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Kaio

 

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03 maio 2008

"This is what we believe" - parte 2

"Os Fundamentos da Liberdade" é dividido em três partes, além de um posfácio.

A primeira, "O Valor da Liberdade", tem um cunho mais filosófico. Há uma pertinente discussão sobre o significado da palavra 'liberdade', assim como o tipo dela que será empregado pelo autor. No caso, há um foco na liberdade individual, ou seja, ausência de coerção. Hayek insiste em diferenciá-la da liberdade como ausência de restrições, defendida pelos racionalistas franceses (e também por alguns ingleses utilitaristas), que poderia oferecer muitos riscos para o convívio em sociedade. É nisso que uma famosa frase de Lord Acton - aliás, um dos campeões de citações no livro - passa a fazer o maior sentido: "Liberty is not the power of doing what we like, but the right to do what we ought."
Além disso, F. A. Hayek enfatiza a necessidade de espaço para o desenvolvimento criativo, a importância das tradições e costumes na elaboração das leis (aliás, nesse ponto ele torna-se praticamente um seguidor dos ideais de grandes liberais da Grã-Bretanha, como Hume, Smith e Burke, assim como franceses de 'tendência britânica', como Tocqueville e Montesquieu) e na necessária relação entre liberdade e responsabilidade.
Destaque também para a discussão que ele faz sobre democracia como sustentáculo e obstáculo para o liberalismo; algumas leituras mais precipitadas de neomarxistas como Perry Anderson levaram ao mito de que Hayek e os neoliberais eram anti-democráticos, mas o capítulo "O Governo da Maioria" é a prova de que tal crítica é assaz simplista. Sinceramente, acredito que o pensador austríaco é muito mais democrata do que esquerdistas que se dizem democráticos ortodoxos.

A parte II, "A Liberdade e a Lei", tem discussões mais ligadas ao Direito. Há interessantes debates sobre lei e ordem, a importância das normas gerais, os riscos de conceder ao Estado poderes arbitrários para formular leis, as origens do Estado de Direito, o legado da Revolução Americana e sua Constituição com a limitação dos poderes e a ascensão e queda do Direito de caráter liberal na Europa do Séc. XIX.
Gostei muito da parte em que ele mostra como a Alemanha foi pioneira na fundamentação tanto do Estado de Direito quanto da reação ao mesmo, que encontrou no positivismo jurídico e no fortalecimento do nacionalismo e do socialismo as bases para décadas de totalitarismo e arbitrariedades.

A última parte, "A Liberdade no Estado Previdenciário", apóia-se na Ciência Política e na Economia para discutir atualidades. É o momento em que o ideário do liberalismo passa a ser aplicado a questões mais práticas, como o Welfare State, a agricultura, os impostos progressivos e a previdência social. Muitas das crenças típicas dos social-democratas são refutadas.
Os melhores momentos dessa parte são: I - a desconstrução e os desmascaramento do sindicalismo, apontando seu crescente poder de coerção (pelo menos no contexto da obra, ou seja, as décadas de 50 e 60) e de pressão política, que poderiam provocar conseqüências graves, inclusive o desemprego, a diminuição da produtividade econômica e o cerceamento da liberdade individual; II - o último capítulo, sobre "Educação e Pesquisa", em que Hayek encanta o leitor com a reafirmação da defesa da liberdade criativa, inclusive no âmbito acadêmico, assim como o papel da educação na construção da "evolução do ser humano em sua mais rica diversidade". Ele também aponta alguns problemas relativos à educação pública e às falácias das idéias dos 'progressistas', como forçar um tratamento igualitário a ponto de negar individualidades, objetivando uma (perniciosa) homogeneização dos estudantes.

O posfácio de "Os Fundamentos da Liberdade" foi escrito cerca de vinte anos após a primeira edição da obra (1960), como resposta à apropriação que muitos conservadores estavam fazendo das idéias (neo)liberais. Aliás, o caso do Thatcher, que citei na primeira parte dessa postagem, é sintomático, pois ela demonstrava grande apreço pelas idéias de Friedrich August von Hayek, sendo pioneira naquilo que se costuma chamar "A Nova Direita".
Para demonstrar as claras diferenças entre o pensamento liberal e o conservadorismo, o autor aponta inúmeras falhas do último, como o seu desprezo pelas idéias e sua eterna falta de alternativas ideológicas, ou seja, sempre se apropriando daquilo que lhe seja mais conveniente para chegar ao poder; a aliança dos conservadores com os socialistas na época do nazi-fascismo, para anos depois se ligarem aos libertários para criticar o New Deal, são bons exemplos disso.
Além disso, salienta-se a obsessão dos conservadores por frear mudanças e manter a "ordem", mesmo que ao preço de métodos autoritários e a ausência de princípios. As suas convicções morais, ao invés de moderá-los, levam seus partidários a um fanatismo que os aproxima justamente de seus supostos grandes adversários: "Como o socialista, o conservador preocupa-se menos com o problema de como deveriam ser limitados os poderes do governo do que com o de quem irá exercê-los; e, como o socialista, também se acha no direito de impor às outras pessoas os valores nos quais acredita. (...) E, em sua tentativa de desacreditar a livre iniciativa, muitos líderes conservadores rivalizaram com os socialistas".
Por último, Hayek tenta encontrar a melhor definição ideológica para si mesmo, lamentando a distorção do termo 'liberal' na Europa e, principalmente, na América (lembram-se do orkut e a visão política "esquerda-liberal"?). Ele lembra que, nos EUA, é muito comum o termo 'libertário' como substituto, mas, ao contrário de mim, ele não gosta dessa denominação. Sua opção é por "old Whig", à la Edmund Burke e os liberais clássicos. Nas palavras do próprio pensador, "sou um impenitente Whig da velha guarda."

Enfim, o livro é certamente um dos mais geniais tratados sobre a liberdade já escritos até hoje. Friedrich Hayek, ao mesmo tempo que resgata princípios construídos entre os séculos XVII e XIX, adapta o liberalismo a uma nova realidade e a novas perspectivas. Não por acaso, desde o fim dos anos 70 tal ideário está cada vez mais forte, por mais que seus adversários tentem desmerecê-lo. Por mais que alguns já falem em neokeynesianismo e em uma nova supremacia ideológica da esquerda e dos intervencionistas, Kaio Felipe é um dos que acredita que o século em que estamos ainda experimentará várias décadas de (re)afirmação da necessidade de liberdade, da supremacia do indivíduo e do poder das idéias.

 

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