Já contei a história de como comecei a ouvir Titãs em um post do ano passado. Hoje vou analisar o primeiro CD deles que comprei, mais precisamente em 1º de Maio de 1996: Domingo, que foi lançado em Novembro de 1995. Obs.: Não consegui encontrar a data exata do lançamento, mas imagino que tenha sido em 20/11, pois foi uma segunda-feira e no dia seguinte a Folha de S. Paulo fez uma resenha do álbum.
Após a turnê de Titanomaquia (1993), o disco mais pesado dos Titãs - suas canções oscilam entre o grunge e o metal -, a banda entrou em recesso. Os integrantes desenvolveram projetos solo, criaram um selo independente (Banguela, que lançou bandas como Raimundos e Mundo Livre S/A) e um deles até lançou um romance (Bellini e a Esfinge, de Tony Bellott0). Em meio a boatos de que o conjunto estaria acabando - reforçados pelo lançamento da coletânea dupla Titãs 84 94 -, os Titãs se reuniram em Abril de 1995 para começar a trabalhar em seu 8º álbum de estúdio.
Após quatro meses de pré-produção, a banda foi para o estúdio ser novamente produzida por Jack Endino, responsável por Bleach (Nirvana) e pelo próprio Titanomaquia. Endino sugeriu que a banda voltasse a tocar canções pop com arranjos roqueiros, ao invés da sonoridade suja dos dois álbuns anteriores (Tudo Ao Mesmo Tempo Agora, de 1991,e Titanomaquia): "Quando começamos a discutir sobre a gravação de 'Domingo', eu disse a eles: 'há sempre boas músicas de pop e rock em seus álbuns. Vocês não são uma banda de heavy metal, e sim uma banda de rock com boas músicas. Vamos fazer um disco de rock sólido que todos possam curtir. Vamos tentar algo diferente, mas tendo a certeza de que será bom'. Eles já estavam pensando a mesma coisa."
Outro motivo para essa guinada sonora foi que o interesse dos Titãs por um rock mais pesado já havia se exaurido - não só pela turnê anterior, em que chegaram a excursionar com o Sepultura, mas também porque Sérgio Britto e Branco Mello lançaram um projeto paralelo chamado Kleiderman, marcado por canções rápidas e agressivas.
Domingo de fato é um retorno às origens; seus refrões e riffs grudentos estão mais próximos de Titãs (1984) e Televisão (1985) do que dos álbuns mais pesados da banda, como Cabeça Dinossauro (1986). Outro ponto de referência foi Õ Blésq Blom (1989), até então o disco mais eclético da banda (e, na minha opinião, o melhor); em Domingo foi incluída uma letra de Mauro e Quitéria, adaptada por Sérgio Britto em "Rock Americano". Britto, aliás, foi o principal compositor deste álbum: ele assina 12 das 14 faixas (sendo que duas são adaptações: "Um Copo de Pinga" e "Rock Americano"); as únicas exceções são o cover "Eu Não Aguento" (da banda Tiroteio) e "O Caroço da Cabeça", composta por Nando Reis, Marcelo Fromer e o paralama Herbert Vianna.
Vamos a uma análise faixa-a-faixa:
1. Eu Não Aguento: o início da canção, assim como seu clipe, fazem uma homenagem aos Secos e Molhados. Em seguida o arranjo fica mais pesado, mas com um refrão pegajoso. Colocar essa faixa para abrir Domingo foi uma boa idéia, pois é uma transição do peso de Titanomaquia para o pop rock que predomina neste CD de 95. A participação de Sérgio Boneka no final é um momento divertido.
2. Domingo: a faixa-título é a mais viciante deste álbum. A letra é uma irreverente crítica do tédio que predomina neste dia da semana, com direito a alusões ao Programa Silvio Santos e ao comércio fechado. O riff é inesquecível, um dos melhores da história da banda. Destaque também para os vocais de Paulo Miklos. "É dia de descanso / Nem precisava tanto (...) Domingo eu quero ver o domingo acabar"
3. Tudo O Que Você Quiser: canção pop com letra romântica, mas acelerada o bastante para não destoar do resto do álbum. Recebeu alguns remixes no relançamento de Domingo em 1996, mas nenhum tão bom quanto a original, que aliás nem é uma das melhores do disco.
4. Rock Americano: parece uma continuação de "Miséria", canção de Õ Blésq Blom que tinha trechos de canções de Mauro e Quitéria. A letra é nonsense, mas gosto do ritmo: repare na linha de baixo, nas viradas da bateria e nos solos de guitarra.
5. Tudo Em Dia: única parceria com o ex-titã Arnaldo Antunes, contém uma sutil crítica social ao padrão de vida da classe média brasileira de meados da década de 90, cheia de contas para pagar, burocracias para resolver e anseios por prazeres mundanos. "Vou jantar na melhor churrascaria / Vou pedalar domingo na ciclovia (...) Vou ter CIC, eleitor, reservista, RG / Automóvel, TV / Crediário, poupança, carnê / Tudo em dia"
6. Vámonos: uma das canções mais divertidas e irreverentes já escritas pelos Titãs. A letra em espanhol é repleta de palavrões e deboches. Se há algum alvo, possivelmente é o olhar dos gringos em relação às bandas latino-americanas. O riff é ensolarado, e a "bridge" é deliciosa. "No les gusta mi color / No les gusta como hablo (...) Si nos tratan como putas / Si nos tratan como perros / Vamos, vamos, vámonos"
7. Eu Não Vou Dizer Nada (Além Do Que Estou Dizendo): eis uma das grandes letras de Domingo. Há vasta metalinguagem, com referência a canções antigas da banda; nesse sentido, "Eu Não Vou Dizer Nada" é uma herdeira de "Nem Sempre Se Pode Ser Deus" e uma precursora de "A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana". Destaque para a participação do paralama João Barone como segunda bateria. "Eu não vou falar de flores / E nem da televisão / Eu não vou falar de nada / E isso é só o que basta / Pra fazer esta canção"
8. O Caroço da Cabeça: a única faixa cantada por Nando Reis tem um tom meio reflexivo, meio otimista que é típico de suas composições. Mais uma participação especial: o solo é de Herbert Vianna! "E os ossos serão nossas sementes sob o chão / E dos ossos as novas sementes que virão"
9. Ridi Pagliaccio: assim como "Vámonos", temos aqui outra música em língua estrangeira e com letras e arranjos descontraídos; a propósito, gostei do sax de Paulo Miklos. Branco canta em italiano versos hilários como: "Ridi - non c'é diferenza / Ridi - a me non me importa / Ridi - co munque é lo stesso (...) É meglio che sia cosi / Ridi di piu, ridi di piu / Figurati!"
10. Qualquer Negócio: outra letra inteligentíssima. Um retrato ácido do tom apelativo das propagandas comerciais que circulavam na TV brasileira em meio à euforia econômica pós-Plano Real; ridiculariza-se até a febre dos importados ("Os Cavaleiros do Zodíaco estão aqui"). Um trecho macabro de "Qualquer Negócio" é quando se "noticia" a morte, prisão, desaparecimento ou seqüestro de cada um dos titãs (inclusive Arnaldo Antunes!); pode ser uma alusão direta ao episódio da prisão de Toni e Arnaldo em 85, mas também um comentário geral sobre a cobertura sensacionalista da imprensa sobre as celebridades. "Dinheiro é bom, dinheiro é bom até assim / Ainda é muito bom mesmo quando é ruim / Se você não provou, um dia ainda vai provar / É fácil dizer, difícil é acreditar / E quem é que quer ver as coisas como realmente são?"
11. Brasileiro: outra ponte sonora com Titanomaquia (inclusive conta com as participações de Andreas Kisser e Igor Cavalera, integrantes do Sepultura) mas com versos lacônicos que descrevem a "brasilidade". "Fale português / Troque de canal (...) Pule o carnaval (...) Jogue futebol / Queime sua pele / Debaixo do sol"
12. Um Copo de Pinga: vinheta que deve ter sido colocada pelas sessões descontraídas em que surgiu. De toda forma, temos aqui a saga de um cachaceiro. "No sábado eu amanheço bebendo / No domingo minha mãe disse meu filho pára de beber / Essa sina eu vou cumprir até morrer"
13. Turnê: canção autobiográfica, alude às cansativas excursões a que a banda era submetida - principalmente entre 1987 e 90, sob a batuta do empresário Manoel Poladian; aliás, ele voltou a agenciar os Titãs na turnê de Domingo, e faria a banda chegar a fazer mais de 100 shows por ano na época do Acústico (1997). "Um dia cospem na minha cara / Um dia beijam a minha mão / Meia hora pra dormir / Isso é tudo o que me dão"
14. Uns Iguais Aos Outros: eis uma letra politizada, relembrando os tempos de Cabeça Dinossauro e Jesus Não Tem Dentes No País Dos Banguelas (1987). A parceria de Miklos e Britto nos vocais remete a "Miséria" e "Deus e o Diabo", duas ótimas canções de Õ Blésq Blom. Um dos pontos fortes desta faixa é a bateria de Charles Gavin. O apelo humanitário de seus versos, em um mundo eternamente marcado pela guerra e pela intolerância, nunca perde a atualidade. "Todos os homens são iguais / Brancos, pretos e orientais / São todos iguais no fundo, no fundo / As mulheres são os pretos do mundo (...) Gays, lésbicas, homossexuais / Todos os homens são iguais"
Devido ao sucesso de Domingo, que em poucos meses superou as vendas de Titanomaquia, o álbum foi relançado em 1996, com 4 faixas-bônus: os já mencionados remixes de "Tudo O Que Você Quiser", além de "Pela Paz" (canção escrita em 1985, mas só lançada uma década depois; a propósito, recentemente ela foirelançada como 1º single de Nheengatu Ao Vivo) e do remix eletro-acústico (!) de "Eu Não Vou Dizer Nada" (produzido por Liminha, retomando a parceria vitoriosa dos anos 80 e preparando o terreno para o Acústico, que também seria produzido pelo ex-baixista dos Mutantes).
Com tudo que descrevi acima, fica difícil acreditar, mas Domingo é um dos álbuns menos badalados dos Titãs. Embora não seja uma obra-prima como a trilogia Cabeça - Jesus - Õ Blésq Blom, a meu ver ele está bem acima de discos como A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana (2001), Como Estão Vocês (2003) e Sacos Plásticos (2009), e no mesmo patamar do recente Nheengatu (2014) - eis a minha resenha dele - e de Televisão, Tudo Ao Mesmo Tempo Agora e Titanomaquia. Ao contrário destes três últimos, que após uma má recepção inicial (Televisão, devido à produção irregular de Lulu Santos e sua falta de direcionamento estético; os outros dois, pelas letras escatológicas e sonoridade pesada) cresceram na opinião dos fãs ao longo dos anos - veja, por exemplo, essa boa análise de Cleber Facchi no Miojo Indie -, Domingo continua sendo visto como um patinho feio da discografia titânica, um "álbum de ocasião".
Tal opinião negativa é compartilhada até por um titã: na época do lançamento deste disco, Sérgio Britto chegou a desmerecê-lo em uma entrevista, dizendo que a falta de comprometimento de alguns integrantes (em particular Nando Reis, que estava divulgando seu disco solo 12 de Janeiro) prejudicou o resultado final; como afirmei acima, Britto foi o principal compositor de Domingo, o que, segundo o livro A Vida Até Parece Uma Festa (Hérica Marmo e Luiz André Alzer), o levou a lutar pelo fim da assinatura coletiva das canções (isto é, simplesmente como "Titãs") que havia prevalecido nos dois álbuns anteriores. Jack Endino é um dos poucos que saiu em defesa do disco: "É o álbum dos Titãs que mais gosto e ainda guardo ótimas memórias de todo o processo de trabalho."
Minha opinião, contudo, é que, em seu ecletismo e sensibilidade pop rock, Domingo é sim um ótimo álbum. Há boas letras (principalmente "Qualquer Negócio", "Eu Não Vou Dizer Nada" e "Tudo em Dia"), melodias cativantes (em particular as de "Eu Não Aguento", "Domingo" e "Vámonos") e ligações interessantes com trabalhos anteriores da banda (p.ex., "Rock Americano"). 20 anos depois, é um disco que merece ser redescoberto.
1) o livro A Alma e as Formas (Lukács), um dos clássicos da Kulturkritik no século passado. Possui ensaios belíssimos, como o sobre Kierkegaard;
2) Mutantes (1969) e Mutantes e seus Cometas no País do Baurets (1972), os dois CDs dos Mutantes em sua formação original que me faltavam (na verdade acabei comprando três; renovei meu Jardim Elétrico [1971], já que eu tinha a edição de 92); eu já tinha, além desses três, Os Mutantes (1968) e o meu favorito, A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado (1970).
[Em off: acabei de levar um susto porque a faixa "Dom Quixote" travou num trecho; mas, limpei o CD e está tudo ok. Ufa!] Para quem duvida que a remasterização de 2006 dos CDs dos Mutantes ficou melhor que a de 1992, eu digo: a diferença é nítida. Vale a pena. O baixo de "Top Top", por exemplo, fica bem mais poderoso. Foi a mesma sensação que tive ao ouvir o remaster 2009 dos Beatles.
Agora terminou a temporada de gastos com livros e CDs. Vou fazer que nem no mês passado: passar vários dias escrevendo em casa para não sair muito, rs.
P.S.: Ah, hoje é aniversário do meu melhor amigo, o Gino. Parabéns! =)
Deixo para contar no próximo post as coisas que fiz em Agosto e Setembro. Também fica para a próxima contar do show dos Los Hermanos (e do Pato Fu) em que fui de última hora, no domingo passado.
Vou contar como foram meus dois últimos dias, para resgatar uma tradição do blog, quebrando assim a "hegemonia" das retrospectivas mensais que eu andava fazendo por aqui. Resisti à tentação de fazer tweets, pois sinto que preciso escrever mais, não posso me restringir à concisão do Twitter.
Ontem fui à Travessa do Leblon para o lançamento de A Poeira da Glória (Martim Vasques da Cunha). O bate-papo com o autor foi muito bom; gostei de ver que ele usou Mario Vieira de Mello como inspiração teórica (inclusive para sua análise sobre Machado de Assis), e o capítulo do livro dele sobre José Guilherme Merquior ("O Príncipe dos Sonâmbulos", pp. 548-560) é controverso (ele questiona o excessivo racionalismo de Merquior), mas instigante. A palestra me permitiu entender melhor o pano de fundo das críticas dele ao José Guilherme e ao Machado. Depois da noite de autógrafos, Alex, Flávio, Martim, eu e os demais fomos para o pub Escondido, em Copacabana. A conversa se prolongou até uma da manhã.
Antes do lançamento fiquei mais de uma hora na livraria procurando CDs e livros. Acabei comprando, além de A Poeira da Glória, uma coletânea dupla do R.E.M. (Part Lies, Part Heart, Part Truth, Part Garbage: 1982–2011) que eu queria adquirir há tempos, mas estava esperando achar em um preço razoável.
Hoje de manhã fui à UERJ entregar um formulário no departamento de Extensão, e depois peguei um metrô até a Cinelândia. A "comeback reunion" do laboratório de História e Literatura, que aconteceria às 16h no IFCS (obs.: o autor que leremos neste novo ciclo é Lionel Trilling!), foi o pretexto para que eu fizesse minha excursão mensal pelos sebos e livrarias do Centro. Comecei pela Livraria Cultura, onde comprei o novo disco do New Order (Music Complete) e o primeiro livro do Martim (Crise e Utopia: o dilema de Thomas More) - dei sorte, pois era o último exemplar na loja.
Depois de almoçar no Bob's, fui ao sebo Berinjela, e saí de lá com o CD Brighten the Corners (Pavement) - que tem a minha favorita deles, "Shady Lane" - e o livro Figuras da Inteligência Brasileira (Miguel Reale) - cujo capítulo final é sobre o Merquior.
A loja ao lado do Berinjela é a tradicional Livraria da Vinci; comprei duas edições da revista Dicta & Contradicta (a 4ª e a 6ª; a propósito, eu já tinha a 2ª, a 3ª, a 8ª e a 9ª) e uma edição em espanhol do ótimo livro Do Bom Selvagem ao Bom Revolucionário (Carlos Rangel); aliás, estou pensando em levá-lo para a próxima aula de Pensamento Social Latino-Americano e perguntar ao professor se ele conhece e/ou o que ele acha do Rangel...
O prédio do IFCS é contíguo às duas lojas do sebo Letra Viva. Ao contrário da última vez em que fui lá, quando comprei A Astúcia da Mímese (Merquior) e 4 CDs (coletâneas de Talking Heads, Ira! e Green Day e o Acústico MTV de Cássia Eller), hoje levei só dois discos: a trilha sonora de 24 Hour Party People (eu já tinha esse álbum, mas havia um defeito no CD quando tocava "She's Lost Control") e Isopor (Pato Fu), que tem uma das minhas prediletas (e, já antecipando o relato do show, foi a que eu mais dancei nele): "Made in Japan".
Por fim, fui ao IFCS e li um pouco, mas depois de estranhar que ninguém do laboratório chegava, fui à secretaria e descobri com uma colega que a reunião havia sido cancelada de última hora... Bom, essa notícia só não foi tão frustrante porque pelo menos o passeio pelas livrarias e sebos valeu a pena!