A América Latina segundo Carlos Rangel
Nota: a edição do livro utilizada para o fichamento foi publicada pela UnB, em 1981.
1. Biografia · Nasceu em 1929, em Caracas. · Estudou Literatura Comparada nos EUA na França, e deu aulas de Literatura Espanhola e Hispano-americana na NYU e de Jornalismo Informativo e de Opinião na UCV (Venezuela). · Desenvolveu uma longa carreira na imprensa escrita e televisiva, trabalhando como analista político. O programa jornalístico de opinião que apresentava junto com sua esposa, Sofia Imber, alcançou grandes índices de audiência. · Seus dois livros, “Do Bom Selvagem ao Bom Revolucionário” (1976) e “O Ocidente e o Terceiro Mundo” (1982), rejeitam a tese recorrente de que a culpa pelo subdesenvolvimento da América Latina reside nos Estados Unidos e em outros países ricos e industrializados. · Sofrendo de depressão profunda, cometeu suicídio em 1988. 2. “Do Bom Selvagem ao Bom Revolucionário” · A América Latina é a história de um fracasso. Sua própria origem já era problemática: uma sociedade criada a partir de amos e escravos, raptores e mulheres violadas. O seu subdesenvolvimento é mais político do que econômico. · AL e os EUA: inveja e ressentimento. A oposição aos Estados Unidos como eterno paradigma. Porém, os EUA são desenvolvidos porque, já como colônia, eles apresentavam valores e hábitos propícios para a prosperidade. Imperialismo surgiu muito mais por motivos de defesa externa, e não por “parasitismo”. · Mediadores culturais: os mitos do “bom selvagem” (utopia do Novo Mundo, e o seu novo homem, imaculado e não-contaminado pela civilização ocidental) e do “bom revolucionário” (o aventureiro romântico que guiará a humanidade para o “fim da História como regresso à Idade de Ouro”). O realismo fantástico enquanto expressão literária desses ideais. Miranda foi ignorado, Bolívar foi deturpado. Tais mitos geraram complexo de culpa no Ocidente (Europa) e eterna ilusão na América Latina. · Marxismo: chegou tardiamente, mas teve profundos impactos sociopolíticos e culturais. Premissa de que os conflitos de classe são inconciliáveis. Porém, Marx e Engels eram “etapistas”; por exemplo, acreditavam que a Índia precisava ser colonizada pela civilização ocidental. · Leninismo e “terceiro-mundismo”. Ao contrário do que se pensa, os verdadeiros revisionistas são os leninistas. A tese do imperialismo como “jogo de soma zero” justificaria a revolução na Rússia, e foi sistematizada na III Internacional como estratégia política: apoiar movimentos nacionalistas nas colônias e países dependentes para favorecer a URSS. A humilhação das elites nacionais foi o motor do “terceiro-mundismo”. Rivalidade entre APRA (ortodoxos / “reformistas”) e PCs (revisionistas / fantoches soviéticos). · Igreja: apresentou crescente aproximação com a esquerda (exemplo extremo – Teologia da Libertação). Desde o início da colonização, foi um poderoso instrumento de c controle social. Para retomar sua importância no 3º Mundo, legitima os regimes comunistas, como tática contra-hegemônica aos americanos, que são liberais e protestantes. Com isso, há reversão do anticomunismo presente até Pio XII. · Caudilhismo: após instabilidade social surgida a partir das guerras de Independência, surgem líderes locais e regionais (fazendeiros, p. ex.) que procuram fomentar a unidade nacional, ao mesmo tempo em que conservavam uma casta de privilegiados. Surge, assim, tradição golpista, com a disputa entre caudilhos. · Universidade e intelectuais: na AL, as universidades foram basicamente “recrutamento e formação de novas elites dirigentes”. O investimento excessivo nas universidades “públicas, gratuitas e autônomas” foi em detrimento a educação básica. Os universitários “revolucionários” se tornavam burocratas; já os intelectuais, “secretários” dos caudilhos. · Estudos de caso · I – Argentina: o desastre causado pelo governo de Perón como queda de Ariel perante Calibán. O país latino-americano mais próspero até o início do século XX (legado de “assimilacionistas” como Sarmiento) entrou em decadência com os excessos do anti-norte americanismo. Este ganhou feições populistas e fascistas com Juan Domingo Perón, que reverteu a maior parte dos avanços econômicos e políticos da Argentina até 1945. · II – Peru: militarismo “terceiro-mundista”? As Forças Armadas cooptaram o Partido Comunista, unindo o desejo de ordem com a retórica revolucionária. · III – México: após a sangrenta Revolução Mexicana, surgiu um regime de partido hegemônico (o PRI). A proibição da reeleição presidencial foi um dos fatores de diminuição das convulsões sociais. · IV – Brasil: militares nacional-desenvolvimentistas. Brasil sempre esteve deslocado em relação à América Latina, talvez por suas pretensões primeiro-mundistas (“o país do futuro”). Regime militar pós-64, com o milagre econômico combinado com repressão política, favoreceu desenvolvimento. (Havia mesmo tão pouca articulação com os demais países latino-americanos? E a “política externa independente” de Jânio e Jango, assim como a Operação Condor?) · V – Venezuela: região em que o “aprismo” (social-democracia: marxistas que aceitam as regras do jogo democrático) mais teve sucesso, elegendo três presidentes, e obtendo o consenso ideológico e prático dos democratas-cristãos. OPEP como mecanismo de fortalecimento econômico. Foi o único país a não experimentar ditaduras desde 1958. (Chávez reverteu tal tradição democrática e pluralista; por quê?) · VI – Chile: Um dos países de maior tradição cívica e democrática da América do Sul pôs tudo a perder quando Salvador Allende e os marxistas chegaram ao poder (1970). O país sofreu profunda decadência política, econômica e moral – greves coagindo empresas privadas a serem estatizadas, hiperinflação, desestruturação da economia, fraudes eleitorais, apoio soviético (enquanto a oposição tinha financiamento da CIA), desrespeito às leis e compromissos assumidos. Precipitou-se, assim, o cenário para o golpe de Pinochet. (A nação chilena, nos últimos 20 anos, reconquistou a cordialidade e a tolerância, como prova a própria alternância política entre democratas-cristãos, a Concertación e, mais recentemente, os liberais) 3. Influência · Sucesso de público e crítica, Rangel obteve boa recepção da imprensa internacional. Porém, sofreu as esperadas críticas dos intelectuais de esquerda, especialmente a latino-americana. · “Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano” (Plínio Mendoza, Alberto Montaner e Álvaro Vargas Llosa), de 1995: crítica mais ácida da hegemonia das interpretações esquerdistas, nacionalistas e populistas dos problemas latino-americanos. · Voltou a ganhar popularidade nos últimos anos em seu país natal, graças às investidas do governo de Hugo Chávez contra as liberdades políticas e econômicas e a própria democracia venezuelana.