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21 setembro 2018

Teenage angst has paid off well, now I'm bored and old


Em 21 de Setembro de 1993 foi lançado nos Estados Unidos o álbum In Utero, o terceiro do Nirvana. Dois anos após o estrondoso êxito de Nevermind, que tornou a banda a mais popular do planeta, a ponto de direcionar o mercado e o público para uma maior aceitação do rock alternativo, o "power trio" de Seattle resolveu adotar uma sonoridade calcada na agressividade e urgência de discos como Surfer Rosa (Pixies) e Pod (The Breeders), ambos produzidos por Steve Albini - o qual, não por acaso, foi convidado para produzir o álbum. Há, contudo, uma influência menos óbvia, admitida por Kurt Cobain em uma entrevista em 93: In Utero também é inspirado em Red (King Crimson), um álbum de rock progressivo marcado pelas distorções no baixo e guitarra e pela elevada dinâmica sonora (isto é, a variação entre momentos mais calmos e outros mais barulhentos).
A gravação do disco transcorreu em apenas duas semanas, em Fevereiro de 1993. O lançamento, contudo, foi adiado devido à tensão entre a banda e a gravadora Geffen sobre a estética abertamente anti-comercial adotada em In Utero. O próprio Kurt, contudo, não gostou de como Albini produziu "Heart-Shaped Box", "All Apologies" e "Pennyroyal Tea" (não por acaso, as três faixas mais melódicas do álbum, e todas lançadas como singles), e pediu para Scott Litt (produtor do R.E.M.) remixá-las; no caso de "Pennyroyal Tea", a nova versão não entrou no disco, mas apenas como single em 94, algumas semanas antes da morte de Cobain. Além disso, a excelente faixa "I Hate Myself And Want to Die" foi retirada de última hora da tracklist do CD, possivelmente para evitar controvérsias sobre o seu título.
In Utero é uma contundente afirmação artística; se Nevermind foi o álbum em que Kurt Cobain conseguiu encontrar o equilíbrio entre a sonoridade alternativa e o apelo comercial, In Utero é uma opção deliberada pela experimentação estética (tanto na temática sombria das letras quanto na sonoridade pesada) em detrimento das expectativas do público.
"Serve The Servants" é uma das faixas mais desconcertantemente autobiográficas que já abriu um disco de rock: "Teenage angst has paid off well / Now I'm bored and old (...) I tried hard to have a father / But instead I had a dad / I just want you to know that I / Don't hate you anymore". O riff e o solo de guitarra estão entre os melhores do catálogo do Nirvana.
"Scentless Apprentice", inspirada no romance O Perfume (Patrick Süskind), é possivelmente a música que mais chocou os fãs casuais de Nirvana em 1993 - ainda mais por ser a 2ª faixa do CD. A bateria introdutória de Dave Grohl é outro momento marcante, assim como a distorção cavalar na guitarra e vocais de Kurt Cobain e no baixo de Krist Novoselic.
"Heart-Shaped Box", primeiro single do álbum, é uma macabra e por vezes escatológica declaração de amor de Kurt a Courtney Love: "I've been locked inside your Heart-Shaped box for weeks (...) / I wish I could eat your cancer when you turn back (...) Throw down your umbilical noose so I can climb right back". É um dos destaques do disco, e a única que ganhou um clipe (excelente, diga-se de passagem), dirigido por Anton Coribjn.
"Rape Me" começa parodiando o riff de abertura de "Smells Like Teen Spirit" (o maior hit da banda, mas que devido à superexposição Kurt odiava tocar ao vivo) para depois declamar uma letra anti-estupro, na qual o eu-lírico promete se vingar de seu algoz.
"Frances Farmer Will Have Her Revenge On Seattle" é minha faixa favorita de In Utero, pois é a que melhor representa a dinâmica sonora entre versos calmos e refrões barulhantes. A letra é especialmente cortante ("I miss the comfort in being sad"), ao traçar um paralelo entre o drama pessoal de Cobain (desde a pressão da gravadora para lançar algo tão comercial quanto Nevermind até a invasão de sua privacidade pela imprensa) com o de Frances Farmer, atriz que se rebelou contra seu estúdio e, após anos de conduta errática, foi submetida a uma terapia de choque.
"Dumb" é uma música sobre alienação, comodismo: "I'm not like them / But I can pretend (...) The day is done / But I'm having fun / I think I'm dumb / Or maybe just happy" É a música com melodia mais calma do CD, evocando uma melancolia semelhante à de certas canções dos Beatles escritas por John Lennon.
"Very Ape" começa com uma crítica ao machismo (mais especificamente, a um estereótipo de masculinidade agressiva): "I take pride as the king of illiterature / I'm very ape and very nice". Um lado de Kurt Cobain pouco conhecido é seu ativismo feminista, algo pouco comum no meio musical no início da década de 90. Não por acaso, ele era muito próximo das integrantes do Bikini Kill (inclusive era ex-namorado da baterista Tobi Vail). A segunda parte da letra, contudo, pode ser vista como uma auto-descrição: "I'm too busy acting like I'm not naive / I've seen it all, I was here first".
"Milk It" é uma das faixas mais coléricas de In Utero, e seu refrão contém versos sobre seu vício em drogas que soam sombrios dado o que aconteceu meses depois com Cobain: "I am my own parasite /I don't need a host to live (...) / Look on the bright side is suicide".
"Pennyroyal Tea" trata de um chá que Kurt tomou para diminuir suas dores estomacais; segundo uma lenda urbana, ingeri-lo em grandes quantidades poderia causar um aborto, o que serviu de metáfora para o niilismo do vocalista e letrista do Nirvana: "Sit and drink Pennyroyal Tea / Distill the life that's inside of me". É uma das melodias mais inesquecíveis do álbum, e meses depois ganharia uma bela versão acústica.
Considerando que é a canção mais experimental e anti-comercial do álbum, o título de "Radio Friendly Unit Shifter" é no mínimo irônico. Segundo a New Musical Express, ela expressava o cinismo e a desilusão de Cobain em relação à indústria musical: "I love you for what I am not / I did not want what I have got (...) / I'm nothing to do with what you think / If you ever think at all".
"Tourette's" tenta evocar em seus vocais os tiques nervosos típicos de uma pessoa que sofre da síndrome de Tourette. É a faixa mais curta e acelerada do disco, e mesmo que trate de temática tão perturbadora tem um ritmo relativamente animado.
"All Apologies", dado o suicídio de Cobain, foi freqüentemente interpretada como um réquiem, especialmente por ser a última faixa do derradeiro álbum da banda. Ela também pode ser lida como uma dedicatória, em tom de desculpa, à sua esposa Courtney e à sua filha Francis: "What else should I be? / All apologies (...) / What else could I write? / I don't have the right". Sua melodia é extremamente cativante, e o coda ("All in all is all we are") é sublime.

In Utero estreou em 1º lugar em vários países, dentre eles os Estados Unidos e a Inglaterra, mas previsivelmente vendeu bem menos do que Nevermind. Na época, embora tenha sido muito elogiado pela crítica, alguns viram o disco como o deliberado afastamento do Nirvana da liderança do grunge, em termos de popularidade, para o Pearl Jam, que na mesma época lançou Vs., cujas vendas na estréia foram 5 vezes maiores que as de In Utero nos EUA. A morte de Cobain, contudo, fez com que o álbum começasse a ser reavaliado, e 25 anos depois não são poucos os fãs e os críticos - dentre os quais me incluo - que o consideram a obra-prima do Nirvana.

 

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