Hoje ocorreu o primeiro colóquio cultural sobre autores e temas liberais/libertários. Foi na Sorveteria Palato, às 18h. Finalmente estou realizando o meu sonho de discussões filosóficas e políticas - e o melhor, de forma informal e descontraída. Vieram, além de mim, quatro colegas. Sobre o que falamos? Ayn Rand! A seguir, as anotações que utilizei na minha fala. A parte sobre "A Virtude do Egoísmo" é basicamente um fichamento do livro, o qual foi publicado em 1991 pela editora Ortiz (mas, em parte, utilizei a versão resumida do Instituto Liberal).
Biografia
Nasce em São Petersburgo, em 1905.
Consegue visto e sai da Rússia bolchevique, em 1926.
Casa-se com o ator Frank O’Connor, em 1929.
Trabalha durante alguns anos como roteirista de cinema. No final dos anos 30, começa sua produção literária.
Massacrada pela crítica, seus livros alcançam imenso sucesso comercial gradualmente, graças ao “word of mouth”.
Relacionamento com o amante (e parceiro intelectual) Nathaliel Branden dura cerca de uma década, encerrando-se em 1968.
Fundadora do movimento objetivista, adquire forte influência entre jovens universitários nos anos 60. De certa maneira, atua na Guerra Fria cultural.
Morre de câncer de pulmão, em 1982.
A Virtude do Egoísmo
Egoísmo é a preocupação com nossos próprios interesses. Este conceito não inclui avaliação moral. Para o altruísmo, o critério de valor moral de uma ação é o seu benefício (o povo, o outro; menos a si mesmo).
O que importa é o que o homem escolhe para valorizar, e não quem ou o fato em si. Deve-se defender o direito do homem a uma existência moral racional; o homem deve ser o beneficiário de seus próprios atos morais.
Há, no entanto, a diferença entre agir de acordo com um código racional de princípios morais e guiar nossos atos por caprichos, desejos irracionais. Nesse segundo caso, temos um subjetivismo ético.
Valores: razão, propósito e auto-estima. Virtudes respectivas: racionalidade (razão como única fonte de conhecimento), produtividade (trabalho) e orgulho (ambição moral).
Todo ser humano é um fim em si mesmo, e não um meio para o bem-estar dos outros. Propósito moral mais alto do ser humano: realização de sua própria felicidade. Emoções básicas: felicidade (triunfo da vida) e sofrimento (alerta da morte).
Deve-se aceitar a própria vida como princípio fundamental e da busca dos valores requeridos por ela, para alcançar a felicidade.
Crítica à busca “egoísta” dos próprios caprichos (Nietzsche) e ao altruísmo servil ao capricho dos outros, que é um hedonismo ético-social (Bentham, Mill e Comte). Enfim, é um canibalismo moral.
Egoísmo racional: valores exigidos pela vida humana, sem o sacrifício de ninguém. Princípio da troca (negociantes de valor) gera justiça, pois somente quem se valoriza a si mesmo é capaz de valorizar alguém. Conhecimento e comércio são maiores ganhos da convivência social; são formas de cooperação.
Princípio político: ninguém possui o direito de iniciar o uso da força física contra os outros. No máximo, apenas em retaliação e contra aqueles que iniciam seu uso. O único propósito moral adequado de um governo é proteger os direitos das pessoas (vida, liberdade, propriedade e a busca da felicidade), o que inclui protegê-las da violência física.
A ética objetivista é a base moral do capitalismo – mas, aquele puro e desregulamentado (laissez-faire). O melhor sistema social é aquele que deixa os homens livres para conquistarem e manterem seus valores.
Deve-se agir sempre de acordo com a hierarquia de seus valores, pois somente ela permite juízos de valor e uma conduta racional.
Amor e amizade são valores profundamente egoístas. O amor é uma expressão de auto-estima e resposta aos valores pessoais em outra pessoa. Preocupar-se com o bem-estar de quem se ama é parte racional de interesses egoístas. A virtude em ajudar aqueles que se ama não é abnegação ou sacrifício, mas integridade (lealdade com convicções).
Riqueza e conhecimento não são presentes da natureza; têm que ser descobertos e conquistados pelo próprio esforço do indivíduo.
É indispensável assumir a responsabilidade de encontrar os meios necessários e adequados para que alcancemos nossos objetivos. Quem não é responsável pela própria vida e por seus próprios interesses, não leva em consideração os interesses e a vida dos outros. Ignora-se, assim, que pela cooperação social, eles também são responsáveis pela satisfação de seus desejos.
O compromisso entre a liberdade e o controle governamental é impossível. Aceitar algum controle, mesmo que seja “um pouco”, já é uma renúncia à inalienabilidade dos direitos individuais, em prol do princípio do poder arbitrário e ilimitado do governo.
Nada corrompe tanto uma cultura ou o caráter do homem quanto o agnosticismo moral; ou seja, a idéia de que não se deve fazer um julgamento moral dos outros. A conseqüência desta postura é o cinismo amoral, em que o medo da responsabilidade perante a uma realidade objetiva (afinal, não há como escapar das escolhas que devemos fazer, assim como dos valores morais implicados) leva certos indivíduos a se sentirem livres para fazer julgamentos irracionais.
Da mesma forma que o culto da incerteza, na epistemologia, é uma revolta contra a razão, o culto da moral cinzenta, na ética, é um revolta contra os valores morais. Em economia mista, por exemplo, há homens de premissas mistas, mas a mistura não permanece “cinza” indefinidamente; é apenas um prelúdio para a predominância do lado mais amoral.
A ética coletivizada, enquanto altruísmo, afirma que o infortúnio de uns é a hipoteca a ser paga por outros. Porém, isso prejudica a compreensão de direitos e do valor da vida de um indivíduo. Tal criação de deveres sociais é coercitiva e se sustenta por premissas frágeis.
Essencialmente, o socialismo é a negação dos direitos de propriedade individual, pois o uso e controle destes são coletivizados – o que não significa que o serão em benefício do povo; há uma tendência oligárquica. Se quem produz não possui o resultado de seu próprio esforço, não possui a própria vida, pois esta se torna propriedade do Estado. Tanto o nazismo quanto o comunismo são formas de socialismo, ambos tomados por uma ilusão de grandeza que justificaria as mortes e o despotismo.
Os direitos individuais são o meio de subordinar a sociedade à lei moral. Aliás, é justamente esta a realização mais revolucionária dos EUA, pois estes traçaram a distinção entre os criminosos e o governo, ao proibir ao segundo a versão legalizada das atividades do primeiro. Além disso, a defesa dos direitos do homem (ou seja, de sua liberdade de ação) passa pela defesa do capitalismo laissez-faire.
De forma sucinta, governo é o meio de colocar, sob leis objetivamente definidas, o uso retaliatório da força física. Cabe também ao governo a função de árbitro que decide as disputas (segundo leis objetivas), assim como proteger os contratos firmados entre os cidadãos. Sendo assim, em um sistema social adequado, qualquer um pode fazer o que quiser, exceto aquilo que é legalmente proibido. Porém, um funcionário do governo não pode fazer nada, a não ser aquilo que é legalmente permitido.
Para pagar as funções legítimas de um governo, bastaria uma taxação voluntária. Para aqueles que não podem pagar tal custeio, haveria um bônus propiciado por aqueles que podem fazê-lo. Isso, no entanto, não é redistribuição de riqueza, pois cobriria apenas benefícios indiretos (exemplo dos bancos desocupados de um trem).
O racismo é a forma mais cruel e primitiva de coletivismo, pois atribui significado moral e/ou sócio-político à linhagem genética de um homem. Ou seja, julga um homem não por sua própria índole ou ações, mas pelas índoles e ações de um coletivo de antepassados. Cria-se, assim, uma auto-estima automática. Porém, doutrinas, por mais nocivas que sejam, não podem ser proibidas por lei. O racismo privado é menos uma questão legal que moral. Os “direitos civis” (por exemplo, cotas raciais nas escolas), com o argumento de “equilíbrio racial”, também estão sendo racistas, ao criar uma culpa racial coletiva.
A Nascente
Adaptação cinematográfica (1949), com Gary Cooper no papel do protagonista: o impetuoso arquiteto Howard Roark.
Os quatro capítulos expõem os quatro tipos de indivíduos segundo Ayn Rand: Peter Keating (arquiteto, plagia desenhos arquitetônicos clássicos para fazer sucesso), o “homem que não poderia ser, e não sabe disso”; Ellsworth Toohey (vilão do livro, um relativista moral por excelência), o “homem que não poderia ser, e sabe disso”; Gail Wynand (ambicioso dono de uma grande cadeia de comunicações), o "homem que poderia ser"; e, por fim, Howard Roark (também arquiteto, enfrenta dificuldades por colocar sua integridade em primeiro lugar), o “homem que todo homem deveria ser”.
“A Nascente” (em inglês, “The Fountainhead”), em suas discussões sobre modernismo arquitetônico (e uma crítica ao apego às formas clássicas e ao ecletismo), mostra que a arte, para Ayn Rand, deve ser a perfeita expressão das idiossincrasias e do auto-interesse do artista; não deve, portanto, jamais ser movida pelo interesse comercial, caso este implique abrir mão dos ideais e da individualidade, em prol do que o “público” quer.
Quem é John Galt?
Obra-prima de Ayn Rand. É seu livro mais longo (cerca de 1100 páginas, na edição americana) e bem-sucedido.
Os homens e mulheres mais talentosos dos Estados Unidos (único país do mundo que ainda não se tornou uma “república socialista”), cansados de serem explorados pela ética coletivista predominante (e os problemas sociais e econômicos gerados por esta), resolve entrar em “greve”. Ao longo dos anos, povoam uma região afastada e isolada, e lá iniciam uma sociedade de moldes utópicos: sem Estado, apenas indivíduos excepcionais em suas respectivas áreas (petroquímica, engenharia, filosofia, arte, construção civil...). Todos unidos pelos mesmos valores: o livre mercado e o respeito mútuo.
Divisão maniqueísta da sociedade: de um lado, os egoístas racionais e individualistas, dotados de espírito inovador e empreendedor; do outro, os altruístas e “social-democratas”, preocupados com a “responsabilidade social” e o sacrifício dos ricos em benefício dos demais.
Crítica ao crescente intervencionismo na economia e sociedade americana após o New Deal, influenciado por economistas como Keynes. A visão de Rand sobre o governo apresenta convergência com as teses da Public Choice; por exemplo, quando explicita o jogo de interesses especiais e o uso questionável do dinheiro dos contribuintes pelas agências governamentais.
Longo discurso filosófico, proferido por John Galt, expõe as linhas gerais do pensamento objetivista. Além de afirmar a supremacia do indivíduo, critica-se o tom coercitivo e nocivo que a moral altruísta (a dos “usurpadores”) implica. Cada um de nós possui preferências completas, objetivas e que motivam ações – portanto, é condenável se render aos caprichos (sejam eles seus ou dos outros) ou à “sanção da vítima” (tolerar o parasitismo da maioria as pessoas à nossa volta, como se fosse um martírio inevitável). Outro discurso, feito por Francisco d’Anconia, notabiliza-se por apontar um lado moral no dinheiro.
Influência
Alan Greenspan – o ex-presidente do Federal Reserve era discípulo de Rand, e em sua atuação pública sempre prezou pelos princípios do livre mercado.
Ronald Reagan – a “nova direita” (neoliberais) chega ao poder nos EUA, em 1981, com um discurso em prol da redução do Estado e da valorização da iniciativa privada.
Filósofos, economistas, políticos e escritores libertários, mas também conservadores. Ayn Rand é respeitada pelos primeiros pela sua defesa da primazia do indivíduo (e seus talentos) e da liberdade de pensamento e ação; pelos segundos, por seus argumentos de defesa da propriedade privada e dos cortes vigorosos dos gastos públicos (“Welfare State”).
Os livros de Rand continuam a vender muito bem (principalmente nos Estados Unidos), ainda mais com a renovação do interesse pela autora, graças à escalada intervencionista dos últimos anos, em resposta (ou como causa?) para a crise econômica mundial.