A última rodada da 1ª fase manteve o alto nível desta Copa, que já garantiu o bronze na categoria "Melhores mundiais das últimas 3 décadas". A média de gols caiu um pouco (de 2.66 para 2.54), em parte por causa de confrontos modorrentos em grupos em que a classificação já estava praticamente definida (C e G) ou envolvia uma combinação de resultados que incentivava uma postura cautelosa (H). Por outro lado, vários grupos (B, D e F) tiveram desfechos emocionantes, e outros (A e E) terminaram com boas partidas.
Grupo A: Como bem definiu uma matéria do Trivela, o Uruguai deu
um "choque de realidade" na Rússia, mostrando que as 2 empolgantes
vitórias contra Arábia Saudita e Egito não são o bastante para vencer seleções
mais tradicionais e tecnicamente superiores. O primeiro gol teve até um quê de
cômico, com um erro de marcação russo deixando o caminho aberto para Suárez
marcar de falta. Os uruguaios fizeram sua melhor partida em Copas desde 2010, e
podem se dar ao luxo de sonhar alto - se não com título, pelo menos com uma
semifinal. Tudo bem que daqui em diante só enfrentarão adversários difíceis (a
começar pelo próximo, Portugal), mas a boa defesa e a ótima dupla de ataque
podem ser dois triunfos da Celeste. Quanto aos russos, resta saber se vão
absorver a pancada e se redimir nas oitavas. Quanto ao Egito, mais uma vez
decepcionou, e perdeu de virada para a Arábia Saudita, que encerrou de forma
digna sua participação na Copa após uma estréia tão desastrosa.
Grupo B: Espanha e Portugal tiveram muito trabalho para saírem
com o empate contra Marrocos e Irã, respectivamente. Os espanhóis chegaram a
ficar duas vezes atrás no placar, e os portugueses quase levaram a virada (o
que daria a vaga aos iranianos) nos acréscimos. Ou seja, as duas seleções que,
com seu eletrizante 3x3, protagonizaram a abertura "de facto" da Copa
terminam a 1ª fase em situação um pouco preocupante. Talvez o mata-mata
reacenda o espírito copeiro da seleção lusitana e sirva de teste para a Espanha
montada por Lopetegui e comandada emergencialmente por Hierro - a qual, caso
consiga corresponder no campo à qualidade que seus jogadores mostram nos
campeonatos europeus (principalmente em La Liga), pode ter um caminho
relativamente acessível até a final.
Grupo C: França 0x0 Dinamarca foi o pior jogo da Copa até agora,
com duas seleções covardes e acomodadas com um resultado que classificava os
escandinavos e mantinha a liderança dos franceses. Espera-se que o descanso
tenha servido para voltarem com força total para seus compromissos nas oitavas,
do contrário essa postura preguiçosa será punida pelas empolgadas Croácia e
Argentina. No outro jogo da última rodada, o Peru despediu-se bem da Copa, com
vitória por 2x0 sobre a Austrália. É uma pena que o pênalti não convertido de
Cueva tenha sido decisivo para a eliminação peruana, pois esta era uma seleção
que tinha mais a oferecer na Copa do que a Dinamarca.
Grupo D: Eu estava em um seminário acadêmico enquanto
acompanhava a rodada decisiva deste grupo pelo rádio, e foi difícil conter em
público a minha tensão com as reviravoltas de Nigéria 1x2 Argentina. Messi
abriu o placar; Mascherano cometeu o pênalti infantil que empatou o jogo; no
finalzinho, o improvável Rojo (sim, o mesmo cuja expulsão na final da Copa
América de 2016 em parte tirou o ímpeto albiceleste) marcou o gol da
classificação. Os argentinos, de favoritos a quase eliminados, conseguem
avançar de forma heróica ao top 16 da Copa; numa hilária definição de Douglas
Ceconello, foi "o triunfo da autogestão anarquista com treinador
decorativo". Seu desempenho daqui em diante é uma incógnita - seleções em
situação semelhante (como a Itália de 94 ou a própria Argentina de 90) chegaram
à final, mas também existe a possibilidade de tomarem uma surra histórica dos
franceses. Quanto aos croatas, repito o que disse no post anterior: eles já
fizeram ótimas campanhas de 1ª fase anteriormente para caírem no primeiro
mata-mata (vide as Eurocopas de 2008 e 2016), então é melhor não criar hype
exagerado para que eles não nos frustrem novamente.
Grupo E: O Brasil joga cada vez mais como o Corinthians de Tite
na Libertadores de 2012 ou, principalmente, nos campeonatos brasileiros de 2011
e 2015: eficiente, defensivamente seguro, pouco agressivo e pragmático.
Curiosamente são as mesmas características da famigerada (mas bem-sucedida)
seleção brasileira de 1994, embora Tite diga ser fã da seleção de 1982. Deu
certo com as experiências inspiradores e pode dar certo agora, mas também
recomendo pé no chão com a seleção brasileira. O time vem melhorando a cada
partida, mas pode sofrer contra o imprevisível México de Osorio, ainda mais se
eles fizerem 1x0. Se formos nós a abrir o placar, o cenário é mais tranqüilo,
pois, como as derrotas para o Chile (7x0, 2016), Alemanha (4x1, 2017) e Suécia
(3x0, 2018) nos ensinaram, os mexicanos sob comando do treinado colombiano se
desesperam quando estão atrás no placar. Quanto à Suíça, ela vem sendo
acometida por uma "empatite" (2 de 3 jogos, e, se não fosse o gol salvador
de Shaqiri contra a Sérvia, teria sido em todos), e não duvido que o mesmo
ocorra no jogo equilibrado que terá contra a Suécia.
Grupo F: Ainda recolhendo meu queixo depois dos jogos deste
grupo. A Suécia massacrou o México e a Alemanha, mantendo a tradição de
seleções campeãs que são eliminadas na 1ª fase da Copa seguinte (o próprio
Brasil fez isso em 66), foi humilhantemente derrotada pela Coréia do Sul.
Considerando o mantra "força mental, organização tática e frieza",
foram justamente essas três coisas que faltaram na seleção alemã nessa Copa. O
time não soube se renovar taticamente (seu 4-2-3-1 ficou "manjado",
depois de 2014 todo mundo ou o imitou ou aprendeu a enfrentá-lo), faltou frieza
pra resolver jogos difíceis (no da Suécia, p.ex., venceram na base do
"abafa", e o mesmo golpe não funcionou contra a Coréia) e a força
mental passou longe (pois o técnico foi conservador, deixando quem estava
melhor em forma de lado (p.ex., Ter Stegen e Sané) e se atendo a jogadores do
elenco de 2014 que não estavam em boa fase neste ano - ou seja, cometeu o mesmo
erro de Felipão na Copa passada, ao repetir o elenco da Copa das Confederações
de 2013, e isso ainda por cima rachou o elenco alemão entre a "panelinha
do Bayern" e os demais.
A Alemanha cometeu o mesmo erro de todas as campeãs mundiais que falharam em
fazer boa campanha na Copa seguinte, algo que vem se repetindo desde 1966
(mesmo a Argentina vice de 90 e o Brasil vice de 98 não estavam à altura de
suas seleções campeãs em 86 e 94, respectivamente): acharam que bastava repetir
a fórmula do título para se dar bem novamente. O futebol, contudo, é dinâmico,
e 4 anos são tempo mais do que suficiente para um estilo de jogo ser aprendido
e anulado por seus adversários.
Quanto ao suecos, são outra seleção que
terminou a 1ª fase em curva ascendente, e podem ir longe caso mantenham seu bom
futebol coletivo - por incrível que pareça, a ausência de Ibrahimovic deu uma
coesão que faltava a essa seleção há tempos, talvez desde o 3º lugar no mundial
de 1994. Sobre o México, é uma seleção instável: pode fazer jogos excelentes
como a estréia contra a Alemanha ou desastrosos como a derrota para a Suécia.
Resta saber qual versão enfrentará o Brasil.
Grupo G: O grupo mais chato da Copa, devido ao desnível técnico
entre, de um lado, Inglaterra e Bélgica e, do outro, Tunísia e Panamá. Até
rendeu boas goleadas, mas o tão aguardado confronto entre as duas seleções
européias foi quase tão preguiçoso quanto Dinamarca x França; o que o salvou da
modorra foi o belo gol à la Robben de Januzaj. É compreensível o temor de ambas
em ficar em 1º na chave e, com isso, ficar no mesmo lado do chaveamento de
Brasil, Uruguai, Argentina, Portugal e França; porém, o 2º lugar traz logo de
cara um nada simples embate contra a Colômbia e, dado o histórico recente de
decepções protagonizadas por belgas e ingleses, não me surpreenderia uma queda
precoce. Coube à Inglaterra a vice-liderança do grupo G; caso superem os
colombianos, de fato podem ir longe na Copa (a não ser que, p.ex., os suecos
mantenham sua sanha contra seções tradicionais). No que concerne à Bélgica, foi
premiada com um confronto fácil contra o Japão, mas dali em diante terá
desafios duríssimos para fazer jus à sua reputação entre os jogadores de
FIFA/PES.
Grupo H: Após 2 rodadas espetaculares, este grupo se despede da
Copa num tom um pouco melancólico. No caso da Colômbia, não tanto pelo futebol
(a equipe buscou o resultado e mereceu a vitória, que saiu de mais uma cabeçada
certeira do gigante dançarino Mina), mas pela preocupante contusão de James
Rodríguez. Quanto às outras três, pelo futebol excessivamente pragmático: a
Polônia fez 1x0 e achou que isso bastava para compensar o fiasco que
protagonizou na Copa; o Japão, após tomar 1x0, se limitou a tocar a bola, pois
ainda estava matematicamente classificado (em um critério de desempate atípico,
mas relativamente justo: o "fair play", i.e., o número de cartões
amarelos); Senegal jogou para gastar o tempo, e só acordou depois de tomar o
gol colombiano, mas já era tarde demais para reagir - por mais que eu tenha
gostado do futebol senegalês nos jogos anteriores, este foi um castigo justo
pela procrastinação em jogar bola. Os colombianos se redimiram após a derrota
para os japoneses, e terminam a 1ª fase em alta, embora sem um de seus
principais jogadores. Já o Japão avança às oitavas em baixa, e terá que jogar
muito mais do que jogou até agora para oferecer alguma resistência à Bélgica.
Sobre os confrontos das oitavas, eis alguns comentários:
França x Argentina: o jogo mais aguardado, pois qualquer resultado pode
acontecer, desde uma goleada francesa até uma vitória heróica de Messi e cia.
Embora no papel a França seja claramente melhor, eu não descartaria
completamente a possibilidade da anarquista (ou anárquica) Albiceleste
continuar a crescer na dificuldade.
Uruguai x Portugal: promete ser um jogo bem disputado, e não duvido que tenha
muitas faltas (quem sabe pode ser um novo Portugal x Holanda, rs). Os uruguaios
estão jogando melhor, mas um dia inspirado de Cristiano Ronaldo pode ser um
fator de desequilíbrio.
Espanha x Rússia: os espanhóis mostraram alguns problemas contra Marrocos,
mas ainda estão num patamar superior aos russos. A seleção anfitriã terá que
operar um milagre para conseguir chegar ás quartas pela 1ª vez desde que a Rússia (na época URSS) alcançou esta façanha pela última vez, em 82.
Croácia x Dinamarca: a seleção croata tem tudo para repetir a ótima campanha
de 98, e para isso terá de enfrentar justamente outra seleção cujo melhor
desempenho em mundiais também foi na Copa da França (para aumentar a
coincidência, as duas estavam no mesmo grupo das eliminatórias, com os
dinamarqueses passando em 1º e os croatas tendo que encarar uma repescagem). A
retranca dinamarquesa pode funcionar, mas pelo bem da Copa será melhor se os
croatas avançarem.
Brasil x México: eis uma revanche de Osorio contra Tite após o empate de 1x1
entre São Paulo e Corinthians no Brasileirão de 2015 (no qual os corinthianos
foram campeões e os são-paulinos ficaram em 4º lugar, com o técnico colombiano
saindo um pouco antes do final da disputa para poder assumir a seleção
mexicana). A seleção brasileira vem jogando melhor nesta Copa, mas o México tem
um histórico recente de crescer em embates com o escrete canarinho (vide 0x0 na Copa do Mundo de 2014 e vitórias nas Olimpíadas de 2012, nas Copas América de 2001 e 2007 e nas Copas das Confederações de 1999 e 2007).
Bélgica x Japão: tudo indica que será uma barbada para os belgas, mas tudo
pode mudar se, por exemplo, um pênalti for cometido aos 3 minutos e o jogador
que o cometeu for expulso.
Suécia x Suíça: talvez o jogo das oitavas com mais cara de que terá
prorrogação e pênaltis. Duas seleções boas defensivamente, mas os suecos
propõem mais o jogo. Tomara que façam 1x0 para os suíços tentarem repetir a boa
atuação contra os sérvios.
Colômbia x Inglaterra: tende a ser um dos melhores jogos das oitavas. Os
ingleses têm um elenco de alto nível e boa disciplina tática, mas cabe lembrar
que do outro lado temos um técnico experiente que pode estar em sua última Copa
(Pekerman), um zagueiro-artilheiro (Mina) e dois destaques ofensivos (Cuadrado
e Falcao García).
P.S.: Se fosse para dizer quem eu acho que ganha nas 8 partidas, minhas apostas seriam: Argentina, Uruguai, Espanha, Croácia, Brasil, Bélgica, Suécia e Inglaterra.