24 junho 2019
Em primeiro lugar, não gostei da narração de Petra; há muita chantagem
emocional, beira o melodrama. Em segundo lugar, tenho fortes ressalvas à forma como a
autora tenta criar uma trama segundo a qual a democracia brasileira começa a
morrer nas manifestações de 2013 (que são retratadas quase como uma ingratidão
aos "anos dourados" petistas, rs), e que tudo que veio depois foi
orquestrado, desde o impeachment (talvez a parte mais interessante do filme,
porque ela filmou várias cenas dentro do Congresso), a Lava-Jato (ela acredita
na teoria da conspiração de que os EUA estão por trás da operação!) até a
eleição de Bolsonaro (que claramente foi colocado no documentário de forma
tardia, porque a autora deve ter tomado um susto com a eleição dele, e com isso
fez um "posfácio").
Em terceiro lugar, apreciei duas coisas: a estética (a fotografia é ótima) e algo que talvez nem fosse a intenção da autora: Democracia em Vertigem é um
bom retrato da perspectiva de certa esquerda brasileira sobre a ascensão e
queda de seu projeto de poder. A dramaticidade da narrativa do documentário é
aguçada pelo seu caráter autobiográfico, pois a autora tem uma relação
religiosa com a política, já que é filha de dois militantes comunistas que
viveram na clandestinidade. Ou seja, o que ela retrata é o desmoronamento da expectativa dela própria em relação ao rumo de sua vida.
Não por acaso, já li por aí - e concordo - que o
documentário deveria se chamar Esquerda em Vertigem, não só porque para certos
setores da esquerda o termo "democracia" é sinônimo de "nós no
poder" (não é à toa que, sempre que outro agrupamento político vence a
eleição no lugar deles, falam em ascensão do "neoliberalismo", do
"conservadorismo" ou até do "fascismo", numa retórica de um
maniqueísmo bem soviético), mas também porque o que o filme de fato descreve é
como certa intelligentsia de classe média/alta (com ênfase no meio
artístico) lidou com os acontecimentos políticos dos últimos anos. E o
resultado foi, para eles, desesperador: em menos de 6 anos o paraíso se
converteu em inferno, devastando todas as suas esperanças: primeiro, as manifestações populares majoritariamente contrárias ao governo que supostamente representava o povo
(junho/2013); segundo, a investigação do escândalo bilionário de corrupção que
mostrou de forma desmoralizante como a esquerda no poder recorreu - e até
ampliou - os mesmos mecanismos que durante décadas condenou (2014-2016); terceiro, o impeachment da 1ª presidente
mulher, ainda mais simbólica por seu passado na guerrilha (abril-agosto/2016); quarto, a prisão de
seu líder messiânico (abril/2018); por fim, a vitória de um candidato que
assumidamente defendia o legado da ditadura militar (outubro/2018). Se eu fosse
de esquerda - e, mais especificamente, petista - eu também entraria em colapso
depois de tudo que aconteceu.
Em suma, o documentário prega para convertidos, só reitera a
narrativa para quem já acredita nela ("golpe", "cadê as
provas", "500 anos de elite
escravista/demófoba/corrupta/oligárquica" etc.), e não se esforça em
persuadir quem discorda dela (não só quem está no outro oposto ideológico, mas
também os moderados). O tom é mais de terapia do que de documento histórico-político.