Férias joyceanas
Entre os dias 4 e 7 de Julho, li os contos de "Dublinenses". Percebe-se que, a cada história, a habilidade do escritor vai se aprimorando. Aqui já se delineiam algumas das características típicas de suas obras, como: o fato de Dublin ser o ambiente de todas as narrativas; as recorrentes discussões sobre política e religião, duas grandes paixões (e fardos) dos irlandeses; a mediocridade e tédio que contaminam a capital, mas que não impedem que haja sempre algo de muito original e curioso por trás de cada personagem e situação; e, é claro, a personalidade forte, impulsiva e geniosa que estes caracteres do povo irlandês têm.
Eu poderia destacar os seguintes contos: "Uma Pequena Nuvem" e a amargura de seu protagonista, Little Chandler, perante o marasmo de sua vida comparada ao êxito de Gallaher, um amigo que não via há tempos; "Um Caso Doloroso", que mostra o arrependimento de James Duffy por ter perdido toda uma vida sem se arriscar, sendo agora tarde demais para se livrar da inevitável solidão; "Graça", que tem um desenrolar interessantíssimo e revela como Joyce preza temáticas como redenção, amizade e Igreja Católica; por último, o melhor de todos, "Os Mortos", repleto de personagens envolventes (por exemplo, Browne, as irmãs Mary Jane, Júlia e Kate, seu 'sobrinho' Gabriel e a esposa dele, Gretta), além de um desfecho surpreendente.
"Retrato do Artista Quando Jovem" demonstra o quanto o autor irlandês era capaz de evoluir de um livro para o outro. Estamos falando de um romance que, lenta e gradualmente, ganha em densidade, deixando o leitor cada vez mais absorvido pela obra. Antes de mais nada, é auto-biográfico, pois há muitas semelhanças entre as trajetórias de James Joyce e Stephen Dedalus: os internatos, os problemas financeiros da família, o envolvimento com prostitutas, a relação de amor e ódio com o catolicismo...
Os fluxos de consciência, paulatinamente, ganham espaço, a ponto de, em certos momentos, haver a indagação quanto a se estar lendo um diálogo, uma descrição em 3ª pessoa ou um monólogo, ou as três opções sob uma atmosfera onírica. No último trecho que li antes de redigir este post (parei no início da IV parte, pág. 139), seguem-se várias páginas discorrendo sobre pecado, inferno, angústia, arrependimento, dogmas católicos, confissão... enfim, Stephen fica mais e mais consternado pelo conflito entre os prazeres carnais e o peso na consciência.
Algumas partes de "Retrato do Artista Quando Jovem" surpreendem pela crueza e o realismo, como a passagem em que Dedalus é injustamente castigado com a palmatória pelo Padre Dolan, e vive o dilema de ir ou não ao reitor contar que não merecia tal punição, e evitar que apanhasse ainda mais no dia seguinte.
Enfim, ainda não terminei o livro para ter um julgamento definitivo (ceteris paribus, amanhã eu o concluo; no mais tardar, domingo), mas, por enquanto, está sendo uma leitura prazerosa.
Assim que eu concluí-lo, começarei a ler aquele que é um forte candidato a entrar no top 5 de melhores livros que eu já li: "Ulisses". Em um ano em que estou a enfrentar vários livros bem longos (na maioria dos casos, leituras adiadas há anos, como os próprios "O Senhor dos Anéis" e "A Montanha Mágica"), nada como pegar um clássico de 900 páginas para aproveitar o que ainda me resta das férias, não é mesmo?
Nas próximas postagens, mais detalhes deste meu plano de leituras, além de notas sobre meu cotidiano, ensaios sobre política e economia (sim, eles voltarão!), resenhas sobre livros e CDs, entre outras coisas! Bye-bye!