Comecei a ouvir Pixies entre o fim de Fevereiro e o início de Março de 2005. A "porta de entrada" foi Nirvana, banda em que eu estava viciado na época. Baixei no Kazaa a mp3 de "Head On", um cover dos Pixies para uma canção do Jesus and Mary Chain e que eu já conhecia por outra interpretação, a da Legião Urbana. Gostei e resolvi procurar mais canções deles. Um site me ajudou muito nesse processo: Dying Days, um dos melhores do Brasil sobre rock alternativo dos anos 80 e 90. As resenhas sobre Pixies eram das mais empolgadas, particularmente a de Surfer Rosa. Não tive outra escolha a não ser baixar outras 20 faixas deles, rs.
Embora tenha gostado bastante de Trompe Le Monde (1991) e Doolittle (1989), logo de cara Surfer Rosa foi o álbum deles que mais me fascinou. Foi sobre ele que escrevi uma resenha meses depois para o Correio Classe; é a capa dele que estampa minha já velhinha camiseta dos Pixies, comprada em 2010 na Galeria do Rock, em São Paulo; é dele a matadora seqüência de 5 faixas que abriu o inesquecível show da banda ao qual assisti, no Lollapalooza 2014; e, além de tudo, ele é o meu álbum favorito dos últimos 30 anos.
Os Pixies começaram em 1986, e no ano seguinte já estavam em uma torrente criativa impressionante: em Março gravaram 17 faixas em apenas três dias (as lendárias Purple Tapes), sendo que 8 delas entrariam no EP Come on Pilgrim (lançado em Setembro daquele ano) e 4 seriam regravadas para Surfer Rosa. Este LP, aliás, seria gravado e mixado em apenas duas semanas, em Dezembro de 1987.
A produção de Steve Albini conseguiu deixar Surfer Rosa com o dom da juventude eterna, pois ele soa cru, sujo, direto; é como se fosse um bootleg, mas com uma atenção aos detalhes: os vocais guturais de Black Francis, a ênfase na bateria, a violência das guitarras, a precisão do baixo, a espontaneidade da banda (capturada, por exemplo, nas conversas que antecedem "Vamos" e "I'm Amazed")...
Já quando foi lançado, em 21 de Março de 1988, o disco atraiu a atenção da crítica, em especial dos britânicos; inclusive foi eleito álbum do ano pela Melody Maker e pela Sounds. Não vendeu tanto como seus sucessores (em particular Doolittle), mas ajudou de forma decisiva a criar um público fiel à banda - inclusive entre outras bandas de rock alternativo, como o Nirvana, que muito se inspirou na estética "verso calmo, refrão barulhento" deste disco para as canções de Nevermind e In Utero (este, aliás, produzido justamente por Albini).
Surfer Rosa começa com uma das melhores aberturas de álbum da história do Rock: "Bone Machine". É minha preferida dos Pixies desde a 1ª vez que a ouvi. Acho que não há descrição mais perfeita dela do que a da resenha do Dying Days:
"A bateria entra. É como um aviso: se você não quer ser atingido por pancadas violentas vindas diretamente do seu som, é melhor apertar stop agora. Entra o baixo, como se fosse um segundo aviso. Joey Santiago entra com sua repetitiva (e genial) guitarra, e Black Francis grita "This is a song for Carol" como se dissesse: bom, já que você não desligou seu som, ouça uma das cinco melhores músicas de todos os tempos."
"Break My Body" mantém o pique com uma letra das mais masoquistas e um refrão dos mais viciantes: "Break my body, hold my bones, hold my bones". Ela, assim como "Broken Face", "Vamos" e "I'm Amazed", estava nas Purple Tapes, e as versões produzidas por Albini em Surfer Rosa são tão superiores às originais que ressaltam como esse produtor foi fundamental para a qualidade do álbum.
"Something Against You" tem um riff delicioso, mas logo assusta (no bom sentido) o ouvinte com as microfonias de Black Francis.
"Broken Face" é uma das mais empolgantes, e sua letra é outra que impressiona pelo humor negro: "There was this man who snapped his poke / In little pieces / And then they drilled holes / And then they put 'em back in there".
"Gigantic" é a única composta e cantada pela baixista Kim Deal, e contém uma das melodias mais inesquecíveis do disco. Parece uma canção fofinha, mas preste atenção na letra: "Lovely legs they are / What a big black mask / What a hunk of love / Walk her every day into a shady place / He's dark, but I'd want him". Infelizmente Kim não teve muito espaço para suas composições nos Pixies, mas "Gigantic" lança as sementes dos Breeders, banda que mesmo no disco mais recente, All Nerve, vem se revelando bem superior aos projetos solo de Frank Black (ou mesmo dos dois álbuns dos Pixies gravados depois da saída de Deal, em 2013).
"River Euphrates" é outra canção de forte apelo melódico; o verso "Ride, ride, ride..." gruda na cabeça do ouvinte. No finalzinho há um dos melhores gritos de Francis.
"Where Is My Mind?" é a mais famosa; muita gente conheceu os Pixies graças a ela, que toca na cena final de Clube da Luta (1999). De fato é a mais acessível do álbum (seja pela melodia conduzida pelo violão ou por seu lendário riff de guitarra), mas nem por isso abre mão da esquisitice tão característica da banda: "I was swimmin' in the Caribbean / Animals were hiding behind the rock / Except the little fish / But they told me, he swears / Tryin' to talk to me to me to me".
"Cactus" destoa do resto de Surfer Rosa pelo tom introspectivo, mas nem por isso deixa de ser genial. Mais uma vez temos uma letra macabra: "Bloody your hands on a cactus tree / Wipe it on your dress and send it to me". David Bowie, fã assumido da banda, regravou esta faixa em Heathen (2002).
"Tony's Theme" é uma das mais divertidas do álbum. Ela fez uma breve apariação no 5º episódio ("Freddie") da 4ª temporada de Skins.
"Oh My Golly!" é a única cuja letra foi impressa no encarte do LP, talvez porque cite o título do álbum: "Besando, chichando con Surfer Rosa / (...) Bien perdida la Surfer Rosa".
"Vamos" tem sua parte intermediária marcada por quase três minutos de caos sonoro, regido pela guitarra ensandecida de Joey Santiago. É até hoje um clímax nos shows da banda.
"I'm Amazed" é uma das mais canções mais eletrizantes do álbum, com destaque para o trecho entre 1:07 e 1:22.
"Brick Is Red" é a pérola escondida, e antecipa o som menos agressivo e mais elaborado que os Pixies adotarão a partir de Doolittle. Ela parece ter sido gravada numa sessão à parte (pois sua bateria soa diferente das demais faixas) e quase não foi tocada ao vivo na primeira encarnação da banda (embora, para minha surpresa e alegria, tenha entrado no set do Lolla '14).
Por fim, cabe notar a icônica capa de Surfer Rosa, que contribui decisivamente para sua aura mítica. A propósito, a dançarina de flamenco seminua era "amiga de uma amiga" da banda.