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30 novembro 2010

Um fim de semana em São Paulo - O Domingo Solitário

Eram aproximadamente 8 A.M. Andei um bocado até achar um ponto cujo ônibus passasse perto da estação de metrô das Clínicas. Porém, quando já estava no “bus”, eis que percebo que havia esquecido a minha carteira! Voltei, só que não conseguia encontrar o prédio em que estavam os meninos. Procuro na bolsa, e descubro que havia esquecido outra coisa: o celular! Vocês não imaginam o quanto eu fiquei preocupado! Fui à Drogaria Raia pedir ajuda; felizmente, o balconista se sensibilizou com o meu desespero e me deu um cartão telefônico. Ainda voltei na drogaria 3 ou 4 vezes – ou porque não achava um orelhão que funcionasse, ou porque sabia quais números discar para a ligação dar certo (código de operadora, p.ex.). 

Felizmente, quando liguei para o meu celular, o Luti atendeu, com uma voz estranha e sonolenta; “nevertheless”, ele me informou a rua (Mateus Gron), mas precisei para umas 5 pessoas no caminho sobre como chegar lá. Finalmente, às 9h49, encontrei o edifício e peguei carteira e celular.

A essa altura, minhas pernas já estavam bastante doloridas. Voltei à rua Teodoro Sampaio para pegar o ônibus, cheguei ao metrô, mas entrei num errado (não exatamente; apenas demorou um pouco a mais, pois ele iria para a Vila Madalena antes de voltar a se cruzar com a Azul). Quando cheguei a Santa Cruz, tive que fazer aquele mesmo percurso “200 m + 8 quadras” até chegar ao Bienal Flat;comprei uma casquinha no McDonald’s para agüentar. rs. Às 10h40, cheguei ao hotel. Uma pena que foi 10 minutos depois do fim do café da manhã... Morrendo de sede, mas pão-duro demais para comprar algo do frigobar, tomei água da pia do banheiro mesmo.

Depois da experiência tragicômica que foi tomar água da pia (aliás, era limpinha, rs!), finalmente fui dormir. Acordei às 13h, porque minha mãe ligou para mim. Uma vez mais, fui sincero (é incrível como não consigo guardar segredos, ainda mais para minha mãe) e contei até do episódio da carteira/celular. Sono perdido, resolvi almoçar. Como a última coisa que eu faria era andar atrás de um restaurante, pedi McDonald's pelo telefone do hotel: 2 cheeseburgers e 1 milk-shake de chocolate. Não sei se era a fome ou a sede, mas o lanche estava ótimo! Liguei o ar-condicionado para me sentir mais "puro luxo" ainda, hehe.

Voltei ao cochilo; acordei às 15h para me arrumar. Banho, pasta reorganizada, descer para recepção. A guia da Gtf nos buscou. A viagem seguia tranquila, até que um dos "3rd ages" dos 2º dos três hotéis desta excursão disse que havia esquecido o ingresso. Somado ao fato de que uma outra idosa aproveitou para subir e ir ao banheiro, isso causou a ira de muitos. Achei até deselegante e sem educação a atitude de um deles, que gritou com a guia. 

Enfim, chegamos em torno das 17h30 ao Morumbi, e com um golpe de sorte e malandragem, eu pude chegar rapidamente no meu lugar. Como? Tinha encontrado a fila para o portão 15 (a arquibancada vermelha era nele), quando vi Luísa, uma amiga da Isabella. Aproveitei a conversa para "cortar" fila. Como ninguém reclamou (exceto 2 jovens, ainda assim num tom gaiato), aproveitei. A fila já estava em movimento, então logo estávamos no estádio. Depois de todo o procedimento, nova sorte: achei um lugar na 1ª fila das arquibancadas. Conheci uma moça e um rapaz que eram irmãos (aliás, durante um bom tempo pensei que eles eram namorados!) [Só fui desconfiar quando notei que não havia contato físico ou "cumplicidade"] Gostei deles; nice people. 

Gastei 22 reais por lá; Ruffles (R$ 6!), 2 Pepsi (5 reais cada) e 2 águas (R$ 3,00 each one). Até que a espera pelo show não demorou tanto. Eis um "momento metalinguístico": foi graças a esse caderninho! Ficar "filosofando" ajudou a passar o tempo. [Qualquer dia publico no blog a digressão sobre a solidão que fiz em torno das 19h; por enquanto, mas uma breve nota 'live from St. Paul]:

"Já estou na minha arquibcanda! Peguei uma na 1ª fila do meu setor (15B, arquibancada vermelha). A vista é até boa; nem senti necessidade de comprar binóculos. Faltam poucas horas p/ o show."
 
Poucos antes de começar o show, a polícia veio organizar o espaço, pois muita gente estava sentada nas escadas. Incrível como, em poucos minutos, eles conseguiram liberar o “corredor vertical”!

Paul teve pontualidade britânica; começou às 21h30 mesmo. Lá estava eu, com minha camiseta preta GG, com um logotipo minimalista dos Beatles, cachecol preto, jeans azul-escuro, botas All-Star, na grade da arquibancada, morrendo de medo de deixar meus óculos de grau caírem – tanto é que não foi esse o show em que mais pulei nesse fim de semana (provavelmente o “vencedor” foi of Montreal).

O show foi genial, do início ao fim: “Venus and Mars”, “Rock Show”, “Jet” (muito melhor ao vivo do que na versão de estúdio). “All My Loving” (adorei o vídeo com cenas da época da Beatlemania). “Highway”, “Drive My Car” (já notaram o quanto a letra dela é sugestiva?), “Let Me Roll It” (Paul troca o baixo pela guitarra), “The Long And Winding Road” (por ser uma balada, vieram os teclados), "1985", "Let Me In", "My Love" (linda!), "I've Just Seen a Face" (já com o violão, esta é bem animada), "And I Love Her" (não esperava! Adoro-a), "Blackbird", "Here Today" (homenagem a John), "Dance Tonight" (bandolim; fofinha, rs), "Mrs. Vanderbilt", "Eleanor Rigby", "Something" (banjo? Enfim, clássico do George), "Sing the Changes",  "Band on the Run" (uma das melhores dos Wings), "Ob-la-di, Ob-la-da", "Back in the USSR" (duas do White Album), "I Gotta Feeling", "Paperback Writer", "A Day in the Life" (antológica!), “Give Peace A Chance”, “Let It Be”, “Live And Let Die” (fogos de artifício!), “Hey Jude” (fim do repertório 'normal'; o "Da-da-da" foi emocionante), "Day Tripper" (grande riff para abrir o 1º bis!), "Lady Madonna", "Get Back", “Yesterday” (início do 2º bis), “Helter Skelter” (só mesmo o Paul para tocar sua música mais pesada depois da mais delicada), “Sgt. Pepper’s (Reprise)” e “The End” (chave de ouro para encerrar o melhor show da minha vida).

[Como alguém, aos 68 anos de idade, consegue fazer um show com quase 40 canções e 3 horas de duração? Só mesmo Paul McCartney para continuar tão carismático, brilhante e alegre. Entre quase todas as músicas, ele conversava com o público, improvisando o português, fazendo caras e bocas (a cena do suspensório foi hilária, assim como a em que ele fingiu que tinha ficado surdo). Inesquecível: é isso que eu tenho a dizer.]

[Voltamos para o hotel, e fui dormir às 2h. A seguir, at the airplane:]

“Estou no avião, aguardando a decolagem. Nem preciso dizer que o show do McCartney foi perfeito, certo? 3h, 40 músicas e um artista que, mesmo aos 60 anos, ainda revela alegria e prazer em tocar. Carismático, multi-instrumental, divertido.”


Dormi das 2 às 7h, arrumei minhas malas enquanto passavam bons clipes na MTV (inclusive “Atmosphere” – Joy Division). Tomei um café-da-manhã completo – queijo com goiabada, pão três-queijos, cappuccino (café, leite e chocolate em pó), pão de queijo e peito de peru. Como já estava na portaria às 8h30, pude ir para o aeroporto 1 hora antes do previsto. Comprei revistas [uma Trip e uma Playboy, rs], joguei Pokémon White e descobri que o São Paulo tomou de quatro do Fluminense (que é o novo líder). [Uma semana depois, ainda o é]

O vôo atrasou um pouco, cerca de 15 minutos [na verdade, foi 1 hora]. No trouble at all; de qualquer maneira, só preciso estar na UnB às 16h. [Usando a chuva como desculpa, acabei nem indo a esta aula, haha]

Este fim de semana, como eu já esperava, foi espectacular. Curiosamente, os dois dias apresentaram forte contraste: “sábado social”, “domingo solitário”... [Não sei se vocês sacaram, mas, ao contrário do dia 20, não encontrei/saí com nenhum amigo no dia 21/11; fiz tudo “by myself”]

[Posfácio: no ônibus do aeroporto para minha quadra, reencontrei uma garota em cuja festa, Cansei de Ser Cult, eu havia tocado, em 13/5... que baita coincidência, não? Tivemos uma boa conversa no caminho]

29 novembro 2010

Um fim de semana em São Paulo - O Sábado Sociável

(Relato de viagem, escrito entre 20 e 24 de Novembro no meu 'caderninho')

Este fim de semana, como eu já esperava, foi espetacular. Curiosamente, os dois dias apresentaram forte contraste: "sábado sociável, domingo solitário".

Assim que cheguei ao hotel, às 11h40, liguei para todos os meus amigos/as que também estavam em SP. Consegui falar com a Camila, mas foi com a Isabella com quem saí para almoçar e passear. Andei 8 quadras e depois mais 200 metros até chegar à estação de metrô de Santa Cruz (linha azul). Depois, peguei a vermelha para chegar em Anhangabaú (ô, nome complicadinho...). Encontrei minha amiga e fomos para o Shopping Light. Almoçamos em um fast food japonês; comi temaki (ou seria sushi?) e sashimi, e tomei mate-shake no Rei do Mate. Em seguida, fomos à Galeria do Rock, onde comprei:

- 5 CDs. Na Zeitgeist: "Closer" - Joy Division e "Doolittle" - Pixies. Na Velvet Discos: "Crooked Rain, Crooked Rain" - Pavement, "Blur" - Blur e "Coming Up" - Suede.

- 2 camisetas dos Beatles, sendo uma para minha mãe e a outra para mim (inclusive a vesti para o show do Macca). 

Ah, sim, eu estava vestido com minha camiseta do LIBER neste sábado. Será que ser libertário é indie/cult/hype? =D

Em torno das 15h30, estávamos na estação de metrô; minha amiga, para voltar para casa (no dia seguinte, ela iria ao show do Lou Reed), e eu, para ir ao Planeta Terra. Desloquei-me até Barra Funda, onde por sorte o pessoal do portal Terra estava oferecendo ônibus de graça até o Playcenter. Eis o meu relato 'ao vivo':

"Estou no ônibus (de graça!) para o Playcenter. Nunca vi tantos indies reunidos num mesmo espaço! Dia está sendo "awesome". Comprei 5 cds por R$ 120,00 (inclusive 2 que minha ex tinha arranhado, rs), e 2 camisetas dos Beatles (sendo 1 p/ minha mãe). Almocei e fui na Galeria do Rock c/ a Isabella. Comi sushi e sashimi! O metrô de SP é sensacional.

Amei essa cidade! Cosmopolita à enésima potência! Mal posso aguardar pelos shows! Bem que podia ter 1 chapelaria p/ eu guardar minha pasta/bolsa... se não for o caso, tenho que segurá-la ao máximo, já que minha vida está nela - o que inclui a "chave" (na verdade, cartão) do hotel. Tomara que eu encontro Luti, Isadora, Camila e cia. no Playcenter!

Nem preciso dizer que estou eufórico, right?"

Chegar cedo teve suas vantagens, pois praticamente não peguei fila. A essa alturar, já eram 16h15, 16h30. O Mombojó já estava tocando; aliás, uma coisa que marcou o festival foi a pontualidade dos shows. Aproveitei para ir à montanha-russa, já que ainda não tinha encontrado nenhum "aquaintance" por lá. 

Que experiência! Eu não conseguia nem gritar às vezes, de tanta adrenalina! Como a fila dela cresceu exponencialmente já alguns minutos depois, não pude (ou quis) ir pela 2ª vez. Tirei umas fotos e circulei pelo Playcenter; nunca vi tantas garotas bonitas em um só lugar! Era o paraíso para os meus olhos, rs!  Depois, deitei-me em uma almofada no gramado de um "espaço relax" (lounge?) por lá. Tinha até internet de graça.

Vi por lá até meu ex-professor Raul e, aproximadamente às 18h30, encontrei parte da "caravana indie de POL": João, Matheus Vinhal e uma amiga deles - e, minutos mais tarde, Murilo. Conversamos, e às 19, começou aquilo que o Estadão chamou hoje (22/11) de "a parada gay no Planeta Terra": dois shows 'aloka', of Montreal e Mika.

O primeiro foi sensacional; o vocalista [Kevin Barnes] vestiu-se de menina, com saia rosa, faixa na cabeça, meia-calça azul (o uverde?) e muitos pulinhos e gritos emboiolados. O repertório foi muito bom; identifiquei 8 músicas de que gosto, sendo 4 do Hissing Fauna [“Suffer for Fashion”, “Heimdalsgate as a Promethean Curse”, “Gronlandic Edit” e “She’s a Rejector”], 2 do novo álbum [False Priest -> “Coquet Coquette” e “Sex Karma”] e 2 do de 2005 [The Sunlandic Twins -> “The Party’s Crashing Us” e “Wraith Panned to the Mist & Other Games”].

Um dos destaques do show foi o seu forte caráter cênico: além dos efeitos gráficos nos telões, muitos atores fantasiados fizeram performances, representando desde um açogueiro correndo atrás de porcos até bonecos andróginos brincando de “throw the baby”; ah, o vocalista, quando eles estavam “brigando”, beijou um dos deles para fazer as pazes (e eles se beijaram também, rs). Enfim, of Montreal fez um show glamouroso.

Falando em glamour, meia hora depois tivemos Mika, cujo armário deve ser transparente, hehe. Ele tocou 7 ou 8 faixas que eu conheço; destaque para “Blame It On The Girls” [boa interação com a platéia], “We Are Golden”, “Love Today” e “Grace Kelly” (“katching!”). O momento mais engraçado do show foi quando ele “matou” a banda inteira, “suicidando-se” depois. Mika é só simpatia! Além disso, ele tem um nome trocadilhável (no início do show, engraçadinhos gritavam: “Pica!”; no final, muitos pediam: “Fica!”).

Já eram mais de 21h quando eu, morrendo de sede e fome, acabei saindo do local em que estávamos para comprar algo. Não reencontrei o pessoal com quem eu estava. Tomei um picolé de limão, e voltei para aquela lounge para descansar as pernas. Andei um pouco e, quando ouvi “Lisztomania”, percebi que o show do Phoenix havia começado. Lá pela 2ª ou 3ª música, uma garota morena clara de mechas loiras veio me perguntar se eles já haviam tocado a canção supracitada.

A partir disso, entabulamos (é essa a palavra?) uma conversa que, em meio aos shows, se estendeu pelas próximas 4 horas. Ela está no 1º ano de Publicidade na Universidade Belas-Artes, fez 18 anos na semana passada [retrasada – este trecho do relato foi escrito em 22/11] e gosta de várias bandas que eu também curto.

Antes que perguntem: não fiquei com ela, por alguns motivos. Os principais são: 1 – Ela não demonstrou interesse lascivo (maneira polida de dizer que ela não deu mole); 2 – Ela era muito gentil e serelepe para que eu quisesse estragar ou arriscar tudo “sugerindo algo”; 3 – Ela fuma, é dois anos mais nova que eu e não gosta de ler – três coisas que vão contra meu padrão/gosto quanto a garotas. Não “rolou”, mas ainda assim adorei passar meu tempo com ela. Gosto gradualmente mais de ter companhias femininas de forma assexuada, haha.

Depois do show do Phoenix (o qual, aliás, foi bom; como eu previa, fecharam com “1901”; porém, ao contrário do boato espalhado na 6ª feira, o Daft Punk não apareceu por lá...) [eles também tocaram outras duas de que gosto, “Fences” e “Lasso”, e outras que comecei a gostar a partir do show – “Girlfriend” e “If I Ever Feel Better”], procuramos e achamos um menino que ela havia conhecido por lá. Assim como eu, e ele é muito fã de Pavement. Nós três voltamos para o Sonora Stage para o show do “Pavê”. Ficamos em um bom lugar; dava para enxerger razoavelmente bem a banda.

Aliás, a performance deles foi a melhor da noite. Stephen Malkmus estava “na dele”, em uma atitude shoegazer e autossuficiente, mas foi competentíssimo nos vocais e guitarra; o baixista deles é divertido [o baterista parece o ator Seth Rogen, o guitarrista usava boina e era meio bonachão], mas o destaque mesmo foi Bob Nastanovitch. O “Will Ferrell indie” tocou pandeiro, bateria, gaita, teclados, cantou e aloprou (principalmente em “Unfair”)! Eis um autêntico e hilário “faz-tudo”. Eu não sabia disso, pois vi poucos clipes ao vivo do Pavement. Logo, o “fator surpresa” contribuiu para que eu adorasse esse show. As melhores: “Grounded”, “Stereo”, “Shady Lane”, “Stop Breathin’”, “In The Mouth A Desert” e “Range Life” [ a polêmica canção que zoa os Smashing Pumpkins].

O garoto foi embora, sobrando eu e a já citada menina. Sentamos um pouco. Ela teve que ir embora às 2 da manhã, portanto ficou só na 1ª meia hora do show dos Pumpkins. Confesso, no entanto, que grande parte do que veio a seguir me impeliria a dizer a ela: “Não perdeu nada”. Dentre as 10 primeiras faixas, só 3 clássicos (“Today”, “Ava Adore” – em versão roqueira, com maior ênfase no baixo – e “Bullet With Butterfly Wings”), 1 semi-clássico (“Tarantula”) e o resto... rock “progressivo” , com mutiso solos de guitarra e bateria.

Com o perdão da jocosidade, mas achei aquilo uma “punhetagem”! Billy Corgan ainda é emocionalmente uma criança [“nature kid”, diria o Pavement], querendo se fazer de difícil e “messias”. Até brinquei com uma menina que estava perto de mim que ele “teve seu dia de Kurt Cobain” (anti-show, jams, não tocar hits, ficar mostrando o dedo do meio...). Foi só nos 33% finais do show que ele resolveu tocar o que era relevante: “Drown”, “Cherub Rock”, “Zero”, “Stand Inside Your Love” e “Tonight, Tonight”. Depois dessa seqüência, até perdôo o bis com a acéfala “Heavy Metal Machine”.

Um dos spotlights do show foi a linda baixista [Nicole Fiorentino], que além do visual dark, toca bem! Encerrado o show dos Pumpkins, liguei para o Murilo (que atendeu, mas já tinha ido embora do Planeta Terra), Camila (não atendeu) e Luiz Fernando (atendeu; encontrei-o na praça de alimentação). Como não tinha como ir embora àquela hora (quase 4 A.M.) para o hotel, resolvi sair com o Luti, o Arthur e o Giuliano. Ainda apareceu a Patrícia, amiga deles. Na saída, comprei uma camiseta do Pavement, cuja foto era a capa do “Slanted & Enchanted”. Fomos para uma festa na Fun House que seria de graça, MS parece que a prometer encerrou a entrada de novas pessoas às 4h30, um pouco antes de chegarmos. “Fail”. Aí, os meninos, a essa altura com mais odis amigos deles (um doidão, cujo nome ainda não sei, e o Batista) resolveram ir para a Augusta. Pressenti o pior, mas as coisas foram muito mais tranqüilas do que a minha paranóia previa. Ficamos num bar; eles beberam, observarem uma menininhas bonitinhas (para não dizer outra coisa...) que estavam por lá, conversaram sobre banalidades etc.

Resolvemos ir à casa do Batista. Antes disso, passamos no Pão de Açúcar. No caminho, uma hilária conversa na janela do carro umas garotas tão bêbadas quanto eles. Chamaram eu, o Arthur e o Luti, de “fefelechentos” [referência à faculdade de Humanas da USP], rs. Já no apartamento, eles foram fumar na sacada. Eu fiquei “on my own”, aproveitando para comer um Hot Pocket, tomar um refrigerante, escovar os dentes, usar o banheiro, tentar cochilar, escolher umas músicas no Winamp e, finalmente, resolver ir embora. Antes, mais uma nota ao vivo no caderninho:

"Não durmo há mais de 24h! Planeta Terra foi perfeito! O melhor show foi o do Pavement, claro. Tocaram cerca de 20 músicas, cobrindo todos os discos."

(Continua...)

28 novembro 2010

O Cultivo da Liberdade em "A Montanha Mágica"

(Em 1º e 2/12, após reunião com o PET/POL, correções foram feitas em relação ao texto original. Por exemplo, mudança de título - o anterior era "O Sentido da Liberdade em 'A Montanha Mágica' - e notas de rodapé.)

O Cultivo da Liberdade em “A Montanha Mágica”

Kaio Felipe

“O homem não vive somente a sua vida individual; consciente ou inconscientemente participa também da vida de sua época e dos seus contemporâneos.”

(Thomas Mann)

1. A Chegada: propósitos e objetivos

O que pensar e como agir, quando se vive em uma época de profunda crise intelectual e moral? É possível não se contaminar por tal atmosfera enferma e desoladora? E como ser livre em um mundo no qual a própria liberdade parece estar gradualmente em xeque? Estas são algumas das questões que possivelmente motivaram o escritor Thomas Mann (1875-1955) na criação de “A Montanha Mágica”, uma das obras-primas da Literatura do Século XX.

O romance tem como protagonista Hans Castorp, jovem engenheiro de temperamento paisano que, em visita ao primo enfermo em um sanatório nos Alpes suíços, recebeu o castigo (ou dádiva?) de passar vários anos de sua vida no local, após descobrir que tem tuberculose. Ao longo de sua estadia, ele aprende mais sobre si mesmo e o mundo à sua volta. Segundo o próprio Mann, ele é um personagem medíocre, sem qualidades distintas ou qualquer atributo de especial. Porém, sua mediocridade não se refere à inteligência ou personalidade, mas simplesmente aos impedimentos de seu contexto histórico e social. Nas palavras do narrador:

O indivíduo pode visar numerosos objetivos pessoais, finalidades, esperanças, perspectivas, que lhe dêem o impulso para grandes esforços e elevadas atividades; mas quando o elemento impessoal que o rodeia, quando o próprio tempo, não obstante toda a agitação exterior, carece no fundo de esperanças e perspectivas, quando se lhe revela como desesperador, desorientado e falto de saída, e responde com um silêncio vazio à pergunta que se faz consciente ou inconscientemente (...) pelo sentido supremo, ultra pessoal e absoluto, de toda atividade e de todo esforço – então se tornará inevitável, justamente entre as naturezas mais retas, o efeito paralisador desse estado de coisas, e esse efeito será capaz de ir além do domínio da alma e da moral, e de afetar a própria parte física e orgânica do indivíduo.” (Mann, 2000, p. 47-48)

Percebemos, assim, que este romance, por mais épico que seja, tem como “herói” um personagem que tem poucos atributos (força, coragem, ímpeto...) de alguém tido como “heróico”. Esta é a 1ª de várias paródias angustiantes que Thomas Mann fará ao longo de “A Montanha Mágica”, uma obra que, assim como a I Guerra Mundial (acontecimento que a inspirou), combina tradição e modernidade; situa-se entre a Belle Époque que estava sendo sepultada e os Tempos Sombrios que emergiam das trincheiras.

Este artigo se propõe a discutir como este romance pode iluminar a compreensão do conceito de Liberdade. Esta é um dos temas centrais do livro, estando presente tanto nas perspectivas de personagens como Settembrini (literato de idéias liberais e iluministas) e Naphta (jesuíta cuja visão de mundo é radical e niilista) quanto nas reflexões suscitadas no decorrer da trama, como o seu desfecho bélico. Portanto, “A Montanha Mágica” será tanto fonte quanto objeto de estudo deste texto; pretendemos demonstrar a relevância do Humanismo[1], visão de mundo que é recorrente neste livro, como chave de compreensão do mundo moderno.

Nosso pressuposto é o fato de a Literatura ser fonte rica de conhecimento social e humano, constituindo “um saber acerca das motivações, sentimentos e paixões dos seres humanos, cujo valor cognitivo se coloca acima da dúvida sensata” (Gusmão, 2007, p. 251). Podemos pensar a Política por meio da Arte – na medida em que o artista possui a capacidade de “expressar poeticamente a sua sociedade” (Chaia, 2007, p. 13) -, e não apenas como objeto científico.

O fetiche pelo status de Ciência Política freqüentemente desqualifica como “conhecimento pré-científico” tudo o que recorra a outras fontes de saber, como a Literatura e a Filosofia Moral. É nesse sentido que criticamos o monismo epistemológico – ou seja, a idéia unificada de ciência, segundo a qual a área de Humanidades deve prezar por métodos similares aos utilizados nas Ciências Naturais. Para os monistas, só se pode tratar aprofundadamente de temas da Política caso o conhecimento produzido envolva métodos científicos.

Em seu lugar, optamos por uma forma de separatismo epistemológico, para o qual a imprevisibilidade intrínseca à ação humana exige uma metodologia mais focada na “compreensão” do que na “predição”; ou seja, estamos mais preocupados com a percepção e apreensão dos fenômenos estudados do que com a busca por leis e generalizações.[2]

Discordamos, contudo, do outro tipo de separatismo, o qual, embora rejeite o monismo, também insiste no caráter eminentemente científico da teoria social, alegando que esta opera “uma ruptura efetiva com o chamado conhecimento do senso comum, com o saber da vida cotidiana” (Gusmão, 2007, p. 251).

Destarte, defendemos que muitas das mais valiosas descrições (se o propósito da pesquisa é empírico) e avaliações (se o estudo é de caráter normativo) sobre temas políticos estão presentes em autores como Goethe, Dostoiévski, Thoreau e o próprio Mann. A Teoria Política – assim como a Sociologia e a Ciência Política em geral – têm muito a ganhar caso se abram às possibilidades trazidas por fontes de conhecimento que prezam mais pela reflexão humanística do senso comum do que pela (suposta) sofisticação e rigor no uso de conceitos herméticos advindos de abordagens que vão desde o positivismo até o pós-estruturalismo [3].

Um dos expoentes contemporâneos deste resgate dos clássicos humanistas é Jon Elster, que recentemente afirmou: “Encontrei minhas hipóteses nas obras dos filósofos moralistas franceses do século XVII e procurei verificá-las na psicologia e na economia do século XX”. [4]

Quanto à estrutura do artigo, faremos o seguinte trajeto: primeiro, apresentaremos os conceitos de Liberdade para cinco autores da Filosofia Moral e da Teoria Política; depois, definiremos “Bildung” e “Bildungsroman demonstrando como são decisivos para se compreender a visão de mundo apresentada por Mann; nos capítulos seguintes, procuraremos ecos das concepções de Liberdade apresentadas nos três personagens principais de “A Montanha Mágica”. Esperamos que, ao final do texto, seja possível refletir melhor sobre as questões lançadas no primeiro parágrafo.

2. Operationes Spirituales: Cinco Conceitos de Liberdade

Algumas definições prévias são importantes para o desenvolvimento do artigo. A primeira delas diz respeito ao que entendemos por Liberdade. Mesmo conscientes de que esta é uma discussão muito ampla e fértil, escolheremos apenas cinco pontos-de-vista.

Isaiah Berlin, em “Dois Conceitos de Liberdade”, apresenta uma distinção entre “liberdade positiva” e “liberdade negativa”. Embora sua dicotomia apresente certas limitações[5], ela facilita nossa compreensão da diferença entre a liberdade em suas expressões cívicas e explicitamente políticas e as dimensões mais privadas e individuais. Além disso, atualiza um debate que remonta a Benjamin Constant, que há dois séculos já procurava distinguir a “liberdade dos antigos” da “liberdade dos modernos”.

Em suma, liberdade positiva consiste em “ser-se amo e senhor de si mesmo”; ou seja, “a auto-realização, ou auto-identificação com um princípio ou ideal específicos.” (Berlin, 1981, p. 142-145) Já a liberdade negativa significa estar livre de coerção, partindo do princípio de que o indivíduo tem o desejo de não sofrer imposições sobre sua privacidade. A vertente positiva está mais ligada à questão da cidadania e trespassa autores como Aristóteles e Rousseau[6]; já a negativa é de âmbito individual, e pode ser visualizada em Locke, Mill e o próprio Constant[7].

A segunda visão é a de Stuart Mill, que eternizou uma concepção intimista da liberdade, definindo-a como “buscar seu próprio bem à sua própria maneira” (Mill, 2003, p. 72). Trocando em miúdos: sobre o seu próprio corpo e mente, o indivíduo é soberano. Além disso, o estabelecimento de limites às ações dos outros é importante para que as ações de uns não constranjam o comportamento dos demais. Não restam dúvidas de que, em “On Liberty”, este autor afilia-se à chamada liberdade negativa, pois enfatiza o direito do indivíduo de não ser coagido, mesmo quando é minoria.

Hannah Arendt discordaria de Mill, alegando que a teoria da liberdade como própria do domínio da consciência é fruto de uma perda da liberdade política; afinal, as origens dessa visão remontam aos anos de decadência do Império Romano. Para a autora, “o homem nada saberia da liberdade interior se não tivesse antes experimentado a condição de estar livre como uma realidade (...) tangível” (Arendt, 1972, p. 194). Ela propõe uma concepção mais cívica e ativa e menos individualista da liberdade; aproxima-se, assim, da vertente positiva da dicotomia de Berlin. Segundo Arendt, a liberdade é inerente à ação humana, sendo interdependente, e não oposta, à política.

A quarta perspectiva, de Friedrich Nietzsche, contrasta tanto com o individualismo liberal de Mill quanto com o viés republicano de Arendt. Para ele, a liberdade é, acima de tudo, vontade de poder; em outras palavras, ela é expressão de nossos instintos, uma rejeição da abnegação e da auto-renúncia. Elitista, Nietzsche critica a “igualdade de direitos” propagada pela moral cristã e burguesa; considera-a antinatural. Para ele, “independência é algo para bem poucos – é prerrogativa dos fortes” (Nietzsche, 2005, p. 34). Portanto, ser livre é se emancipar de tudo o que nos restringe (compaixão, pátria, virtude...); é preciso provar ser destinado à independência e ao mando.

Por último, há uma concepção seminal para o Liberalismo Alemão, sendo também aquela que mais se aproxima da apresentada pelo próprio Thomas Mann. Na obra “Os Limites da Ação do Estado”, Wilhelm von Humboldt define liberdade como “a possibilidade de uma atividade variada e indefinida” (Humboldt, 2004, p. 133); é ela que nos permite a espontaneidade e o pleno aprimoramento pessoal – e, conseqüentemente, a originalidade (personalidade).

A individualidade floresce por meio da combinação da “variedade de situações” – já que a pluralidade é fundamental no desenvolvimento da sensibilidade humana – com a liberdade, sendo esta uma “indispensável condição que semelhante desenvolvimento pressupõe.” (Idem, p. 143) Verificamos neste autor, portanto, três palavras-chave: individualidade, pluralidade e personalidade, sendo que o cultivo das duas primeiras permite a terceira.

3. Bildungsroman: o romance como formação cultural e humanística

Outro conceito importante, também presente em Humboldt, é o de “Bildung”. Ela é “a formação para a autonomia, que não pode ser transmitida como os conteúdos propriamente educacionais” (Fontanella, 2000, p. 17). Ou seja, é uma formação em amplo sentido, análoga à “Paidéia” grega[8]. Outra boa definição foi feita por J. W. Burrow: “a realização de uma individualidade nutrida pela diversidade da experiência” (Humboldt, 2004, p. 76).

Humboldt defende que “a verdadeira finalidade do Homem (...) é a da formação a mais alta e harmoniosa possível de suas forças em direção a uma totalidade completa e consistente” (Idem, p. 143). Pode-se dizer que “Humboldt exprimiu um tema liberal profundamente sentido: a preocupação humanista de formação da personalidade e aperfeiçoamento pessoal. Educar a liberdade, e libertar para educar – esta era a idéia da Bildung, a contribuição goethiana de Humboldt à filosofia moral” (Merquior, 1991, p. 31).

Podemos elencar outros pensadores alemães para esta discussão. O diálogo entre os artistas Goethe e Schiller foi fundamental na disseminação do ideal da Bildung. A amizade entre eles foi decisiva não apenas para consolidar o Classicismo alemão, mas também para apresentar, em termos literários, o que seria este “auto-cultivo”. Para Fontanella, “Schiller foi o maior incentivador da redação (...) de Wilhelm Meister, sendo sua correspondência com Goethe à época de redação um dos comentários mais instrutivos ao romance” (Fontanella, 2000, p. 6)

Seguindo esta linha de raciocínio, entendemos o “Bildungsroman” como “o gênero de romance que se foca no desenvolvimento psicológico e moral do protagonista, da infância à fase adulta” [9]. Dentre vários exemplos de romances de formação, destacaremos dois. A obra seminal do gênero é do próprio Johann von Goethe: “Os Anos de Aprendizagem de Wilhelm Meister” (1796), cujo protagonista, erudito, ambicioso e movido por idéias estéticas, chega a participar de uma companhia de teatro. O segundo é do irlandês James Joyce: “Retrato do Artista quando Jovem” (1914). Este livro conta a trajetória, repleta de fluxos de consciência, de Stephen Dedalus – para muitos um alterego do amadurecimento do próprio Joyce.

A importância deste estilo literário é considerável, pois recupera elementos do gênero épico, combinando-o com o lírico ao mesclar autobiografia com o retrato de uma sociedade. Além disso, preocupa-se simultaneamente com a ética (os valores adequados para o pleno desenvolvimento humano) e com a estética (a apreciação daquilo que é belo e/ou sublime). Embora de feições tipicamente alemãs (Dumont, 1994) – por exemplo, na tensão entre razão e sensibilidade -, o romance de formação, ao longo do século XX, tornou-se literatura universal, traçando caminhos que atravessam desde a busca pela espiritualidade (“Siddharta”, de Hermann Hesse) até a ficção científica (“Laranja Mecânica”, de Anthony Burgess).[10]

“A Montanha Mágica” possui várias características de um “bildungsroman”. Em primeiro lugar, possui um caráter pedagógico, pois o protagonista, ao longo de sua trajetória apreende ao máximo a experiência humana: o amor, a ciência, a política, a arte, a filosofia, a fé e o próprio tempo. Graças a seus companheiros de sanatório, Hans Castorp entra em contato com toda a produção e a reflexão culturais em relação às quais pouco se importara até então. Além disso, ele integra-se aos hábitos e costumes daquela sociedade ao longo da trama.[11]

Porém, Thomas Mann também traz um debate sobre a Modernidade, com as várias correntes, apologéticas e críticas, confrontando-se ao longo da obra, em uma verdadeira Torre de Babel filosófica. O escritor demonstrava grande interesse pelas obras de Nietzsche e Schopenhauer[12], e construiu situações e personagens nos quais são fundamentais as idéias centrais de ambos os pensadores, como a ênfase na “vontade” e a crítica aos limites da razão humana.

Já foi dito que “A Montanha Mágica” é o romance “em que se pretende representar o declínio fatal da civilização alemã e européia do século XIX rumo à Primeira Guerra Mundial, o naufrágio de seu ideal de cultura.” (Fontanella, 2000, p. 8) De fato, Mann, durante a maior parte da guerra, assumiu posições conservadoras (como a defesa do II Reich alemão), ou até de não-engajamento – vide as suas “Reflexões de um Apolítico”. Sua visão contrastava com a de seu próprio irmão, o ativista socialista Heinrich Mann. Porém, nos últimos meses do conflito, ele desiludiu-se com os rumos de seu próprio país – e da Europa em geral -, e iniciou uma transição ideológica para o social-liberalismo. “A Montanha Mágica” é um registro dos primórdios da mudança de visão de mundo de seu autor.

Assim como este romance se enquadra na categoria de “Bildungsroman”, também podemos afirmar que Mann foi um “prototípico intelectual da Bildung” - mesmo quando suas posições ideológicas mudaram e ele passou a defender a “politização do espírito” e “a consideração simultânea dos dois lados da liberdade: a pessoal e a política” (Souza, 2000, p. 150).

Quanto ao caráter pedagógico e filosófico deste livro, podemos visualizar os conceitos já discutidos no trecho a seguir. O narrador trata do “placet experiri”, que é a preocupação em aprender e descobrir mais sobre si mesmo e a realidade de uma forma lúdica e empírica:

“Hans Castorp pressentia, (...) com absoluta nitidez, que essas experiências, fosse qual fosse o rumo que tomassem, não poderiam levar a um fim não insípido, não incompreensível, não desprovido de dignidade humana. Assim ardia por fazê-la. (...) O princípio do placet experiri (...) continuava arraigado em Hans Castorp. Aos poucos coincidia a sua ética com a sua curiosidade, o que, na verdade, sempre fizera; com essa mesma curiosidade irrestrita, própria de um viageiro ávido de formação, que, ao saborear o mistério da personalidade, talvez já se achasse próxima do domínio que agora se lhe deparava, e a qual revelava uma espécie de espírito militar, por não se esquivar da esfera vedada...” (Mann, 2000, p. 904-905)

Esta reflexão nos remete à carta em que Friedrich Schiller discorreu sobre o impulso experimental que caracteriza a liberdade humana: “o homem joga somente quando é homem no pleno sentido da palavra, e somente é pleno quando joga” (Schiller, 2002, p. 80).[13]

4. Settembrini, o pedagogo iluminista

Lodovico Settembrini: eis um personagem paradoxal. O mesmo homem que diz que "a liberdade é a lei do amor humano, e não o niilismo e a maldade” (Mann, 2000, p. 514) é aquele que exorta a guerra em defesa dos valores e instituições ocidentais, julgando ser “necessário ferir o princípio asiático, o princípio servil da inércia, no centro e no nervo vital de sua resistência, que era Viena” (Idem, p. 214). Democrata, liberal e republicano, ele tenta ser um pedagogo para o franzino Hans Castorp, a quem chama de “filho enfermiço da vida”.

Este italiano, uma paródia ao cosmopolitismo de um segmento dos intelectuais europeus, encarna o ideal da “civilização”, opondo-se à preferência pela “cultura” por seu rival, Leo Naphta (vide capítulo 5). Settembrini, em outra dicotomia, defende o espírito em relação à natureza. Podemos entendê-lo como a versão otimista do Humanismo, ou seja, a exaltação das realizações do espírito humano. Vejamos o que ele nos diz no seguinte trecho:

“Humanista? Claro que o sou! O senhor nunca me apanhará manifestando tendências ascéticas. Digo “sim” ao corpo, honro-o e sinto amor por ele, assim como faço em face da forma, da beleza, da liberdade, da alegria e do gozo, (...) tomo o partido das coisas mundanas, dos interesses da vida, contra a aversão sentimental ao mundo; represento o Classicismo contra o Romantismo. (...) Mas existe um poder, um princípio ao qual dedico a minha mais fervorosa aprovação, (...) é o espírito. (...) Não ignoro que, dentro da antítese de corpo e espírito, o primeiro representa o princípio mau e diabólico; pois o corpo é natureza, e a natureza – repito que se trata da sua oposição ao espírito, à razão – é má; mística e má! (...) Indiscutivelmente sou humanista, por ser amigo do homem, como o era Prometeu, um enamorado da humanidade e da sua nobreza. Mas essa nobreza acha-se encerrada no espírito, na razão...” (Idem, p. 340-341)

Agora, podemos delinear a sua crença veemente no progresso, típica do movimento intelectual do século XVIII que foi decisivo para o Ocidente: o Iluminismo. O slogan do mesmo, “conhecer para prescrever”, é recorrente na retórica de Settembrini; ele identifica-se com o ideal de, por meio da razão, libertar a ação humana das forças naturais, estabelecendo regras de conduta para que esta transformação seja contínua e ininterrupta. Não seria exagero considerá-lo como uma metáfora do ímpeto evolucionista do pensamento político moderno.

Percebemos semelhanças de suas concepções de liberdade com aquelas expressas por Stuart Mill e Hannah Arendt. Settembrini, assim como o primeiro, valoriza o livre-arbítrio, julgando-o imprescindível ao aperfeiçoamento humano. Porém, ele também concordaria com Arendt quanto à importância ia da virtude cívica, no sentido de o ser humano ser livre para alterar a sua realidade, inclusive por meio da ação política.

Vejamos as palavras do próprio personagem, diante das provocações de Naphta:

“Protesto contra a insinuação de que o Estado moderno signifique a servidão diabólica do indivíduo! (...) A democracia não tem outro sentido a não ser o de um corretivo individualista de toda forma de absolutismo do Estado. A verdade e a justiça são as jóias da coroa da ética individual, e no caso de um conflito com os interesses estatais talvez até assumam a aparência de potências inimigas do Estado, posto que, em realidade, visem ao seu bem superior, ao bem supraterreno. O Renascimento como origem da idolatria do Estado! Que lógica mais bastarda! As conquistas – emprego essa palavra no sentido literal! –, as conquistas do Renascimento e do Século das Luzes, meu caro senhor, chamam-se personalidade, direitos do homem, liberdade!” (Idem, p. 544)

Settembrini é membro da “Liga Internacional para a Organização do Progresso” – mais um escárnio de Thomas Mann aos exageros humanitários da intelectualidade européia. Esta Liga visa a suprimir o sofrimento humano, e uma de suas empreitadas é a confecção de uma Enciclopédia que contenha tais “profilaxias”. Por estar enfermo, ele não pode ir às reuniões da organização; por isso, sua tarefa é preparar, para esta Enciclopédia, um volume sobre como as belas-letras podem contribuir na eliminação de todo sofrimento padecido pela humanidade.

É importante ressaltar que o pensamento de Lodovico Settembrini é repleto de ambigüidades. Sua defesa apaixonada da liberdade de consciência coexiste com uma argumentação dogmática e intransigente em prol da “civilização”. Ao mesmo tempo em que tenta ser o Virgílio para o Dante[14] que vê em Hans Castorp, ele mesmo é uma pessoa que não realiza plenamente aquilo que defende; de outro modo, não estaria “preso” no sanatório. Além disso, sua fé no potencial humano, ao se desligar de qualquer religiosidade ou espiritualidade, aos olhos de Mann se torna satânica, demoníaca; não por acaso, o capítulo em que Settembrini é introduzido na trama chama-se “Satã”. Trocando em miúdos, o “tocador de realejo” (expressão inventada por Castorp) possui um individualismo arrogante, moralista e hipócrita.

No fundo, o personagem é um acerto de contas de Thomas Mann com seu irmão Heinrich; várias das posições políticas deste foram incorporadas em Settembrini. Ambos encarnam o “homem literato da Civilização”, que acredita na razão, no progresso e no Iluminismo; louvam a Revolução Francesa e, no final das contas, também são favoráveis ao imperialismo da civilização européia. Mann preocupa-se com os excessos desse universalismo ocidental, pois freqüentemente ele minimiza os elementos nacionais, culturais ou mesmo comunitários (Dumont, 1994). Porém, tanto em relação ao personagem italiano quanto com Heinrich Mann, a postura do autor é a mesma: o que ele condena neles não é o cosmopolitismo, mas a sua predominância, quase exclusiva, em detrimento do componente “alemão” em prol da tradição.

5. Naphta, o revolucionário conservador

Um dos personagens mais soturnos de “A Montanha Mágica”, Leo Naphta é de origem judia, e nasceu no interior da Alemanha. Seu pai, fanático religioso, caiu em desgraça por sua “irregularidade sectária”, e foi cruelmente assassinado por populares. Esta experiência marcou a vida de Naphta, que passou a sua adolescência envolvido em angústias intelectuais, “formando o seu espírito de modo impaciente e descontrolado” (Mann, 2000, p. 603). Finalmente encontrou seu lugar no mundo quando se converteu à Companhia dos Jesuítas.

Segundo o narrador, “Naphta tinha um instinto ao mesmo tempo revolucionário e aristocrático; era socialista e também dominado pelo sonho de participar de uma forma de vida soberba, distinta, exclusiva e ordenada” (Idem, p. 605).[15] Destaca-se pelos constantes e intensos embates intelectuais travados com Settembrini. É uma rivalidade que começa cortês, mas que, como veremos adiante, se torna literalmente mortal. Dotado de uma retórica perigosamente refinada, certa vez Naphta tentou vencer o adversário apelando para o relativismo cognitivo, dizendo que “verdadeiro é o que convém ao homem”, pois o homem “representa a medida das coisas, e sua salvação é o critério da verdade” (Idem, p. 543).

Em uma tentativa de defini-lo ideologicamente, eis o que o narrador nos diz:

“Hans Castorp havia esperado que Naphta advogasse a conservação do suplício [da tortura]. Opinou que este talvez fosse tão revolucionário quanto o Sr. Settembrini, mas o era no sentido conservador, como revolucionário do conservantismo.” (p. 627)

Isso ajuda a ilustrar o seu conceito de liberdade, pois ele evoca um tom hierárquico que lembra o de Friedrich Nietzsche. Ambos se notabilizam pela “rebeldia aristocrática”, por meio da qual fazem críticas ferozes à Modernidade, em defesa da grandeza humana presente nos valores medievais (Naphta) e dos gregos pré-socráticos (Nietzsche). Por outro lado, ambos estão em diâmetros opostos quanto à questão da “renúncia a si próprio”. O personagem judeu a defenderia com veemência, considerando-a indispensável para a autoridade absoluta que almeja; já o filósofo alemão, como vimos, prega o espírito livre e rejeita a abnegação, associando esta a uma subserviente “moral de animal de rebanho” (Nietzsche, 2005, p. 89).

Naphta exalta a vida, enquanto expressão máxima da “cultura”; da mesma forma que o próprio Mann antes da desilusão da I Guerra, o personagem recusa aquilo que os demais povos da Europa chamam de “liberdade” (Dumont, 1994, p. 54). Ainda seguindo a tese de Louis Dumont, observamos que, dos dois ideais alemães de liberdade (holismo comunitário e individualismo auto-cultivado), Naphta rejeita o individualismo cultural da Bildung, mas defende a faceta comunitária; ou seja, uma livre dedicação do “eu” ao “todo” (Idem, p. 47).

Esta tese de que só é possível ser livre no seio da coletividade – e que essa liberdade é interior (eis uma herança intelectual da Reforma) – aparece quando Naphta alega que “a liberdade era um conceito do Romantismo antes do que da Época das Luzes, pois com aquele tinha em comum o entrelaçamento inextricável dos impulsos de expansão coletiva e do ensimesmamento apaixonadamente individualístico” (Idem, p. 957).

Eric Voegelin pode nos ajudar a entender melhor a psicologia de Naphta. Segundo ele, desde o final da Idade Média ganhou força uma das maiores seitas hereges do Cristianismo: o gnosticismo, que prega a “redivinização da realidade” e o “fim da História”. Tal sectarismo estaria mais preocupado em alcançar a grandeza de uma “Terceira Roma” na vida terrena do que com a salvação da alma e as demais questões espirituais. Naphta é um bom exemplo disso; seu jesuitismo tem claras pretensões de (re)fundar o Reino de Deus na própria Terra, mesmo que os meios para isso sejam os mais radicais; o “Terror”, nas palavras do próprio.

Esta ambição em buscar a Verdade no próprio mundo terreno, e não no espiritual – no caso de Naphta, sob a roupagem de “rebeldia aristocrática” -, levou a um lento e contínuo colapso moral da Modernidade, época em que o homem está intelectual e espiritualmente desorientado, e por isso, motivado principalmente por suas paixões (Voegelin, 1981). Logo, as ideologias de massa, inclusive o comunismo de Naphta, refletem uma crise espiritual do homem moderno, trazendo à tona os problemas intrínsecos ao movimento gnóstico.

Isso fica explícito quando Naphta coloca o socialismo como a última expressão da fé crista:

“A ditadura do proletariado, essa exigência de salvação política e econômica dos nossos tempos, não tem o sentido de um domínio pelo domínio e por toda a eternidade, mas sim o de uma ab-rogação temporária do conflito entre o espírito e o poder sob o signo da cruz, o sentido de se triunfar sobre o mundo dominando-o, o sentido da transição e da transcendência, o sentido do Reino. (...) O proletariado retomou a obra de Gregório; sente arder no seu íntimo o zelo piedoso do grande papa e, como ele, tampouco poderá impedir as suas mãos do derramamento de sangue. Sua incumbência é espalhar o terror para a salvação do mundo e para a conquista do objetivo da redenção, que é a relação filial com Deus, sem a interferência do Estado e das classes.” (Idem, p. 550)

Embora em um primeiro momento Hans Castorp fascine-se por estas idéias metafísicas e baseadas na Ordem (afinal, ele próprio tinha uma índole conservadora, tipicamente germânica), não demora muito para que o “filho enfermiço da vida” perceba quão niilistas e destrutivas podem ser as conseqüências da ideologia pregada por Naphta.

6. O Amadurecimento de Castorp

Se a “Bildung” é o cultivo e desenvolvimento da personalidade individual, então é indispensável investigá-la no próprio protagonista. No decorrer da trama, Hans Castorp sobressai-se justamente porque não tem medo dos próprios limites. Esta é a sacada de mestre de Mann: enquanto Settembrini e Naphta são suas críticas aos intelectuais de sua época, Castorp é a forma que encontrou para dialogar com o homem comum, o “burguês paisano”.

Hans Castorp, segundo Fritz Kaufmann, é capaz de criar a si mesmo, usando conscientemente dos materiais de seu mundo, apelando a seus instintos sobre a natureza humana e, acima de tudo tendo “a coragem moral para sentir a luxúria da morte e da eternidade e ainda assim decidir pelo futuro da vida” (Kaufmann, 1973, p. 98). Uma ilustração desse argumento é quando Castorp, resistindo sozinho a uma tempestade de neve, encontra forças para não se entregar aos delírios, e afirma: “Em consideração à bondade e ao amor, o homem não deve conceder à morte nenhum poder sobre os seus pensamentos” (Mann, 2000, p. 678).

Além disso, Hans Castorp experimenta e reflete sobre as mais diversas formas de liberdade. Assim como Settembrini, dedica-se aos estudos, adquirindo conhecimentos sobre Botânica e Astronomia. Movido por um sentimento de honra diante da morte, adquiriu o costume de visitar pacientes terminais; o italiano certamente não aprovaria tal morbidez, mas tal atitude agradou a um dos médicos do sanatório, o Dr. Behrens. Às vezes, Castorp também tentava filosofar, chamando a atividade de “regência”. Não podemos deixar de mencionar sua paixão avassaladora pela russa Clawdia Chauchat, cujo charme tinha um quê de mortal e libertino.

O narrador deixa a entender que foi a própria mediocridade de Hans Castorp que o permitiu usufruir de tantas experiências nos sete anos que passou no sanatório de Berghof. Afinal, mesmo o homem comum tem o seu quê de genial, quando consegue recombinar as velhas formas em novas, passando da dissolução à ordem. Em outras palavras, é quando recusa a covardia inofensiva diante da realidade que o homem mantém a busca pela finalidade e o sentido da vida. Será, portanto, que prevalecerá o Castorp indolente do trecho a seguir?

“Deixavam-no em paz, pouco mais ou menos como se faz com um aluno que goza do estado singularmente feliz de já não ser examinado nem ter necessidade de trabalhar, porque a “bomba” é um fato consumado e ninguém mais se preocupa com ele; um tipo orgiástico de liberdade – digamos isso de passagem, perguntando-nos se a liberdade pode jamais ter outra natureza que não precisamente esta.” (Idem, p. 973)

O desfecho do romance recusa tal destino para o personagem. Primeiro, temos o trágico duelo entre Settembrini e Naphta, que não conseguiam mais resolver diplomaticamente suas discordâncias. Embora o pedagogo italiano estivesse claramente menos interessado no confronto em armas do que o judeu jesuíta, a insistência feroz deste garantiu a realização do duelo. Em mais uma reviravolta dramática, Settembrini atira para o alto, ficando de peito aberto para o seu rival... o qual atira na própria cabeça. É, no mínimo, sintomático que os dois niilistas de “A Montanha Mágica” (o outro é Mynheer Peeperkorn, um simpático personagem que foi uma influência decisiva para o lado mais dionisíaco de Castorp) cometeram suicídio.

No último capítulo, “O Trovão”, o sanatório é acometido por uma notícia devastadora: estourou a guerra entre as potências européias! Hans Castorp não titubeia e, após se despedir de seu mestre Settembrini, retorna à planície para lutar no Exército alemão. Uma das ironias do destino é ele vai para a batalha que seu primo, o militar Joachim Ziemssen, tanto queria ir; mas, este morreu de tuberculose alguns anos antes. Porém, acima de tudo, a escolha de Castorp soa como se ele saísse de sua cidadela interior, que se compatibiliza com a liberdade negativa pregada por Mill, e retornasse à existência cotidiana, num ato de virtude cívica que agradaria a Arendt[16] e também a Nietzsche, pois implicaria em aceitação – e luta – pela vida.

Thomas Mann parece ver um ato de liberdade – mais do que isso, libertação – na decisão de seu personagem. Foi algo que ele próprio não teve coragem de fazer, sob a desculpa de que era da índole do intelectual germânico ser apolítico (Dumont, 1994). Porém, os horrores da I Guerra lhe mostraram que não se pode fechar os olhos para a destruição daquilo que há de mais nobre no ser humano: a sua dignidade.

É nesse sentido que podemos apelar ao Humanismo, pois ele é uma ode à capacidade do homem de se elevar moralmente, de aprimorar a sua percepção e entendimento da “dialética bipolar” entre espírito e natureza (Kaufmann, 1973) e, principalmente, de cultivar a sua personalidade da forma mais completa possível, o que inclui o diálogo com a pluralidade. É com este viés humanista que o autor conclui o seu romance:

“Será que também da festa universal da morte, da perniciosa febre que ao nosso redor inflama o céu desta noite chuvosa, surgirá um dia o amor?” (p. 986)

Verificamos, neste último parágrafo do romance, uma mescla de melancolia e esperança. Por um lado, o escritor “percebe que é exatamente o sentido da própria humanidade que se perdeu ali, antes de qualquer coisa”, restando a ele narrar “as conseqüências da perda deste sentido básico e preliminar da própria possibilidade da vida em comum”. Portanto, “A Montanha Mágica” seria “a história do declínio de uma sociedade, cujos sintomas não estão em outra parte senão no próprio homem que compõe aquela sociedade.” [17] Porém, o “Trovão” da guerra pode também ser o anúncio de uma redenção dos erros cometidos. Mann nunca deixou de ter fé no ser humano, e o amadurecimento do medíocre Hans Castorp é uma prova disso.

7. Finis Operis: os desafios da Liberdade

Estamos no final de nossa jornada. Ao longo deste artigo pudemos encontrar em “A Montanha Mágica” um libelo pela liberdade e pela busca de um sentido existencial; “é lícito compreendê-la como um livro escrito contra o niilismo de seu tempo” (Fontanella, 2000, p. 43). A partir da revisão bibliográfica sobre o que é liberdade e no que consiste a “Bildung”, verificamos a presença deste debate político e filosófico nos personagens do romance, o que corrobora com nosso pressuposto sobre a interdependência entre a Arte e a Política; a obra é uma alegoria da a crise moral que acometeu a Europa, levando-a à trágica I Guerra.

Quanto às possibilidades de se ser livre, a obra estudada nos apresentou vários caminhos: Settembrini resignou-se a encontrar na atividade intelectual a sua autonomia; Naphta negou o livre-arbítrio e encarou a liberdade sob o prisma de seu vazio existencial; Castorp resolveu sua crise espiritual – transcendendo, assim, sua mediocridade – ao aprender a importância de se acreditar na vida e no amor, mesmo que para isso tenha tido que lutar (e morrer) na guerra.

A vida nos compele a fazer escolhas, tomar posições; o homem não é apenas um campo de batalha, mas o também o objetivo desse conflito, e, no fim, o sujeito que decide qual caminho tomar (Kaufmann, 1973). É nesse sentido que identificamos a esperança emanada pelo romance como uma espécie de versão um pouco mais pessimista do Humanismo. É uma pena que este chamado ao povo alemão feito por Thomas Mann não tenha sido ouvido; embora “A Montanha Mágica”, já em seu lançamento, tenha sido um sucesso de público e crítica, a sua mensagem humanista não prevaleceu naquele período entre-guerras. Isso só nos reforça a convicção, expressa no capítulo anterior, de que há um misto de esperança e melancolia do autor ao discorrer sobre a liberdade humana de refletir e agir por um mundo melhor.

Sendo assim, Settembrini é o escolhido para proferir a epígrafe deste artigo. Embora tenha fracassado como pedagogo de Castorp, sua honestidade intelectual e sua genuína bondade compensam seus problemas e contradições. Não por acaso, diante do duelo requisitado por Naphta, ele respondeu a seu “discípulo” com tristeza, mas coragem. Se isso foi uma apologia à “guerra pela paz e pela democracia” (um dos mais famigerados “pontos de honra” do Ocidente) ou apenas uma defesa do homem fiel aos seus princípios, cabe ao leitor decidir:

“Quem não é capaz de arriscar a vida, o braço, o sangue na defesa de um ideal não é digno dele. Em que pese a nossa espiritualização, cumpre sermos homens.” (p. 964)

Referências Bibliográficas

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[1] Entendemos Humanismo como a filosofia moral voltada para a excelência e a dignidade humanas. Seguimos a perspectiva cara ao Renascimento: o homem como centro do pensamento filosófico (antropocentrismo).

[2] Sobre a metodologia “compreensão” nas ciências humanas, vide Ludwig von Mises, “Ação Humana”, Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1995, p. 50-54.

[3]Referimo-nos, por exemplo, à apropriação, nas ciências sociais, de conceitos e posições defendidas pelos filósofos intitulados “pós-modernos”. Para maiores detalhes, recomendamos: Alan Sokal e Jean Bricmont, “Imposturas Intelectuais”, Rio de Janeiro: Record, 2006.

[5] Segundo Rothbard, “um problema grave com esta formulação é que um homem pode ser considerado ‘livre’ na proporção que suas vontades e desejos são extintos, por exemplo, por condições externas.” Vide Murray Rothbard, “A Ética da Liberdade”, São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010, p. 291-294.

[6] Vide Aristóteles, “Política”, São Paulo: Martin Claret, 2007; e Jean-Jacques Rousseau, “O Contrato Social”, São Paulo: Martin Claret, 2004.

[7] Vide John Locke, “Segundo Tratado sobre o Governo”, São Paulo: Martins Fontes, 2005; Benjamin Constant, “Da Liberdade dos Antigos comparada à dos Modernos”, Revista “Filosofia Política”, nº 2, L&PM: Porto Alegre, 1985; a obra de Stuart Mill está na bibliografia deste artigo.

[8] “Paidéia” grega era o processo educacional de ampla formação cultural dos jovens na Grécia Antiga.

[10] “Siddharta” é um romance sobre um jovem brâmane que vive o dilema entre alcançar a elevação espiritual e se dedicar aos prazeres carnais. “Laranja Mecânica” nos conta a trajetória de um jovem arruaceiro que, após preso, sofre lavagem cerebral para, movido por estímulos de dor e náusea, ser compelido a fazer boas ações.

[11] Um gesto singelo, mas simbólico para indicar a mudança de Castorp é quando, depois de alguns anos morando em Davos-Platz, ele finalmente pára de consumir charutos importados (atitude tipicamente burguesa) e começa a comprar os comerciados localmente.

[12] Não por acaso, o título de um dos mais famosos livros sobre Mann é uma paráfrase à obra-prima de Schopenhauer: “Thomas Mann: The World As Will And Representation”. Vide bibliografia do artigo.

[13] Entendemos “jogo” como a contemplação estética que se situa entre as capacidades sensíveis e racionais do homem; é o estado intermediário em que o homem se abre a todas as possibilidades, ainda sem operar juízos.

[14] Em “A Divina Comédia” (Dante Alighieri), o narrador é guiado pelo poeta romano Virgílio, a quem admirava, durante sua travessia do Inferno, Purgatório e Paraíso.

[15] Naphta provavelmente é inspirado no marxista Georg Lukács – o qual, contudo, admirava Thomas Mann. Em “O Marxismo Ocidental” (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987), José Guilherme Merquior alega que “o retrato mais conhecido de Lukács (...) é um fascinante, mas pouco simpático personagem da Montanha Mágica (1924) de Thomas Mann – Naphta, o jesuíta vermelho, um intelecto sequioso de autoridade” (p. 136).

[16]Por ser ação política, apesar de ser em uma guerra – lembrando que Arendt dissociava a política da violência.

[17] “Impressões de Leitura – A Montanha Mágica”, de Francisco Escorsim. Fonte da citação: http://oitocolunas.blogspot.com/2005/05/impresses-de-leitura-montanha-mgica.html