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30 maio 2018

50 anos de "Revolution" e uma analogia com Merquior

Em 30 de Maio de 1968, os Beatles gravaram a primeira versão de “Revolution” (a mais lenta, que seria a faixa 8 do disco 2 de The Beatles, vulgo “Álbum Branco”, lançado em Novembro daquele ano). Escrita por John Lennon, esta canção não era a primeira de cunho político composta pela banda (a pioneira foi “Taxman”, de 1966), mas certamente é a mais explícita e contundente. Foi uma resposta de Lennon aos “événements” de Maio de 68 na França (mas não só a eles, afinal os protestos estudantis já vinham desde Março na Inglaterra e EUA). Para surpresa dos militantes de esquerda que estavam esperando – ou, em alguns casos, quase exigindo – um endosso do Fab-Four ao movimento, “Revolution” deve ter soado decepcionante. Lançada no fim de Agosto (em sua segunda versão, a mais rápida, que foi B-side do single “Hey Jude”), todas as suas estrofes começam com uma tentativa de diálogo com as pautas dos movimentos sociais (querer uma revolução, mudar a constituição, dizer que o problema são “as instituições”...), mas terminam com uma tripla recusa de adotar métodos violentos e sectários: 
“But when you talk about destruction / Don't you know that you can count me out”
“But if you want money for people with minds that hate / All I can tell is brother you have to wait”
“But if you go carrying pictures of Chairman Mao / You ain't going to make it with anyone anyhow”
Em outras palavras, John estava dizendo às facções leninistas, trotskistas, maoístas etc. que, “apesar de compartilhar do desejo por mudança social, ele acreditava que a única revolução que valeria a pena surgiria da mudança interna, em vez da violência revolucionária.” (Steve Turner)
O suposto tom “reformista” (no sentido pejorativo que essa palavra ganhou entre os marxistas), conformista ou mesmo conservador da posição política de Lennon (e, por tabela, dos Beatles) foi reforçado pelo contraste com uma canção lançada no mesmo mês: a assumidamente rebelde “Street Fighting Man” (Rolling Stones), que chegou a ser proibida em várias rádios americanas. Enquanto a canção dos Stones, que critica a apatia política londrina (“where I live the game to play is compromise solution”), foi louvada, “Revolution” chegou a ser desprezada por uma resenha na New Left Review como “um grito de medo lamentável de um burguês mesquinho”. Lennon tentaria fazer as pazes com a esquerda três anos depois, em “Power To The People” (“Say we want a revolution / We better get on right away”), mas manteve até o fim da vida seu posicionamento pacifista: “Não contem comigo se for para a violência. Não esperem me ver nas barricadas, a não ser que seja com flores”.
A importância de “Revolution”, contudo, vai além de sua letra. Com seu distorcido riff de guitarra (já proeminente na primeira versão, de estilo blues, e ainda mais barulhento na segunda, mais roqueira), ela abre os trabalhos do “Álbum Branco”. Pelos próximos cinco meses os Beatles gravariam outras três dezenas de canções; o excelente single “Hey Jude” / “Revolution” (forte candidato a melhor compacto da banda, ao lado de “Strawberry Fields Forever” / “Penny Lane”) foi um aperitivo, e três meses depois veio o ambicioso LP duplo que, transitando pelos mais diversos estilos, conteria várias das melhores faixas compostas pelo quarteto de Liverpool. Selecionei 7 delas para uma lista no Spotify com minhas 60 músicas favoritas dos Beatles.


Aproveitando que estou terminando minha tese sobre José Guilherme Merquior, não consigo deixar de ver um paralelo entre “Revolution” e seu livro Arte e Sociedade em Marcuse, Adorno e Benjamin (publicado em 1969, mas escrito no ano anterior). Merquior estava em plena Paris no ano de 68, como diplomata e estudante (estava assistindo a um curso de Lévi-Strauss, e pouco depois começaria seu doutorado em Letras pela Sorbonne). Considerando a efervescência política daquele ano (e o fato de que a maioria dos seus amigos intelectuais eram marxistas), é surpreendente que o livro que ele escreveu naquele ano contenha uma crítica tão dura (e, meio século depois, ainda tão certeira) a um dos gurus da “geração 68”, Herbert Marcuse: 
“Visivelmente enojado pela ‘cumplicidade’ entre democracia e reação, Marcuse passa a vincular o progresso social à violência revolucionária, ilustrando essa tese com quatro exemplos: as guerras civis inglesas, a Revolução Francesa, e as revoluções chinesa e cubana. (...) A exclusão da Revolução [Russa] de Outubro [de 1917] de um contexto onde as revoluções chinesa e cubana são louvadas é um absurdo romântico, uma avaliação histórica inteiramente inobjetiva – embora certamente apta a seduzir os arroubos sinófilos e castrômanos do revolucionarismo de evasão da nossa época, para o qual a China de Mao-Tsé Tung é tanto mais formidável quanto mais ignorada. (...) A obrigação de Marcuse não é mostrar que a violência surtiu bons efeitos no passado pré-democrático, e sim provar que ela é superior, atualmente, à ação democrática. (...) O ‘revolucionarismo’ desses extremismos denota apenas – apesar do caráter ruidoso dos seus clichês – uma reação passiva ante os problemas da cultura contemporânea; nunca, a disposição de enfrentá-los criticamente. Entronizando a violência revolucionária, Marcuse não consegue identificar o seu agente social (...). Teorizando sem glória e sem êxito sobre a violência, e contra a tolerância democrática, Marcuse se situa como prisioneiro dos mitos messiânicos como a ditadura ‘esclarecida’ ‘de transição’ – sem ver que a sua dialética interna a transforma necessariamente em despotismo permanente. O denunciador da repressão cultural derrapa ingenuamente para o panegírico da repressão política.” (MERQUIOR, 2017 [1969], pp. 324-328)

 

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