Em 15 de Junho de 1979, foi lançado o álbum Unknown Pleasures, o primeiro do Joy Division. Sem sombra de dúvidas é um dos 10 melhores discos de estréia da história do rock, não só pelo repertório extremamente consistente (contém vários clássicos da banda, como "Disorder", "She's Lost Control", "Shadowplay" e "New Dawn Fades") mas também pelo caráter inovador, na medida em que consolidou a estética post-punk e influenciou bandas dos mais diversos estilos, não só do próprio post-punk (The Cure, U2, Bauhaus...) mas também do rock alternativo em geral (Radiohead, Nine Inch Nails, Interpol, The Killers etc.).
Em 2014 escrevi uma análise estética e sociológica sobre Joy Division a partir de Adorno como um trabalho para a disciplina Teoria Estética (Letras/UERJ), e depois adaptei o texto para a revista Polivox. Eis alguns trechos, levemente adaptados, sobre Unknown Pleasures:
"Ian Curtis tinha uma notável cultura literária e filosófica, algo que sua esposa Deborah ressaltou em sua biografia Tocando a Distância: 'na maior parte do tempo, ele lia Dostoiévski, Nietzsche, Jean-Paul Sartre e J.G. Ballard'. Logo em seguida, ela observa, com certa consternação, que 'ficava chocada por Ian passar todo seu tempo livre lendo sobre o sofrimento humano'.
O Joy Division, ao mesmo tempo em que era informado pelo passado (a fascinação mórbida pelo nazismo, a começar pelo próprio nome da banda), compunha uma música futurista, que soava paradoxalmente espacial (aliás, a acústica dos shows da banda soava melhor em grandes salões do que em pequenos clubes) e claustrofóbica. Era um notável contraste com a utopia do rock dos anos 1960, com seu imaginário da estrada como fronteira (como em 'Born to be Wild', do Steppenwolf) e sua 'expansão cósmica' em bandas psicodélicas como Pink Floyd e The Jimi Hendrix Experience.
Esta característica da sonoridade do conjunto foi reforçada pela parceria com o produtor musical Martin Hannett, que se dedicou a capturar e intensificar essa espacialidade: segundo Simon Reynolds, 'Hannett acreditava que o punk era sonicamente conservador precisamente porque se recusava a explorar as capacidades do estúdio de gravação para criar espaço.' Uma notável amostra dessa experimentação foi Unknown Pleasures, o 1º álbum do Joy Division.
Lançado em junho de 1979, o disco impressionou os críticos musicais britânicos por sua música 'ambiental': ruídos extravagantes (p.ex., o som de uma cadeira quebrando em 'I Remember Nothing' e o de um elevador antigo subindo em 'Insight'), ênfase no baixo, bateria desacelerada e repleta de eco e uma guitarra em segundo plano, mas capaz de produzir riffs arrepiantes. A poesia de Ian Curtis também merece destaque, ao abordar temas como epilepsia (doença da qual ele sofria e retratou, em terceira pessoa, em 'She’s Lost Control'), morte ('Shadowplay'), solidão ('I Remember Nothing'), horror ('Wilderness') e o ritmo frenético da vida urbana ('Disorder'), sendo que esta última descreve a paisagem sombria da Manchester pós-industrial e a reflete no eu-lírico, o qual percebe em si mesmo uma crescente perda de sensibilidade:
It's getting faster, moving faster now, it's getting out of hand,
On the tenth floor, down the back stairs, it's a no man's land,
Lights are flashing, cars are crashing, getting frequent now,
I've got the spirit, lose the feeling, let it out somehow
Outro exemplo da lírica melancólica de Curtis é este trecho de 'Insight':
Guess you dreams always end.
They don't rise up, just descend,
But I don't care anymore,
I've lost the will to want more,
I'm not afraid not at all,
I watch them all as they fall,
But I remember when we were young
Esta estrofe nos permite enfim remeter ao pensamento estético de Adorno. Em primeiro lugar, porque para este filósofo a arte exprime o sofrimento inerente à condição dos seres humanos, 'cindidos uns dos outros e em si mesmos'. Ou seja, ela é o veículo privilegiado de expressão do sofrimento que cada um de nós experimenta, 'de modo velado e reprimido, na vida cotidiana'. Em letras como a de 'Insight', a arte lírica aparece como linguagem do sofrimento e reflexo do desencantamento do mundo.
Em segundo lugar, porque Adorno acredita ser preciso levar a referência ao social para dentro da obra de arte, e com isso ver no poema não uma 'mera expressão de emoções e experiências individuais' e sim uma esperança de extrair, da mais irrestrita individuação, a 'participação no universal'. Em canções como 'Insight' há uma evocação do mal-estar que acometia os habitantes de Manchester (e do Reino Unido em geral) no fim da década de 1970. A propósito, a eleição da conservadora Margaret Thatcher - em quem, aliás, Ian votou como forma de protesto ao governo do trabalhista James Callaghan -, um mês antes do lançamento de Unknown Pleasures, pode ser interpretada como sintoma da insatisfação dos britânicos com a crise do país, na qual muito pesou a inércia do Partido Trabalhista diante das greves gerais e da recessão econômica.
A ressonância sociocultural da poesia de Ian Curtis, assim como sua inspiração na literatura underground de Burroughs, também encontra respaldo no depoimento da artista Genesis P-Orridge para um documentário sobre a banda, de 2008: 'suas obras eram um pesadelo pós-industrial. Se tratava de intolerância e falta de ética. Cínico, cheio de ódio, totalitário, escuro.'"