2 de Maio de 1989 é um dos dias mais importantes da história do Rock, pois foi a data de lançamento de dois grandes álbuns: Disintegration (The Cure) e The Stone Roses (The Stone Roses). O primeiro deles encerrou os anos 1980 em grande estilo, e representou a culminação artística do The Cure; o segundo abriu a década de 1990, com uma mistura de rock clássico, psicodelia e groove dançante que influenciou bandas como Primal Scream, Blur e Oasis.
Disintegration foi uma grata surpresa para a ala gótica dos fãs da banda de Robert Smith, afinal era a primeira vez desde Pornography (1982) - o último álbum da "trilogia soturna" composta também por Seventeen Seconds (1980) e Faith (1981) - que a banda concebia um álbum completamente sombrio. Smith teve uma crise existencial a partir de 1988, pois sentia que sua banea estava sendo mal compreendida e estava com medo de envelhecer sem ter realizado um disco definitivo. Segundo a biografia Nunca é o o Bastante (Jeff Apter), "ele não sabia ao certo se tinha formado a banda uma década antes com o intuito de ficar famoso. (...) Em abril, comemorou seu 29º aniversário com a animação de sempre, mas depois entrou no que chamou de um 'período ruim', quando percebeu que em 12 meses teria 30 anos. Parte de sua preocupação era o simples fato de sentir que o Cure, apesar do sucesso multiplatinado, ainda não tinha feito uma obra-prima legítima. Sabia que as verdadeiras lendas do rock (...) tinham chegado ao auge de sua arte muito antes de virarem trintões" (p. 236-237). Sendo assim, o vocalista do Cure pôs-se a compor um álbum intenso, denso, introspectivo e repleto de canções longas e lentas.
A seriedade do propósito de Smith em produzir o álbum supremo de sua banda levou até a uma postura excêntrica: durante os três meses de gravação de Disintegration, portou-se deliberadamente de forma silenciosa e distante dos colegas de banda, algo que certamente contribuiu para a atmosfera melancólica do disco. Outro fator que pesou para isso foi a demissão do tecladista e ex-baterista Lol Tolhurst, cujo alcoolismo tornava a sua conduta cada vez errática e sua contribuição à música do Cure cada vez menor. Expulsá-lo da banda foi uma decisão dolorosa para Robert Smith, afinal ele era um dos integrantes originais da banda. Anos depois, durante a turnê de Wish, essa história ainda teria contornos jurídicos, com Tolhurst processando a banda.
O aspecto da sonoridade deste álbum que mais se destaca é a participação dos teclados de Roger O'Donnell. Ainda segundo Apter, "O'Donnell elaborou formas imensas e monolíticas de som, a Grande Muralha dos teclados. Eles acrescentaram a seriedade necessária à mais recente crise na vida de Smith" (p. 246). Os outros instrumentos merecem menções honrosas: as guitarras atmosféricas de Smith e Porl Thompson (cujos melhores momentos são em "Pictures of You" e "Prayers for Rain"), a bateria imponente de Boris Williams e o baixo poderoso de Simon Gallup (dobradinha cujo ápice é em "Fascination Street" e na faixa-título).
O álbum abre da melhor forma possível com "Plainsong", que tem uma longa introdução instrumental. "Pictures of You" é um dos maiores clássicos da banda, com uma letra extremamente romântica: "If only I'd thought of the right words / I wouldn't be breaking apart / All my pictures of you (...) There was nothing in the world / That I ever wanted more / Than to feel you deep in my heart". "Closedown" tem um ritmo quase tribal. "Lovesong" é o presente de casamente de Robert para sua esposa Mary, e embora seja mais curta e pop que as demais canções, funciona bem dentro da economia do álbum justamente por trazer leveza em meio ao clima predominantemente sombrio; a propósito, foi um hit enorme nos EUA, alcançando o 2º lugar do Billboard Hot 100. "Lullaby" contém uma letra que é um prato cheio para análises psicanalíticas ("The Spiderman is having me for dinner tonight (...) And I feel like I'm being eaten / By a thousand million shivering furry holes / And I know that in the morning I will wake up / In the shivering cold"), e foi o single de maior sucesso do Cure na Inglaterra, alcançando o 5º lugar das paradas.
"Fascination Street" parece um resgate da estética de Pornography, embora realizada com mais sofisticação. "Prayers for Rain" e "The Same Deep Water as You" (a mais longa das faixas, com mais de 9 minutos de duração) são duas canções lentas e envolventes. "Disintegration", a faixa-título, é um dos destaques do álbum, tanto pelo instrumental impecável quanto pela letra extremamente amarga: "I leave you with photographs, pictures of trickery / Stains on the carpet and stains on the scenery / Songs about happiness murmured in dreams / When we both of us knew how the ending would be". Por fim, embora seus versos também sejam deprimidos, "Untitled" termina o álbum com uma sonoridade ligeiramente mais ensolarada, como se evocasse esperança após o expurgo de tanto "doom and gloom".
A edição em CD ainda conta com duas faixas bônus que não entraram no LP por falta de espaço: "Last Dance" (na minha opinião, a faixa menos cativante do álbum) e "Homesick" (arranjos caprichados e melancólicos). Entre os B-sides dos singles lançados na época o melhor de todos é "Fear of Ghosts", cuja letra é tão confessional ("I am lost again / With everything gone / And more alone / Than I have ever been") que Smith preferiu não incluí-la em Disintegration, com medo de que pudesse causar pensamentos suicidas nos fãs em meio a um álbum que já era bem sorumbático.
Disintegration, que no papel poderia soar como um disco intragável e anti-comercial, acabou sendo o álbum mais bem-sucedido do Cure entre público e crítica. Estreou em 3º lugar nas paradas britânicas e 12º nas americanas, vendeu mais de 3 milhões de cópias e é tão reverenciado pelos fãs que foi homenageado até em South Park (no último episódio da 1ª temporada, o qual inclusive conta com participação especial de Robert Smith, o personagem Kyle diz que ele é o "best album ever").
Os Stone Roses fazem parte de uma nobre linhagem manchesteriana, na qual também estão bandas como Joy Division, New Order, The Smiths e Happy Mondays - e foi junto com a última delas que os Roses capitanearam a virada estética do post-punk oitentista para o rock dançante e psicodélico que predominaria nos anos seguintes.
O homônimo disco de estréia da banda é notável tanto pela sua perfeição interna (todas as faixas são excelentes) quanto pelo seu legado para a música britânica. Foi fruto de uma longa maturação ("I Wanna Be Adored", por exemplo, foi bastante aprimorada em relação à primeira versão, escrita quatro anos antes) e magistralmente produzido por John Leckie (que já havia trabalhado com o XTC e futuramente produziria The Bends, do Radiohead, e os dois primeiros CDs do Muse).
"I Wanna Be Adored" é um hino do rock britânico, com uma linha de baixo lendária e uma letra deliciosamente arrogante de Ian Brown: "I don't have to sell my soul / He's already in me / I don't need to sell my soul / He's already in me / I want to be adored (...) You adore me".
"She Bangs The Drums" é single mais pop do álbum, com um refrão extremamente cativante e outro baixo viciante de Mani. "Waterfall" possui um belo trabalho de guitarras. "Don't Stop" é uma alucinante versão invertida de "Waterfall". "Bye Bye Badman" e "Song for my Sugan Spun Sister" são duas pérolas tipicamente sessentistas.
Apesar da melodia delicada, a letra da vinheta "Elizabeth My Dear" é um ataque impiedoso à monarquia britânica: "Tear me apart and boil my bones / I'll not rest till she's lost her throne / My aim is true my message is clear / It's curtains for you, Elizabeth my dear". "Made of Stone" possui um refrão poderoso e um belo solo de guitarra de John Squire. A bateria de Reni em "Shoot You Down" possui um estilo bem Madchester (cena marcada pela mescla de acid house e rock alternativo). "This Is The One" antecipa o som do Oasis (e é assumidamente adorada pelos Gallagher).
A última faixa mais impressionante de todas: "I Am The Resurrection", com uma letra repleta de alusões bíblicas, ainda que num tom crítico ("Don't waste your words I don't need anything from you / I don't care where you've been or what you plan to do / I am the resurrection and I am the light / I couldn't ever bring myself to hate you as I'd like"), e um coda de mais de 5 minutos gravado ao vivo no estúdio, o que só ressalta a performance musical de Squire, Mani e Reni.
O disco estreou timidamente nas paradas, mas foi subindo ao longo de 1989 até alcançar o Top 20. O sucesso se tornou ainda maior quando a banda lançou o revolucionário single "Fools Gold". The Stone Roses é um disco tão querido pelos britânicos que vive encabeçando listas de melhores álbuns e, em seus dois relançamentos, alcançou posições ainda maiores nas vendas (9º lugar em 1999 e 5º em 2009). Ele é o marco inicial tanto de cenas específicas como o Madchester/baggy quanto do britpop como o todo.