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08 agosto 2010

A Teoria da Justiça Revisitada - Libertarianismo em Robert Nozick

Robert Nozick (1938-2002)

1. Propósitos

1.1. Motivação da obra
- Os indivíduos têm direitos, os quais são fortes e abrangentes a ponto de limitar (ou até proibir) o escopo da ação do estado e seus mandatários. Sendo assim, a questão fundamental da filosofia política é: há necessidade (ou justificação) para a existência de um estado?
- A teoria anarquista elimina tal objeto de estudo, pela sua própria opção teórica (abolir o estado). Aliás, para analisar o estado, que tal começarmos por uma alternativa teórica que o nega? Ou seja, tentar explicar o domínio político em termos apolíticos, iniciando pelo estado de natureza. Isso caracterizaria uma explicação potencial fundamental.

1.2. Apêndice I: Os tipos de Libertarianismo
- Conseqüencialista (benefícios do livre mercado). Deve-se defender a liberdade individual e a propriedade privada pelos resultados que ambos trazem. Produzem mais riqueza global, progresso. Defendido pela Escola Austríaca (Mises, Hayek) e pela Escola de Chicago (Friedman).
- Principialista (direitos naturais). A liberdade e a propriedade justificam-se em razões éticas. São princípios que geram sociedades mais justas, independentemente de gerarem prosperidade ou não. Preferido pelos anarco-capitalistas (Rothbard) e pela “teoria do intitulamento” (Nozick).

1.3. Apêndice II: A máquina de experiências
- Crítica ao utilitarismo extremo. Como seria usar uma máquina que simula qualquer experiência que quisermos? Porém, a vida é mais do que ter experiências. Queremos ser de determinada maneira e fazer determinadas coisas. Ligar-se à máquina é um tipo de suicídio. Uma realidade artificial não vale a pena, pois nos tira o contato efetivo com qualquer realidade mais profunda.

2. O caminho para o estado-mínimo

2.1. As associações de proteção privadas
- No estado de natureza, os indivíduos gozam de uma situação de perfeita liberdade (Locke). Porém, a lei natural tácita pode encontrar problemas de aplicação. Pode ocorrer uma punição desproporcional ou uma compensação em excesso, tendo em vista que algumas pessoas podem superestimar a quantidade de danos sofridos ou simplesmente ser movidas pelas paixões. Outra dificuldade surge quando há indivíduos incapazes de punir ou fazer valer os seus direitos.
- Em meio a tal cenário, podem surgir associações de proteção mútua, as quais responderão a todo pedido de qualquer membro para defesa ou garantia de direitos. Para facilitar o desempenho desta empresa, poderia haver especialização: contratar-se-iam pessoas para desempenhar funções de proteção (vide companhias de seguro privadas em Robert P. Murphy, “Teoria do Caos”).
- E se houver conflitos entre clientes de diferentes agências? Com o tempo, uma agência pode ser aquela escolhida pela grande maioria dos clientes e também a mais poderosa, tornando-se assim a agência dominante. Em situações nas quais não há essa prevalência, pode ocorrer um acordo quanto à formação de um sistema judicial federal unificado, para arbitrar. De qualquer maneira, este é um processo de mão invisível: não houve desígnio intencional, pois emergiu-se naturalmente da anarquia para a criação de um estado, sem violar os direitos de ninguém.

2.2. Monopólio e estado ultra-mínimo
- Porém, a agência dominante ainda não é um estado, pois ela não reivindica monopólio sobre o uso da força; não tem legitimidade moral para tal. Somente na medida em que ela passa a proteger todos em seu domínio (mesmo aqueles que não são seus clientes, “isolados”) e ser a única que pode fazer valer os direitos (proibindo a aplicação privada perigosa da justiça) é que podemos falar em estado ultra-mínimo.

2.3. Redistribuição e estado-mínimo
- Quando a agência começa a proteger mesmo quem pagou menos ou nada pelo serviço, há um elemento redistributivo, pois ela está compensando-os pela proibição de fazer “justiça pelas próprias mãos”, como se oferecesse descontos como contrapartida a uma restrição. Isso não prejudica os seus clientes (que pagam mais), pois para eles é melhor que alguns recebam descontos para não adotarem procedimentos pouco fidedignos de auto-tutela do que permitir que estes continuem, o que geraria incerteza e insegurança.
- A partir de ações egoístas e racionais das pessoas num estado de natureza lockiano, surge um monopólio “de facto” que é o único juiz efetivo sobre a violência em um território geográfico; ou, pelo menos, a afiliação federativa de várias agências. Sendo assim, uma associação de proteção dominante é um estado. A passagem dele de ultra-mínimo para mínimo passa pela obrigação moral de compensar pelas desvantagens que impõe àqueles a quem proíbe atividades auto-tutelares contra os seus clientes.

3. A questão da justiça

3.1. A teoria da titularidade
- Aquisição: como se adquire inicialmente as propriedades (haveres), em um mundo em que nada era de ninguém. Será que “misturar seu trabalho” (dar valor) é suficiente?
- Transferência: consiste no livre mercado. São as trocas voluntárias, desde compras e vendas até presentes e doações. É justa se não envolve coerção e se as propriedades foram adquiridas de forma também justa.
- Retificação: Ninguém tem direito a uma propriedade exceto se aplicar as duas etapas anteriores de forma justa. Se o conjunto de propriedades é corretamente gerado, não há argumento que justifique um Estado mais extenso baseado na justiça distributiva. Do contrário, deve-se analisar como se deu o processo historicamente para verificar o que deve ser corrigido, reparado (algo próximo do princípio da diferença).

3.2. O argumento intuitivo (Wilt Chamberlain)
- Imagine D1, uma distribuição do jeito que você quiser; pode, inclusive, ser a mais igualitária possível. Agora, considere que um jogador de basquete muito bom resolve ganhar 25 centavos por jogo, depositados por cada pessoa como um preço à parte do ingresso. Se muitas pessoas ficam encantadas com o jeito de ele jogar, e 1 milhão delas voluntariamente pagam o preço estipulado, ao final da temporada ele ganhará US$ 250.000. Essa transferência foi justa? Deve ser cobrado algum imposto sobre o rendimento obtido por ele? Se D1 era uma distribuição justa, e pessoas passaram para D2 de forma voluntária, transferindo parte das parcelas que haviam recebido em D1, então D2 também será justa.
- Nenhum princípio finalista ou distributivo padronizado de justiça pode ser continuamente implementado sem interferência contínua na vida das pessoas. A fim de manter o padrão (por exemplo, o da justiça como eqüidade), teríamos que interferir continuamente para impedir que as pessoas transferissem recursos como quisessem, ou os recebessem de alguém que por alguma razão decidiu transferi-los.

3.3. O argumento filosófico (posse de si mesmo)
- As restrições morais secundárias (direitos individuais são invioláveis) se originam no princípio kantiano de que os indivíduos são fins e não meros meios. Não se pode violar pessoas em função do maior bem social porque isso seria basicamente instrumentalizá-las. As tentativas de Rawls de restringir os dotes e talentos naturais são insustentáveis, pois, se as pessoas têm direito a alguma coisa, elas têm direito a tudo que decorre dela, inclusive as suas propriedades.
- Nozick cria uma condição mais fraca que a de Locke quanto à aquisição de propriedades. Enquanto para o filósofo do século XVII um indivíduo deveria deixar “tanto e em tão boa qualidade” para os demais, o pensador americano defende que basta não deixar aqueles sem propriedade em situação não que não seja pior à da distribuição. “De cada um, segundo escolher, a cada um, segundo for escolhido”. Critérios padronizados só se preocupam com o estado final, ignorando qualquer direito que uma pessoa possa ter de dar algo a alguém. A tributação de renda está na mesma situação do trabalho forçado, pois obriga alguém a trabalhar (coerção) durante certo período de tempo, em benefício de algo que o indivíduo pode não desejar (ex. da hora extra e do lazer).

3.4. Críticas
- Amartya Sen: liberdades formais são insuficientes, ainda mais com a prioridade inflexível dada por Nozick. O libertarianismo negligencia liberdades substantivas básicas. Sérios problemas sociais (ex.: privações trazidas por fome, pobreza, ignorância etc.) podem ocorrer sem que nenhum direito libertário ou “intitulamento” seja desrespeitado.
- Will Kymlicka: o exemplo de Wilt Chamberlain é contra-intuitivo, pois não necessariamente alguém formará seu D1 a partir de uma dotação de direitos absolutos. Quanto à questão da posse de si mesmo, o esquema distributivo rawlsiano não chega a negá-la. Nozick não conseguiu refutar a tese de que as pessoas não têm direito legítimo às recompensas do exercício de seus talentos (que, portanto, são imerecidos). A idéia igualitária kantiana (“Todo homem é um fim em si mesmo”) não se compatibiliza com a ineqüidade do argumento da posse de si mesmo.
- Murray Rothbard: nunca um estado foi formado segundo o procedimento descrito por Robert Nozick; este processo sempre envolveu violência, conquista e exploração. E mesmo se tivessem sido, continuariam a ser injustificáveis, pois entram em confronto com os direitos individuais; um “passaporte para o despotismo ilimitado”. Além disso, o estado-mínimo nozickiano, seguido à risca, se tornaria um Estado máximo. Seu processo de mão invisível poderia muito bem levar de volta ao anarquismo.

4. O estado-mínimo como utopia

4.1. Enquadramento
- Tomando como objeto de estudo o melhor de todos os mundos possíveis, chega-se à constatação que, para cada pessoa, haverá um melhor mundo, sendo que este ainda pode mudar com o tempo. E se surgisse uma associação estável? A partir de um modelo econômico baseado em mercados competitivos, pode surgir um constructo no qual as utopias individuais podem coexistir. Porém, no mundo atual (real) há uma série de problemas, como custos de informação, questões de defesa externa e impedimento de uma pessoa sair de uma comunidade. Que fazer?
- Os enquadramentos (balizamentos) podem ser uma boa solução, pois permitem a cada indivíduo viver na comunidade real que se aproxima mais de realizar o que é mais importante para ele. Considerando que as pessoas são diferentes, assim como seus modos de vida, não há um tipo de comunidade que objetivamente seja melhor para todos. Portanto, a utopia consiste de utopias, de muitas e diferentes comunidades; enfim, um lugar onde pessoas têm liberdade de se associarem voluntariamente para seguir e tentar realizar sua própria visão da boa vida, mas onde ninguém pode impor sua própria visão aos demais.

4.2. Uma utopia de comunidades
- Com um leque diverso de comunidades, mais pessoas poderão aproximar-se do modo como desejam viver. Há três tipos de utopismo: imperialista (quer ajustar todos a um único padrão, mesmo que à força), missionário (pretende persuadir a todos a viver em um tipo particular de comunidade, mas não os forçarão) e existencial (esperança quanto a um modelo particular, não necessariamente abrangendo todas as pessoas). O terceiro tipo é que mais apóia esta estrutura, mas os missionários também o podem fazê-lo.
- Além disso, há uma diferença entre comunidade e nação. Enquanto que pessoas podem aceitar restrições por contrato, o governo não pode fazer intervenções, restrições e limitações, a não ser aquelas relativas à proteção de direitos individuais; por exemplo, garantir a alguém a liberdade de sair de uma comunidade. Portanto, a sua estrutura seria de laissez-faire, mas as comunidades, não necessariamente (ex.: socialismo). O estado-mínimo é o único moralmente legítimo. pois trata-nos como indivíduos invioláveis, com direitos pressupostos pela dignidade. Ao lidar conosco com respeito, ele nos permite, individualmente ou em conjunto, determinar nosso tipo de vida, fins e concepções de nós mesmos.

 

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