores ou prescrito pela maioria das utopias radicais.

Falando em “conservadorismo”, um de seus maiores expoentes é Edmund Burke, para quem a manutenção das tradições é quase sempre preferível a mudanças bruscas. Ele afirma que os costumes são a bússola que nos guia (Burke, 1997), e a superestimação dos poderes da razão humana para planejar a sociedade pode levar ao caos moral e social. Sendo assim, o conservadorismo é a postura política que defende a importância da unidade e da estabilidade enquanto pilares da sociedade. Há certo pessimismo antropológico, pois se alega que a melhor ordem social é aquela que limita os impulsos egoístas que são naturais ao ser humano.

O que seria a “vontade de poder” proclamada pelo filósofo Friedrich Nietzsche? Nas palavras do próprio, “uma criatura viva quer antes de tudo dar vazão a sua força – a própria vida é vontade de poder” (Nietzsche, 2005, p. 19). Ou seja, aceitar os instintos naturais, como a ofensa, a violência e até a exploração mútua (seria a “justiça do mais forte”?). Abster-se deles – e fazer disso um princípio básico da sociedade – seria uma “negação da vida, princípio de dissolução e decadência” (Ibidem, p. 155). Nietzsche critica desde democratas até socialistas por abolirem as hierarquias, tão caras à sociedade aristocrática, em prol da “mediocrização”.

Por último, falta definir o “gnosticismo”. De acordo com Eric Voegelin e Olavo de Carvalho, a antiga seita religiosa e esotérica dos gnósticos pregava um “conjunto de crenças, símbolos, valores e atitudes da cultura espiritual greco-romana, que refluíram para o subsolo no advento do cristianismo” (Carvalho, 2000, p. 194). Há a noção de um Deus imperfeito (demiurgo), sendo possível ao homem ter a gnose (conhecimento) das verdades desta divindade.

Ambos notaram o impacto do gnosticismo nos fenômenos ideológicos modernos, pois ele rompe com a concepção agostiniana de “desdivinização” da esfera do poder; em seu lugar, defende a atribuição de um determinado “eidos” (sentido) à História. Isso implica em “redivinizar” a realidade (Voegelin, 1982), o que permite exortar a ação humana direta, ao considerar possível alcançar a perfeição aqui mesmo, nesta vida. Por meio dessa “revolta egofânica”, o governo passa a ser investido de uma função revolucionária (Idem, 2006).

3. Settembrini, o iluminista fora de época

Logo em seu 1º dia no sanatório Berghof, Hans Castorp conhece um peculiar intelectual italiano: Lodovico Settembrini. Seu jeito desalinhado, mas com graça, além do bigode levemente ondulado, fizeram Castorp pensar que era um “tocador de realejo”. Logo na primeira conversa com o protagonista do romance, Settembrini trata de assuntos elevados, demonstrando notável erudição. Começava ali uma amizade na qual o “beletrista”, como se estivesse na “Divina Comédia”, tenta ser o Virgílio que conduzirá o promissor Dante que vê em Hans Castorp.

Os ancestrais de Settembrini ajudam a entender seu amor pela política e pelas letras. Seu avô foi advogado em Milão, além de agitador público – participou do movimento dos carbonários[4]. O pai era um apaixonado estudioso da cultura clássica. Quanto a ele, também queria conciliar a vida política com a intelectual, mas a saúde frágil o obrigou a se fixar em Davos-Platz.

Quanto à sua visão de mundo, Settembrini considera-se um humanista. Defende o clássico contra o romântico, o espírito e a razão contra a volúpia do corpo. Nas palavras do narrador:

“Mas, o que era afinal o humanismo? Era o amor aos homens, nada mais, nada menos e por isso mesmo implicava também a política, a insurreição contra tudo quanto mancha e desonra a dignidade humana.” (Mann, 2000, p. 217)

Podemos qualificá-lo como individualista e liberal, pois uma de suas maiores preocupações é o auto-aperfeiçoamento moral e intelectual do homem. Porém, é também um republicano, o que nos remete ao Humanismo Cívico, de forte expressão na própria Itália de Settembrini. Esta corrente política é compatível com o liberalismo, pois sua maior ênfase na ação política e na virtude cívica contrabalança o deslocamento à esfera privada proposto por Hayek e outros. Entre as principais proposições do Humanismo Cívico, estão: a dedicação ao bem público, a liberdade enquanto independência e a participação dos negócios da cidade (Bignotto, 2007).

Settembrini demonstra um forte alinhamento com o ideário do Iluminismo[5] ao elogiar os progressos técnicos e o caminho “inevitável” rumo à democracia liberal. Em uma passagem que deixaria Rousseau irritado e Voltaire extasiado, o italiano disse que:

“A técnica (...) subjugava cada vez mais a natureza, pelas comunicações que criava, (...) pelas vitórias que conquistava sobre as diferenças de clima; (...) dessa forma apresentava-se como o meio mais seguro para aproximar os povos, (...) para destruir os preconceitos existentes e, finalmente, para estabelecer a união universal.” (Mann, 2000, p. 214)

O personagem também segue outro princípio iluminista: “conhecer para prescrever”. Uma ilustração dessa conduta é o seu envolvimento com a misteriosa Liga Internacional para a Organização do Progresso, para a qual contribui em um projeto de Enciclopédia que pretende mapear e descobrir a cura para todas as formas de sofrimento humano.

Porém, Castorp – e o próprio leitor – logo percebe(m) que há algo de errado, de limitado na filosofia social de Settembrini. Há um ranço de intransigência e autoritarismo nesse almejo por modernização. Para o protagonista, “o Sr. Settembrini era humanitário, mas ao mesmo tempo e pelos mesmos motivos, era quase explicitamente belicoso” (Ibidem, p. 978). Tal opinião foi corroborada por seu primo Joachim, para quem o italiano “prega a república universal, internacional, e abomina a guerra por princípio, mas ao mesmo tempo é tão patriota que reclama a todo custo a fronteira do Brenner[6]” (Ibidem, p. 527).

Em sua recusa teórica e defesa prática da guerra, residem um problema e uma contradição. O primeiro, porque, com isso, ele adere à ideologia do “imperialismo” político, econômico e cultural, expressão famigerada do universalismo ocidental; inclusive, tal postura imperialista do Ocidente sobre os “bárbaros” do Oriente acelerou no fim do século XIX. Já a contradição é que sua defesa da paz e da república passa a soar hipócrita, como se fosse um paradoxal “dogmatismo pela liberdade”.

A ligação de Settembrini com a Maçonaria denota seu anti-clericalismo, que muitas vezes recai em um “progressismo e materialismo (...) que desalojando Deus de seu lugar, colocou em seu altar o próprio homem” [7]. Aliás, tal “ideologia prometéica” (o próprio Settembrini assume a admiração pela figura de Prometeu) aproxima-se perigosamente das ambições gnósticas. Por sua vez, Hans Castorp discorda desse racionalismo excessivo, pois acredita a sensibilidade e as paixões são também fundamentais para uma vida plena. Talvez seja esta uma opinião do próprio Thomas Mann.

4. Naphta, o profeta do Terror

Leo Naphta é um personagem de passado sombrio. Seu pai, um judeu fanático, foi assassinado em um motim popular, acusado de “irregularidade sectária”. Durante a adolescência, atormentado por dúvidas e indagações intelectuais, seu espírito só se apaziguou quando se converteu em jesuíta, fascinado pela grandiosidade e pelo senso de ordem que predominavam em tal instituição. Foi parar no sanatório graça à hemoptise (sangue no escarro), que o obrigou a se licenciar da carreira docente.

Eis a 1ª das mesclas ideológicas que tanto marcam este personagem: foi do judaísmo ao jesuitismo. Também se interessou pelo ideário socialista, que conheceu graças a um deputado e seu filho. Para completar a equação, ele tinha um forte impulso aristocrático, “um desejo apaixonado de elevar-se acima da esfera de sua origem” (Ibidem, p. 603). Tal mistura resultou em um ideal que crescia rapidamente na época em que se passa a trama do livro (1907-1914): a Revolução Conservadora.

“Conservadora”, porque, além de pregar a restauração de vários dos costumes e hábitos da Idade Média, período que Naphta tanto exalta em suas falas, este também tem um forte desprezo pela burguesia. Em uma de suas digressões teológicas, chega a alegar que, para os medievais, “Deus e o diabo eram uma e a mesma coisa, e ambos se opunham à vida, ao modo de viver burguês, à ética, à razão, à virtude...” (Mann, 2000, p. 631). Quanto a isso, podemos nos lembrar de Nietzsche e seu repúdio à mediocridade e à equalização de condições que marcam a sociedade burguesa.

Porém, Nietzsche tem mais a contribuir nesta discussão sobre Naphta, inclusive para explicar o mote desta “Revolução”. O ideal da vontade de poder é evidente neste personagem, que muitas vezes defende a desvalorização de qualquer sentido existencial e da própria noção de verdade. Eis um traço de niilismo; em sua ambição pela ordem e pelo poder absoluto, Naphta não hesitaria em defender que princípios e critérios sejam dissolvidos ou abolidos. Um exemplo é quando, durante um debate com Naphta, distorce o sentido de “individualismo” para refutar Settembrini:

“Como já me permiti observar, o seu individualismo é deficiente, é apenas um compromisso. (...) Um individualismo, porém, (...) não social, mas religioso, que concebe a humanidade não como o antagonismo entre o eu e a sociedade, senão como o conflito o eu e Deus, (...) tal individualismo genuíno se harmoniza muito bem com a comunidade mais intensamente coercitiva.” (Ibidem, 2000, p. 551)

Em outras palavras, Naphta contrapõe ao individualismo liberal o holismo comunitário, de fortes feições conservadoras. O polêmico pensador Oswald Spengler, para muitos um ideólogo do nacional-socialismo, pode ser recrutado para este debate. Em defesa da grandeza da cultura ocidental (mais especificamente, da “alma faustiana”, germânica), ele faz uma afirmação que poderia ser do próprio Naphta: “o estilo prussiano é uma renúncia espontânea, a subordinação de um Eu forte a um dever e uma tarefa grandes, um ato de autodisciplina” (Spengler, 1941, p. 176).

Como se não bastasse, Naphta também prega o coletivismo cristão e socialista. Para ele, sempre refratário à burguesia, caberia ao proletariado a missão de restaurar o império da cristandade, mesmo que precise "espalhar o terror para a salvação do mundo e para a conquista do objetivo da redenção, que é a relação filial com Deus, sem a interferência do Estado e das classes” (Mann, 2000, p. 550). Com isso, atribui um sentido religioso à revolução e ditadura do proletariado. Ironicamente, desta vez Spengler está contra Naphta, pois reconhece – e condena – esta aliança entre cristianismo e socialismo: “a teologia cristã é avó do bolchevismo” (Spengler, 1941, p. 117).

Esta combinação explosiva de ideologias talvez se explique pelo fato de Thomas Mann ter se inspirado em Georg Lukács para criar o personagem judeu-jesuíta. Lukács, embora marxista, até meados da década de 1920 defendia uma espécie de “culturalismo existencial”, sob forte inspiração nietzschiana. Em sua errante necessidade de absoluto, ele apresentava o que Mann, por meio de Naphta, descreveu como um tremendo anelo de autoridade (Merquior, 1982).

O ambicioso Naphta também pode ser comparado com personagens de outra obra-prima de Mann, “Doutor Fausto”. Em uma de suas aulas de Psicologia da Religião, Schleppfuss, um dos professores do músico Adrian Leverkühn (personagem principal da trama), alega que o Mal é conseqüência necessária da existência de Deus, e que o livre-arbítrio e o pecado são indissociáveis (Mann, 1996, p. 133-136). Tal argumento lembra a ambigüidade que Naphta enxerga na divindade.

Mais tarde, durante a estranha conversa de Leverkühn com o Diabo, por meio da qual fazem um pacto que garante ao compositor a genialidade artística pelos 24 anos seguintes, este diz que Adrian se tornará o líder de uma geração, pois emanará uma loucura inspiradora. Além disso, alega que a burguesia abandonou a Religião e passou a cultuar a Cultura em si mesma; contudo, está farta desta, sendo necessário lhe dar novos princípios para se orientar (Ibidem, p. 327-329). Tal premonição é análoga à que o Naphta fez quanto à urgência do Terror revolucionário.

5. Um “Ennui” Espiritual: convergências e divergências

Embora já tenha sido feita uma breve analogia entre o gnosticismo e a ideologia progressista de Settembrini, as considerações de Voegelin e Carvalho sobre a revolução gnóstica valem para ambos os personagens; talvez Naphta seja até mais tipicamente gnóstico do que o “beletrista”. Os dois soam como as duas faces da mesma moeda, simbolizando dois extremos (independentemente de quem seja “direita” ou “esquerda”) dos quais Castorp deve se afastar para alcançar o equilíbrio.[8]

A ambição, tão recorrente nas ideologias políticas modernas, em ditar o “rumo” da História combina-se com a auto-indulgência quanto às paixões e a desorientação intelectual que marcaram os fenômenos de massa do século passado:

“A morte do espírito é o preço do progresso. Nietzsche revelou este mistério do apocalipse ocidental quando anunciou que Deus estava morto e que fora assassinado. Esse assassinato gnóstico é cometido constantemente pelos homens, que sacrificam Deus em nome da civilização.” (Voegelin, 1982, p. 99)

Olavo de Carvalho, na mesma direção, aponta o gradual desenvolvimento do materialismo como religião civil. Um exemplo interessante que utiliza para ilustrar sua tese é o primeiro dos “bildungsroman” (romance de formação), escrito por Goethe: “Os Anos de Aprendizagem de Wilhelm Meister” (1796). Nesta obra, segundo Carvalho, há uma ruptura: o mito maçônico substitui o cristão como índice do sentido da vida. Em outras palavras, a salvação da alma cede lugar a uma resolução puramente terrestre. Esta auto-realização consiste em que a sociedade se revela como “um microcosmo à imagem do universo dirigido por potências benévolas”, o que leva à “descoberta do caminho pessoal por entre os múltiplos equívocos da vida” (Carvalho, 2000, p. 260-261).[9]

Tal exemplo é relevante na medida em que Goethe e “Wilhelm Meister” muito influenciaram Mann e “A Montanha Mágica”. Hans Castorp, que não é tão brilhante e talentoso quanto o protagonista do romance goethiano, faz uma lenta caminhada para se livrar da mediocridade e se tornar um indivíduo mais completo. É também porta-voz da preocupação do escritor com os excessos de ambos os lados do conflito ideológico. Além de demonstrar que tanto liberalismo quanto socialismo (inclusive o de feição conservadora, defendido por Naphta) têm uma origem em comum, ele demonstra que debates políticos não podem ser resolvidos somente em abstrato. As controvérsias bizantinas dos dois pedagogos estão muito afastadas da realidade “mundana” para serem dignos.

Por outro lado, seria uma injustiça com Settembrini não reconhecer suas vantagens (ou, ao menos, o menor número de defeitos) em comparação a seu rival. O próprio final da “amizade” de ambos é sintomático. Durante um de seus embates filosóficos, o italiano se irrita e acusa Naphta de dizer indecências. Este, pedindo para o adversário retirar o que disse, recebe uma negativa, e reage raivosamente, desafiando-o para um duelo. O pedagogo italiano ainda tentou, até a última hora, dissuadir seu oponente, mas não conseguiu impedir a tragédia:

“– O senhor atirou para o ar – disse Naphta, controlando-se, enquanto baixava a arma.

Settembrini replicou:

– Eu atiro como quero.

– Atire o senhor novamente.

– Nem penso nisso. Agora é a sua vez. (...)

– Covarde! – bradou Naphta, e com esse grito humano admitiu que era preciso maior coragem para atirar do que para servir de alvo. Levantou então a pistola de um modo que nada mais tinha em comum com um combate, e descarregou-a na própria cabeça.

Que cena trágica, inesquecível! (...) Todos permaneceram imóveis durante um momento. Settembrini, depois de arrojar a pistola para longe de si, foi o primeiro a aproximar-se de Naphta.

– Infelice! - exclamou. - Che cosa fai, per l’amor di Dio?” (Ibidem, p. 972)

Há uma interessante metáfora neste duelo de armas: o humanista reluta e desiste diante de uma situação de barbárie, enquanto que o niilista, que já não vê sentido na vida, comete suicídio. Verifica-se assim que, apesar de tudo, Settembrini e Naphta são diferentes, tanto em pressupostos quanto em atitudes existenciais. Não se pode resumi-los a uma ideologia cada, mas também é inegável que o italiano é um personagem mais “humano” e de boa índole.

Kaufmann, em uma comparação entre os dois personagens, foi categórico: “o abalado intelecto mundano, personificado por Settembrini, sobrevive ao sofisticado e (...) encantador fundamentalismo, o ódio suicida deste mundo, o espírito de Naphta” (Kaufmann, 1973, p. 25). Aliás, situação parecida ocorre em “Doutor Fausto”: o também humanista Serenus Zeitblom sobrevive para narrar o colapso do “espírito absoluto”, encarnado em seu amigo Leverkühn.

6. Conclusão: a Vitória de Pirro[10] da Razão

Em meio aos funerais de Naphta, a perplexidade de Settembrini e a despedida de Castorp (que, no último capítulo, muda de atitude e resolve ir lutar na guerra), este artigo chega a um desfecho. De fato foram encontradas fortes relações entre o debate Settembrini x Naphta com um confronto ideológico mais amplo – não apenas entre Iluminismo vs. Niilismo, mas também entre liberalismo e “socialismo conservador”. Além disso, foram visualizadas semelhanças entre ambos os personagens no que tange ao desejo de “redivinização da realidade” que caracteriza a revolução gnóstica.

Ao final, constata-se que, embora Settembrini tenha sobrevivido e seu adversário, cometido suicídio, este foi um debate sem vencedores, já que nenhum conseguiu prevalecer como pedagogo de Castorp. Ou, talvez, o italiano teve uma “vitória de Pirro”, pois a democracia e o liberalismo passarão por mais dificuldades: foi a ideologia de Naphta que predominou na Europa nas duas décadas seguintes à publicação de “A Montanha Mágica”. O próprio Mann lamentou que sua mensagem humanista não conseguisse prevalecer durante a Alemanha à época. Preferiu-se, ao invés de tal apelo, uma escalada de barbárie e totalitarismo.

Cabe uma última pergunta e reflexão: após todas as guerras do século XX, e a despeito de todas as mudanças políticas e culturais pelas quais o mundo passou neste período, será que o debate intelectual predominante continua a ser, mesmo que indiretamente, entre racionalistas e relativistas?

Referências Bibliográficas

BIGNOTTO, Newton. “Humanismo Cívico Hoje”. IN: BIGNOTTO, Newton (org.). “Pensar a República”. Belo Horizonte: UFMG, 2000.

BURKE, Edmund. “Reflexões sobre a Revolução em França”. Brasília: Universidade de Brasília, 1997.

CARVALHO, Olavo de. “O Jardim das Aflições”. São Paulo: É Realizações, 2000.

CHAIA, Miguel. “Arte e Política: Situações”. IN: CHAIA, Miguel (org.). “Arte e Política”. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2007.

HAYEK, Friedrich. “O Caminho da Servidão”. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1994.

________________ “Os Fundamentos da Liberdade”. Brasília: Universidade de Brasília, 1983.

KAUFMANN, Fritz. “Thomas Mann: The World As Will And Representation”. Nova York: Cooper Square, 1973.

MANN, Thomas. “A Montanha Mágica”. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.

______________ “Doutor Fausto”. Rio de Janeiro: Record, 1996.

MERQUIOR, José Guilherme. “O Liberalismo: Antigo e Moderno”. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.

__________________________ “História de uma Classe de Inconsciência”. IN: “As Idéias e as Formas”. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

NIETZSCHE, Friedrich. “Além do Bem e do Mal”. São Paulo: Companhia de Bolso, 2005.

SPENGLER, Oswald. “Anos de Decisão”. Porto Alegre: Edições Meridiano, 1941.

__________________ “A Decadência do Ocidente”. Brasília: Universidade de Brasília, 1982.

VOEGELIN, Eric. “A Nova Ciência da Política”. Brasília: Universidade de Brasília, 1982.

________________ “Reflexões Autobiográficas”. São Paulo: É Realizações, 2006.

WELLEK, René & WARREN, Austin. “Teoria da Literatura”. Lisboa: Europa-América, 1962.



[2] Sobre o debate teológico de Erasmo de Rotterdam e Martinho Lutero, vide

A Review of Luther and Erasmus: Free Will and Salvation”.

[3] Ao longo do artigo, também trataremos de outras três correntes de

pensamento recorrentes nos diálogos entre ambos os personagens:

o Socialismo, o Niilismo e o Humanismo Cívico.

[4] Movimento revolucionário, ligado à Maçonaria, atuou em várias revoluções européias

do século XIX, em especial na Primavera dos Povos (1848). Na Itália, seus principais

líderes eram Giuseppe Garibaldi e Giuseppe Mazzini.

[5] Iluminismo é o movimento intelectual ocidental, cujo auge foi no século XVIII, que

defendia a Razão como princípio orientador do pensamento e da ação. Associava-se a isso

a crença na capacidade da ciência de gerar progresso linear. Em seu famoso texto sobre

o tema, Immanuel Kant proclama: “Tem coragem para fazer uso da tua própria razão!”

[6] Alusão ao litígio entre Itália e Áustria, anos antes da I Guerra Mundial, por uma região

fronteiriça.

[7] Vide resenha do livro feita por Francisco Escorsim,

Impressões de Leitura – ‘A Montanha Mágica’”.

[8] Em uma entrevista, Olavo de Carvalho faz uma curiosa analogia com o romance de

Mann para explicar a decadência portuguesa: “Por uma triste ironia, os adversários do

centralismo pombalino eram os jesuítas, eles também revolucionários”. Desta forma,

“o drama de Portugal é o mesmo de ‘A Montanha Mágica’ de Thomas Mann: um jovem

bom e promissor aprisionado entre dois falsos gurus: um iluminista autoritário com

discurso modernizador e um jesuíta comunista.”

[9] Curiosamente, anos depois, Goethe se arrependeu dessa “ideologia prometéica”

exacerbada, e, na 2ª parte de “Fausto” e em “As Viagens de Wilhelm Meister”, condenou

a ambição materialista e resgatou a espiritualidade.

[10] Vitória de Pirro: expressão de origem romana utilizada para indicar um triunfo obtido

a custo de prejuízos enormes.

23 janeiro 2011

From 8 to 23 - parte 2

16 Janvier. Descobri mais uma boa comédia: How I Met Your Mother. Uma amiga minha até me zoou no Twitter por ter demorado 5 anos para descobrir esta série. Nevertheless, adorei esta sitcom. Todos os personagens principais são extremamente carismáticos: o casal Marshall e Lily, a jornalista Robin, o gaiato Barney e o atrapalhado protagonista Ted.
Comecei a ouvir Nouvelle Vague, que faz versões em bossa-nova (ou seria lounge?) de clássicos do rock alternativo. Destaque para "Dance With Me" (originalmente do The Lords of the New Church), "Love Will Tear Us Apart" (Joy Division), "Blue Monday" (New Order) e "Ever Fallen In Love" (Buzzcocks).
Em torno das 19h, o Luti veio aqui na kit-net para assistirmos ao filme "A Fuga das Galinhas", pois combinei de ajudá-lo a fazer um exercício de TPC no qual se deveria trabalhar o conceito de "hegemonia" de Gramsci a partir deste filme. A película é bem divertida, embora só os primeiros 30 minutos sejam 'políticos' em seus diálogos e situações.

Mais uma vez, acordei na madrugada de uma segunda-feira para revisar para a prova de Introdução à Teoria da Literatura. Estudei com afinco, mas fui pego de surpresa por algumas perguntas que não esperava. Ainda assim, a monitora já corrigiu e disse que tirei 6,9, o que me garantiu o cumprimento do requisito para os 2 pontos extra em ITL: não tirar abaixo de 6 em nenhuma das provas de leitura. Minha média ficou em 7,27. Para confirmar o 7,27 + 2 = 9,27 e SS, preciso tirar de 6,5 para cima na prova de conteúdo que haverá no próximo dia 31. Pelo que dizem, a questão mais complicada será a análise estilística de um poema. Tomara que eu não derrape na última curva e consiga tirar nota boa. Das cinco matérias que faço nesse semestre, esta é a única em que realmente faço questão de tirar uma boa menção, pois já me contento com MS em Técnicas e EVIES, e o cenário para SS em MPAS e FDMM é quase garantido.
Ah, descobri que adoro revisar para uma avaliação ao som de uma banda bem animada. Vide um tweet que postei naquele dia: "Revisando Dão-Lalalão ao som de of Montreal. Ah, se existe algo que torna a vida (o que inclui os estudos) + doce, é a (boa) música".
20h, colóquio. Discutimos "Elogio da Loucura". O Thiago, com sua veia cômica e teatral, resolveu 'encarnar' a Loucura na sua exposição. Foi hilário, embora eu ache que ele não precisava ter declamado as 5 páginas iniciais do livro... Entrei no espírito e coloquei óculos escuros e cachecol na hora em que falei sobre as críticas e deboches que Erasmo desfere contra os filósofos e escolásticos.

Em 18/1, o dia começou com uma má notícia: a Band retirou Os Cavaleiros do Zodíaco de sua programação matutina! Nada contra os desenhos clássicos da Nickelodeon (que são muito melhores do que 95% das animações que passam hoje em dia no Cartoon Network e cia.), mas, venhamos e convenhamos, foi estúpido tirar CDZ da grade, não só pela qualidade intrínseca deste anime, como também pela sua popularidade. Ou a Band acha que os mais de 5 pontos de audiência que obteve nos últimos meses pela manhã foram graças a Jimmy Neutron? É o fim da minha tradição, iniciada em Setembro, de tomar café da manhã assistindo a Saint Seiya nas terças, quintas e sextas... Tsc.
Prossegui na leitura dos "Ensaios" (Montaigne). Impressionou-me a naturalidade com que este pensador discorre sobre assuntos tão diversos como morte, impotência sexual, índios (o famoso "Dos Canibais"), pedantismo e a educação das crianças. O único problema (ou seria uma qualidade?) do livro é que os ensaios são tão densos que o leitor começa a ficar refletindo sobre eles, o que torna a leitura mais lenta.

Quarta-feira foi dia de reunião acadêmica do PET e aulas de ITL, EVIES e FDDM; destaque para a última, em que minha colega Nayara fez uma boa exposição sobre o movimento estudantil de 1968 e o atual comparados, e soltou algumas pérolas e ironias sobre a reforma universitária dos anos 60 (contemplativa -> mecânica).
Fugi da rotina e fui a um bar do Pôr-do-Sol com os petianos. Conversa vai, conversa vem, e pela 1ª vez, bebi quatro copos de cerveja. 2º feito etílico em 5 dias, Kaio F.; que degradação moral, hein, rs! Porém, once again, não senti os efeitos do álcool, pois tinha comido antes. Quando cheguei em casa, revisei e editei aquele meu 1º artigo sobre "A Montanha Mágica" para submetê-lo ao concurso/convocatória da revista on-line do Estudantes pela Liberdade. Consegui reduzi-lo para 15 páginas, mas sem perda de conteúdo. Torço para que o meu artigo seja um dos publicados, quando a revista do EPL for lançada... Afinal, em 2011 preciso ter pelo menos 3 artigos no meu currículo para ter maiores chances na seleção do mestrado da IESP/UERJ.

Em 20 de Janeiro, este que vos escreve, além de descobrir um cover gótico de "Like a Virgin" gravado pelo Lords of the New Church, li setenta páginas de Montaigne, e desta forma concluí a leitura do 1º dos 3 volumes dos "Ensaios". Fiquei perplexo quando notei que, em "Da Solidão", ele faz uma defesa pioneira da liberdade individual (ou negativa, segundo a dicotomia proposta por Isaiah Berlin), com uma herança estóica já moldada pela consciência filosófica moderna.
À tarde, só pude ficar um pouco na aula do Técnicas de Pesquisa em Ciência Política, pois havia reunião do CEPE. Como sempre, muitos bons argumentos dos professores no debate sobre o trote e a "convivência intrauniversitária", mas nada de concreto foi decidido. Até o Josias de Souza, do UOL, criticou essa indecisão.

Anteontem, tive um surto de "melosidade" graças aos episódios 1x12 e 1x13 de How I Met Your Mother, que foram bem românticos, em uma súbita mudança de ritmo da série. Porém, tentei me convencer que amor e relacionamentos não são a "única coisa imperfeita" da minha vida. Estou em uma fase em que a solteirice me oferece possibilidades muito mais divertidas e interessantes. Creio até que toda a felicidade que ando sentindo nos últimos tempos em relação à minha vida acadêmica, social e cultural seria quebrada por um eventual namoro, ou mesmo uma "one-night stand". Relacionamentos - o que inclui sexo - dão um trabalho que não estou disposto a aceitar, pelo menos por enquanto. No relato sobre meu último sábado, vocês verão que essa "ideologia" teve bons frutos.
Às 18 horas, encontrei uma colega no Sebinho, e passamos um bom tempo lá caçando livros e batendo papo. Percebi que pareço uma criança hiperativa quando vou em um sebo/livraria; a cada estante, acho algo que me interessa e fico empolgado! Levei dois livros e 1 CD: um com 4 obras de Sêneca (inclusive um drama teatral, "Medéia"), "Da República" (Cícero) e "13" (Blur), respectivamente.
Ligamos para outros amigos, convidando-os para irem conosco na inauguração do bar/boate Cult 22. Foi uma noite excêntrica e hilária, mas confesso que quase tudo foi por água abaixo quando , já no estacionamento do pub, a maior parte do grupo queria voltar para a Asa Norte e ficar tocando violão e bebendo vinho. Fiquei bravo, e procurei convencê-los que a night-out na Cult 22 seria melhor. Eu e outros 3 entramos, enquanto 2 voltaram. A minha colega estava meio desanimada, e acabou também indo embora mais cedo. Em compensação, eu, o Thiago e o Dênis ficamos, e aproveitamos o excelente debut do novo point indie do Lago Norte.
Duas bandas tocaram - o razoável Enema Noise (cuja platéia era patética - poxa, os caras faziam um rock bem barulhento, mas o público ficou parado, sem pular ou dançar?! Que absurdo!) e o bacana trio Lucy and the Popsonics (tocaram minhas duas prediletas, "Garota Rock Inglês" e "Eu Quero Ser Seu Tamagoshi", além do disco novo quase na íntegra - confesso que gostei de "Fred Astaire" e "Popdollkiller"). Os DJs fizeram setlists excepcionais; para dar só um exemplo, foi a 1ª vez que ouvi "Isolation" (Joy Division) numa boate sem que eu fosse o responsável por tocá-la! Dancei com umas garotas por lá, inclusive umas gêmeas que eu já havia visto no Arena, meses atrás. O Luti, para minha surpresa, apareceu, e depois que saímos da Cult 22, conversei bastante com ele e os outros dois. Em certo momento, estávamos comentando o livro "O Jogo" (Neil Strauss), haha. Cheguei em casa um pouco depois das 6 da manhã.

Yesterday, all the problems seemed so far away - if there was at least a problem. Trocando em miúdos, terminei a noite chegando à conclusão de que minha vida é perfeita e que não tenha a reclamar sobre ela. Porém, vejamos como cheguei até essa ambiciosa sentença.
Kaio acordou às 12:15, e não demorou para tomar um banho, já que, graças à noite anterior, seu cabelo estava desgrenhado. Após ver alguns seriados na internet e tentar ler um pouco, recebi a visita da minha mãe e da irmã e mãe do Gino, meu room-mate. Isso garantiu ao meu sábado uma bem-humorada companhia. Depois de arrumarmos a kit-net, fomos a uma loja de doces, na qual tomei um delicioso milk-shake de chocolate amargo. Mais tarde, fomos à pizzaria Valentina, e apreciamos uma igualmente caprichada - e apimentada! - pizza "pega-fogo". O Gino topou ir à London Calling comigo, e aproveitamos para buscar o Ian, colega dele.
Believe me or not, mas esta festa foi a melhor das 6 festas em que fui neste ano. As discotecagens foram impecáveis, com direito a algumas bem-vindas surpresas ("Ready to Start" - Arcade Fire, "Can't Stop Feeling" - Franz Ferdinand, "Beautiful Ones" - Suede, "Hey Bulldog" - The Beatles...). Radioteque, banda cover de Radiohead, fez uma ótima performance, com um repertório equilibrado - 4 faixas do In Rainbows, 3 do Ok Computer, 2 do The Bends e, para fechar, 1 do Pablo Honey, "Creep", o hino dos losers. A noite ainda contou com um segundo grupo, que tocou vários clássicos do rock britânico de todas as décadas, passando por Beatles, David Bowie, The Jam, The Cure ("Jumping Someone Else's Train"!), Blur, Supergrass, entre outros.
Estava tão alegre que puxei para dançar, ao longo da noite, cerca de 5 ou 6 garotas. Com uma delas, foi quase por acaso - na hora em que a 2ª banda tocava "Take Me Out" (Franz Ferdinand), olhei para trás e a vi, e comecei a dançar junto. Ela era bem animada, e até conversamos um pouco sobre academia, afinal ela é formada em Ciências Sociais. Também encontrei duas meninas que não paravam de rir (no bom sentido) do meu jeito de dançar, e duas que eu já havia conhecido na noite anterior.
É incrível como, quando você deixa de se preocupar em ficar com as garotas nas festas (ou qualquer coisa mais "física/libidinosa" do que "lúdica"), você se diverte bem mais. Eu já não me importava tanto com a idéia de "pegar meninas nas festas", mas sempre ficava tímido para sequer perguntar o nome delas (talvez por temer que isso soasse como um "indicador de interesse" e levasse a uma subseqüente rejeição). Ontem suprimi tal objetivo/pretensão, e quebrei gelos como "nunca antes na história de minha vida", rs. Resultado: pude dançar, conversar e me divertir com elas da maneira mais despretensiosa e descontraída possível, e finalmente sem ficar paranóico/neurótico com a timidez ou a insegurança.

Ah, hoje foi um dia dedicado à deusa chamada Letargia. Acordei às onze, tomei café, naveguei bastante na internet, despedi-me da minha mãe, li algumas páginas de Montaigne, vi um pouco de TV, cochilei... e cá estou eu, encerrando este post. Amanhã preciso fazer os trabalhos de FDMM e Técnicas de Pesquisa, e terei a tarde inteira (12-19h), além da manhã de 3ª (8-13h) para fazê-lo. Quinta-feira tenho prova de Técnicas, além de precisar entregar a lista e aresenha para Evolução das Idéias Econômicas e Sociais na sexta. Como se não bastasse, nos dias 31 (ITL) e 2/2 (EVIES) farei as últimas avaliações do semestre. Quer mais? 300 páginas dos "Ensaios" de Montaigne (ou seja, o Volume 2 inteiro - e, se der, alguns do Vol. 3) para ler até o último dia do mês, pois farei um colóquio sobre ele.
Só espero que meu bom humor se reflita em inspiração para desempenhar bem estas tarefas. Até mais!

From 8 to 23 - parte 1

Continuemos do ponto onde paramos no post do dia 8/Janeiro, a despeito da distância de 15 dias.

O sábado acabou sendo muito bom. A reunião da Aliança pela Liberdade foi produtiva, e espero que as coisas que decidimos dêem certo. A "viagem" para Valparaíso 1 (4o minutos!) para a Skins Party valeu a pena. Conheci pessoas novas, tomei bastante Coca-Cola, ouvi boa música, dancei... Minhas ressalvas são poucas; de fato, eles são mais novos que eu (faixa etária: 16 a 18 anos), o que dificultava a "puxação de assunto". Assuntos que eu adoro, como política, tiveram que ficar de fora da conversa. Além disso, não fumo narguilé (o que suprimiu uma das possíveis "táticas de sociabilidade"), as garotas pareciam meio 'avoadas' e os gays só ficavam querendo ouvir Beyoncé ao invés dos meus CDs. Em seguida, às 21h, peguei ônibus para voltar para a Rodoviária do Plano e ir à festa no Galleria. Fui com uma das meninas que compareceram à festa, então pude conversar e não prestar atenção na duração da "saga" de volta ao Plano Piloto.
Cheguei ao Conic uma hora antes da party começar, mas a espera valeu a pena; encontrei vários amigos(as) por lá e passei bastante tempo no dancefloor. Como sempre, muito pop e eletrônica, com direito a muitos hinos da "gay culture". Marina, a amiga que me avisou da festa, veio; batemos um longo papo durante a fase ruim da discotecagem, mas lá pelas 4 da manhã voltaram a tocar boas faixas e fomos ao dancefloor. Em torno das 5 horas, depois de um leve susto (ela havia se esquecido de onde estacionara o carro), ela me deu carona para casa.

Acordei às 12h30 do domingo, e tive um 3º dia de "lazyness". Como já tinha terminado de ver a 1ª temporada de Secret Diary of a Call Girl (afinal, eram apenas 8 episódios, "padrão britânico"), comecei a assistir a Californication, incentivado pelos elogios que a Isabella vivia tecendo a esta série. Não me arrependi: as desventuras de Hank Moody são impagáveis! Escritor que está há anos sob bloqueio criativo, 90% de suas tramas se resumem - direta ou indiretamente - a sexo. É incrível a quantidade de trapalhadas que ele comete para tentar reconquistar sua ex-namorada, que está prestes a se casar - e justamente com o editor dele! Outro destaque da série é a filha de Hank com sua ex: Becca, garota precoce e geniosa.
Mesmo tendo uma prova sobre "Iaiá Garcia" (Machado de Assis) no dia seguinte, resolvi descansar no domingo. Comi Passatempo, ouvi Pixies e apaixonei-me pelo cover que o Bat for Lashes fez para "A Forest" (The Cure).

10 de Janeiro, dia que começou bem cedo para mim; kinda 4 A.M. Estudei o resumo de "Iaiá Garcia" que preparei, a partir de uma compilação do material fornecido pela monitora de ITL e textos avulsos que encontrei na internet. Fui recompensado: a prova estava fácil, pois caíram somente questões sobre passagens do texto que eu tinha fichado. Dias depois, recebi a prova; tirei 9,0, o que, como veremos adiante, pode ser decisivo para um surpreendente SS em Teoria Literária.
À tarde, descansei, li os textos para a aula de Formação e Dinâmica do Mundo Moderno e cheguei cedo ao Senhoritas para o 1º colóquio do ano, sobre Leonardo da Vinci. A propósito, o "ciclo" desse mês é sobre Renascimento, o que soa coerente com o tema do ano: a Grandeza Humana. Bem humanista, não? Aliás, o colóquio foi muito bom; além de termos batido nosso recorde de público (14 pessoas), a exposição do Mateus foi didática, e aprendi bastante sobre a arte de um dos maiores gênios renascentistas. A discussão só se dispersou lá pelas 21h30, quando nosso eterno convidado, o professor de Direito Romano, me ouviu fazendo uma distinção rasa sobre belo x sublime e resolveu falar sobre o que Kant fundamentou sobre este assunto. Dali em diante, metade da mesa ficou ouvindo e debatendo assuntos kantianos com ele, e a outra metade continuou falando sobre arte - eu incluso.

No dia seguinte, dei uma acelerada na releitura de "Elogio da Loucura" (Erasmo de Rotterdam), e consegui terminá-la à noite; eu havia lido esta obra pela 1ª vez em 2006. Como vocês devem ter percebido pelo post anterior, a "comédia grega" de Erasmo é um texto extremamente divertido e atual.
Na aula de Técnicas, o professor disse que o trabalho final da disciplina será fazer o projeto de uma monografia - o que, aliás, foi extremamente conveniente, pois aproveitarei que já tenho que entregar um trabalho para FDDM e quero escrever um artigo para a Noctua (revista da História) e farei um "triple": desenvolvo a metodologia para Técnicas, faço 10 páginas sobre um tema que me interessa para FDDM e, após algumas revisões, envio-o para a Noctua. Sobre o que será? "O Debate Filosófico entre Settembrini e Naphta em 'A Montanha Mágica'", uma continuação, mas com enfoque diferente, de meu 1º artigo: "O Cultivo da Liberdade em 'A Montanha Mágica'". À noite, resisti à tentação de ver BBB e continuei acompanhando a 1st season de Californication. Aliás, desde que começou esta nova edição do Big Brother Brasil, não assisti a nenhum programa, tampouco li sobre o assunto na internet. Já estava na hora de abandonar este vício... Um guilty pleasure a menos, hehe.

Na quarta-feira, o momento mais importante do dia foi o Bate-Papo Acadêmico, com o professor José Otávio (HIS), sobre metodologia da História Antiga e Moderna. O Nascimento acabou fazendo "propaganda enganosa" ao dizer que o prof. convidado era um "helenista"; não demorou para que eu descobrisse que ele era, na verdade, um relativista à moda francesa, com aquele típico desprezo à cultura ocidental que tanto contaminou as ciências humanas e sociais. Em meio aos "antropologismos", ele quis mostrar que o abandono da História Mestra da Vida por uma abordagem mais científica e multicultural foi benéfico; opinião da qual devo discordar. Desavenças ideológicas à parte, foi uma boa palestra-debate. Para maiores detalhes, leiam o relato publicado no blog do PET-POL.

Thursday I woke up listening to PJ Harvey. Awesome! Tentei terminar de ler "Dão-Lalalão" (Guimarães Rosa), mas o texto estava muito chato, cheio daqueles experimentos lingüísticos tão caros a Rosa. Porém, voltaremos a falar sobre isso daqui a pouco, quando eu comentar o sábado...
Diverti-me lendo Testosterona, o melhor site de humor machista que conheço. Nada melhor para se livrar das chatices proferidas pelas feministas do que ler piadas ácidas sobre garotas ou textos humorísticos em defesa da organização social/familiar "mulher dona-de-casa e boa cozinheira, homem tomando cerveja e assistindo ao futebol". Antes que a "patrulha ideológica" pergunte: não, não sou machista/falocrata, e reconheço a importância da conquista de vários direitos. Porém, para além do humor, concordo com alguns pontos que os machistas (e as mulheres anti-feministas) defendem. Leiam, por exemplo, este texto: Porque o feminismo estragou o mundo.
Saiu a notícia de que talvez irão reorganizar o Horóscopo, em razão de mudança do posicionamento de constelações e coisas do gênero. Só digo o seguinte: recuso-me a ser Gêmeos ao invés de Câncer. Logo agora, que eu estava começando a aceitar a idéia de meu cavaleiro de Ouro ser o Máscara da Morte!

Sexta-feira 14. Terminei de assistir à 1ª temporada de Californication, e gostei da reviravolta nos últimos 2 minutos do episódio final. Quero só ver as conseqüências desse fato na 2nd season...
A aula de EVIES foi cancelada, porque a maçaneta do Anfiteatro 13 havia desaparecido, o que impedia a abertura da sala. Vandalismo na UnB, que novidade! O professor divulgou as notas; como estavam afixadas no mural do departamento de Economia, só fui vê-las na 2ª feira. Tirei 7,0, o que me dá um cenário para MS. É só não bobear na última prova, cujo tema, em razão das muitas aulas canceladas (Oreiro viaja bastante), foi reduzido de 4 para 2 autores/escolas: Marx e a Revolução Marginalista. É uma pena que não veremos os Neoclássicos do século XX, tampouco Keynes...
At night, Play. Não consegui carona, então tive que pegar ônibus, sob uma leve chuva. Porém, fui mais do que recompensado: a noite foi excelente! As discotecagens foram incríveis, e atravessaram todas as décadas da história do Rock - do rockabilly ao indie dos 2000s. Encontrei vários amigos, inclusive os nerds que eu jamais imaginaria encontrar numa balada. O Luti, que até reencontrou uma menina que ele não via há anos, me deu carona na volta.

Após um merecido descanso, meu sábado foi um dia bem produtivo em leituras. Li as 40 páginas finais de "Dão-Lalalão", e mudei minha opinião sobre esta novela de Rosa. Os devaneios de Soropita começam a ficar mais densos, o que deixa a trama bem mais interessante. Começou a fazer sentido a quantidade de artigos que encontrei na internet cuja análise desta obra seguia um enfoque psicanalítico...
Voltei a ler Montaigne, e me deparei com alguns dos melhores ensaios do Volume 1, em especial "De Como Filosofar é Aprender a Morrer". Em breve postarei no blog um texto dedicado a este interessante filósofo francês.
Quando eu achava que terminaria o dia de forma amena, eis que o Luti me convida para ir à inauguração do novo apartamento do namorado da irmã dele. Mais uma night-out que valeu a pena; conversei bastante com uma menina que fazia POL, e depois com um sujeito estranho cheio de teorias (p.ex., a batida ideal para um DJ fazer uma discotecagem perfeita, e o porquê de disc-jockeys assim só existirem em SP, mas não em Brasília) e com umas garotas que gostavam de rock clássico e tinham ido ao SWU. Senti-me tão à vontade naquele ambiente - e um dos motivos era o delicioso queijo gorgonzola entre os frios servidos, rs! - que até bebi pela 1ª vez a combinação de rum e Coca-Cola, a.k.a. Cuba Libre. E não é que gostei? Bebida bem doce, diga-se de passagem. Isso é relevante, na medida em que uma das minhas restrições a tomar bebidas alcóolicas é que não aprecio o gosto da grande maioria delas, da cerveja à vodka. Em baladas, só tomo "beer" quando estou com sede e algum(a) amigo(a) me oferece; ainda sou movido a Coca-Cola.

Na continuação desta postagem, contarei como foram os últimos sete dias.