De volta à Granja dos Bichos
A União Soviética surgiu em um contexto político e econômico favorável para o intervencionismo. No entre-guerras, o pensamento liberal estava desgastado, tanto em razão da Crise de 1929 como pelo fortalecimento das idéias nacionalistas e imperialistas. Além disso, o respaldo ao socialismo era considerável entre os intelectuais da época, que criticavam as desigualdades socioeconômicas geradas pelo capitalismo. Já com Trotsky no exílio e Stálin no poder, os soviéticos, através do Plano Qüinqüenal de 28, criaram um modelo em que o Estado dirigia a economia; centralizou-se o planejamento para todos os setores.
Inicialmente, tal prática foi bem-sucedida, permitindo que a URSS se industrializasse rapidamente. Não demorou muito para que correntes como a centro-esquerda (como os democratas nos EUA), as ditaduras militares latino-americanas e até os nazi-fascistas se inspirassem nesse dirigismo estatal em seus planos econômicos. Após a Segunda Guerra, então, os trabalhistas chegaram ao poder em quase toda a Europa Ocidental, com destaque para a Inglaterra de Clement Attlee. Eis o Welfare State.
Ainda assim, houve quem desconfiasse dessa "onda vermelha". Não estamos falando de conservadores, mas sim de dissidentes da própria esquerda. Dois pensadores estiveram à frente de sua época nesse aspecto: George Orwell e Friedrich Hayek. Este, que foi o mais destacado membro da Escola Austríaca de Economia, publicou em 1944 o ensaio "O Caminho da Servidão". A obra é uma crítica contundente à planificação econômica e a ameaça da mesma às liberdades individuais. Para muitos, é o marco inicial do neoliberalismo. Já Orwell escreveu dois romances ("1984" e "A Revolução dos Bichos") que alertavam para o crescente totalitarismo soviético, a adulteração da memória histórica e a perda da privacidade.
Apesar dessas críticas surgidas dentro da Intelligentsia européia, a Guerra Fria parecia pender para o lado da URSS até meados dos anos 60. Vários fatores contribuíram para isso; revoluções vitoriosas, como a chinesa (49) e a cubana (59); o surgimento de países-satélite no Leste Europeu; os êxitos na corrida espacial, destacando-se o Sputnik e a "Terra azul" de Yuri Gagarin; a boa imagem que o Ocidente tinha de Kruschev; o grande crescimento dos partidos de esquerda por todo o mundo; a forte associação do movimento estudantil com o esquerdismo, tendo como apogeu o Maio de 68 na França. Enfim, são muitos os motivos que nos levam a considerar tal década como o apogeu vermelho.
O que, então, levou à queda do "Império soviético"? Em primeiro lugar, a insustentabilidade da economia estatizada, que gerou desabastecimento e profundos entraves nas relações de mercado. Segundo, a burocracia criada pelo Partido Comunista, culpada pelo autoritarismo, o imobilismo e a corrupção que assolaram a máquina pública. Terceiro, o dogmatismo que não conseguia controlar a heterogeneidade; esta, um antigo calcanhar-de-aquiles da esquerda, acarretou em vários rachas, seja entre países (URSS x China) ou dentro das próprias agremiações (por exemplo, dissidências ligadas à luta armada que surgiram do PC brasileiro). Outro fato foi a excessiva preocupação com o setor bélico, que prejudicou a produção de bens de consumo e gerou uma grave obsolência industrial.
Há, no entanto, uma razão para o fracasso do socialismo real que vem de suas próprias raízes. Estamos falando do ideal de igualdade a qualquer custo. O desejo de garantir a justiça social, fortalecendo o Estado para que este a promovesse, foi, assim como Hayek já previra, um atentado à liberdade e à democracia. Ao contrário do capitalismo, que, mesmo não sendo uma regra, permitia regimes que tolerassem o direito de livre expressão, a ideologia socialista jamais conseguiu se impor sem uma ditadura. A coisa não teria sido diferente se Trotsky, o Bola-de-neve da "Revolução dos Bichos", tivesse assumido a União Soviética no lugar de Stálin, representado pelo porquinho Napoleão. A própria teoria coloca o nivelamento socioeconômico acima do respeito à individualidade. É certo que algumas tentativas de "humanização" do socialismo existiram, mas todas fracassaram; vide Alexander Dubcek na Tchecoslováquia, Allende no Chile e o próprio Gorbatchev nos últimos anos da URSS.
Sobre a pergunta deixada no 1º parágrafo, podemos refletir o seguite: sim, é verdade que o capitalismo globalizado torna cada vez mais difícil uma tentativa de planificação econômica, visto que até mesmo os Estados socialistas remanescentes vêm adotando práticas de economia de mercado; a China é o melhor exemplo disso. Mesmo assim, o Muro de Berlim ainda não caiu para os intelectuais e a cultura mundial. É inegável que a influência do pensamento esquerdista ainda é imensa, para bem e para mal. Não estamos falando apenas do culto a pessoas como Che Guevara, mas sim de toda uma visão de mundo. A maioria das bandas de rock, cineastas, professores, atores, universitários, escritores e qualquer outro tipo de expressão artística e/ou intelectual ainda evoca certas idéias socialistas, ou simplesmente social-democratas. A direita não é tão, por assim dizer, "chique" como seus adversários ideológicos, mesmo que suas propostas econômicas tenham demonstrado ser mais realistas e eficientes. A conclusão à qual se pode chegar é a de uma coabitação entre as duas correntes de pensamento. Até questões como aquecimento global, a reforma agrária e a política externa dos EUA ainda geram uma certa bipolarização. Em outras palavras, um modelo socialista é atualmente inviável, mas as idéias de esquerda continuarão na praça por um bom tempo.