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Kaio

 

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16 dezembro 2007

Zero! Rouge! Noir!

Foi mais rápido do que eu esperava. Entre a madrugada e a manhã de ontem, consegui ler as setenta páginas que me faltavam para acabar "O Jogador", de Fiódor Dostoiévski. Adorei o livro, que é extremamente cativante, e une com perfeição três elementos comuns nos romances dostoievskianos: bom humor, uma trama cheia de reviravoltas empolgantes e personagens interessantíssimos.
Alexei Ivanovitch, como eu já dissera no post passado, é bem parecido com o próprio autor do livro. Ambos compartilham o vício pelos jogos de azar, a personalidade excêntrica, relacionamentos inconstantes com mulheres geniosas e o desprezo em relação às convenções morais. São autênticos russos, à semelhança do Dmitri Fiodorovitch de "Os Irmãos Karamazov".
Falando nisso, Dostoiévski, de tantos elogios para a Rússia e deboches para a Europa Ocidental, beira ao chauvinismo. Não que isso seja ruim; pelo contrário, ele é um dos escritores da literatura mundial que mais profundamente simbolizou a sua terra natal. Não sei quanto a vocês, mas eu não consigo imaginar a cultura russa sem ter como referência os tipos psicológicos criados por Dostoiévski.
Os 'gringos' do livro não poderiam ser mais caricatos: Mr. Astley, o inglês sempre impecável e polido; Mme. Blanche, uma oportunista que vive a se aproveitar de homens ricos e de status (já ouviram falar em "bonequinha de luxo", mas no mau sentido?); e Des Grieux é um francês dos mais picaretas possíveis.
Notei também que Polina Suslova, a paixão de Alexei, é bem parecida com outras personagens clássicas dos livros de Dostoiévski, principalmente Catierina Ivanovna, outra que figura em "Os Irmãos Karamazov". Tal fato não é coincidência: ambas foram inspiradas na mesma pessoa, uma garota de personalidade forte que tratava o escritor como um "escravo", visto que foi completamente dominado e seduzido por ela. O relacionamento de Fiódor com a Polina da vida real foi bem instável, ocorrendo exatamente na época em que ele estava completamente viciado em jogos de azar e devendo para inúmeros credores. A década de 1860 foi uma das mais agitadas na vida de Dostoiévski, e sua criatividade aproveitou-se bastante desse tumulto: em três anos seguidos, ele publicou "Crime e Castigo" (1866), "O Jogador" (1867) e "O Idiota" (1868), que certamente figuram entre as suas melhores empreitadas literárias.
Alexei é um homem com nada a perder. Sua impulsividade o leva a cometer as mais diversas excentricidades, desde ridicularizar um duque e uma duquesa germânicos em praça pública até gastar mais de 100 mil francos em Paris em apenas três semanas, com a "ajuda" de Blanche. Suas derrotas no jogo não parecem lhe abalar; a esperança de enriquecer em questão de minutos é o seu combustível. Além disso, ele é bastante auto-indulgente, sempre encontrando justificativas para os seus atos e argumentações para provar que nunca está errado. Uma discussão entre ele e Des Grieux no capítulo VII é um dos bons exemplos disso.
Não poderia terminar essa análise sem novamente ressaltar o quanto "O Jogador" consegue envolver o leitor. Ele escreve livros que prendem tanto quem os lê que devorar umas sessenta, setenta páginas diárias é algo completamente comum. Leia Dostoiévski se você quiser conhecer um dos três pais da psicanálise (obviamente, os outros dois são Nietzsche e Freud) e ver o quanto ele usa e abusa de sua capacidade de desvendar e analisar a psiquê humana; e sempre, é claro, com doses cavalares de sarcasmo e auto-biografia.

 

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