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Kaio

 

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08 fevereiro 2020

Túnel do Tempo

Meu primeiro contato com Engenheiros do Hawaii foi aos 7 anos, com a faixa "Era Um Garoto Que Como Eu Amava os Beatles e os Rolling Stones", inclusa no CD do volume 8 da coleção Pop Rock Brasil, uma parceria da MTV e da Caras. Sempre gostei muito dela, seja pela letra desiludida, pelo solo de guitarra citando o "Hino da Independência", pelo baixo pulsante, pela bateria eletrônica ou simplesmente pelo "ra ta ta ta".



Três anos depois, em algum churrasco no qual fui com meu ex-padrasto, minha mãe e meu irmão, o dono da casa tinha alguns CDs dos Engenheiros. Lembro-me de ter ouvido O Papa é Pop,  mas na época não chegou a me causar o impacto que causaria 14 anos depois.
Em 2004 eu costumava ler a coluna Poison on the Rocks, no Omelete, e na época ela ajudou a moldar meu gosto musical, menos pelas indicações do que pelas "desindicações". E uma das maiores polêmicas da coluna foi sua cruzada contra os Engenheiros do Hawaii, presente em textos como este - os quais, hoje em dia, vejo que tiravam as letras de seu contexto para expô-las ao ridículo (sem novidades, afinal uma das maiores implicâncias da imprensa musical com os Engenheiros são seus supostos "trocadalhos do carilho") e eram marcados pela má vontade. Infelizmente eu, cativado como todo adolescente pela iconoclastia, aderi à perspectiva da autora (mesmo que não tivesse ouvido quase nenhuma das músicas citadas), e durante oito anos tive preconceito em relação à banda gaúcha.
Foi só no final da graduação na UnB que esse preconceito começou a ceder. A amiga de uma amiga vivia citando a letra de "Refrão de Bolero". Aquilo ficou na minha cabeça, pois os versos não tinham nada a ver com aquela imagem de pretensão, presunção e pseudo-intelectualismo que eu cultivava sobre os Engenheiros. 
Em 2012, já no mestrado, descobri o livro O Homem Revoltado (Alberto Camus), do qual foi tirado o título do álbum A Revolta dos Dândis (1987). Achei isso bem interessante, e aproveitando os fatos de que "Toda Forma de Poder" tinha me encantado pelo refrão grudento e pela letra politizada e o de que minha namorada naquela época gostava deles (se não me engano ela chegou a me indicar "Piano Bar"), resolvi enfim dar uma chance à banda. Não me arrependi; em pouco tempo estava viciado no álbum de 87, que conta com uma das melhores seqüências de 6 faixas da história do rock nacional: "A Revolta dos Dândis I", "Terra de Gigantes", "Infinita Highway", "Refrão de Bolero", "Filmes de Guerra, Canções de Amor" e"A Revolta dos Dândis II".



No ano seguinte fiz minha primeira playlist deles, com 20 canções, no falecido Grooveshark. O título é o mesmo que nomearia minha lista no Spotify criada no fim de 2019 (e com 15 faixas a mais): Arquitetos de Porto Alegre, uma alusão ao fato de que a formação original da banda consistia de estudantes de Arquitetura da UFRGS que resolveram zoar os graduandos de Engenharia que usavam bermudas de surfista, mesmo morando a 100 km do litoral.



2014 foi outro ano decisivo para moldar minha paixão por Engenheiros. No início do ano, em Brasília, comprei a coletânea Focus (1999), que cobre bem os maiores sucessos da banda. Meses depois, li este texto sobre O Papa é Pop (1990) de uma série interessantíssima sobre Os Sete Pecados Capitais do Rock Nacional. Curiosamente o disco do Engenheiros elencado nesta heptalogia é o único que foi o mais bem-sucedido da banda em questão. Enfim ouvi-o na íntegra; até então eu só conhecia - e gostava muito de - "Era Um Garoto...", a faixa-título, "Pra Ser Sincero" e as duas partes de "O Exército de um Homem Só". Fiquei impressionado com os épicos "A Violência Travestida Faz Seu Trottoir" (que tem três partes bem diferentes e uma linha de baixo sensacional) e "Anoiteceu em Porto Alegre" (uma jornada boêmia pela capital gaúcha, citando desde Pink Floyd até o Mundial de 1983 do Grêmio). Desde então este é o meu álbum favorito da banda. Não surpreendentemente, poucos dias depois comprei na Livraria Cultura os CDs A Revolta dos Dândis e O Papa é Pop.



Dois anos depois, já morando no Catete, comprei uma coletânea deles que estava em promoção em uma loja de CDs no Flamengo: Maxximum (2005). Acho ela ligeiramente melhor do que Focus por três motivos: 1) músicas em ordem cronológica; 2) a seleção de faixas é mais equilibrada entre os álbuns; 3) algumas canções boas mas menos conhecidas foram incluídas em detrimento dos hits (o que a torna mais interessante para quem já conhece a banda). 
Em 2018, ainda no Catete, um cara estava vendendo 2 CDs por 5 reais na rua. Levei Uma Outra Estação (Legião Urbana) e um dos Engenheiros do Hawaii: Ouça O Que Eu Digo, Não Ouça Ninguém (1988). Mais um disco que enfim ouvi inteiro, e gostei bastante.
No início do ano passado, em uma "liquidação" de CDs do sebo Baratos, levei o primeiro álbum acústico da banda, Filmes de Guerra, Canções de Amor (1993). Na 1ª audição ele não me empolgou tanto; mas, eu iria redescobri-lo meses depois, em Novembro, quando enfim aconteceu o ato que me tornou definitivamente um fã de Engenheiros: ouvir o CD Gessinger, Licks & Maltz (1992). 



Comprei-o sem maiores pretensões, aproveitando que ele estava por 10 reais; no dia eu tinha ido à loja de CDs de Ipanema apenas para levar Vespertine (Björk)... Já na primeira audição GLM me cativou; vai ver é porque em 2019 eu estava no ápice da minha fase progressiva, e este é um disco com forte apelo conceitual, arranjos caprichadíssimos (é uma mescla da sonoridade eletrônica de O Papa é Pop com o rock pesado de Várias Variáveis), auto-citações líricas e sonoras, faixas sem intervalo... e um título que remete a Emerson, Lake & Palmer! Minhas preferidas são a inesquecível "Ninguém = Ninguém", a elétrica "? Até Quando Você Vai Ficar?", o deboche politizado de "Chuva de Containers" e a epopéia distópica "Pose (Anos 90)". Outro destaque é a sensacional suíte de encerramento: "A Conquista do Espelho" / "Problemas... Sempre Existiram" / "A Conquista do Espaço". Acho que apreciar suas letras herméticas foi a ficha que faltava cair para eu curtir Filmes de Guerra, que de fato é um belíssimo acústico; a inédita "Realidade Virtual" é tocante, "Muros e Grades" e "Ando Só" ganharam suas versões definitivas, e "O Exército de um Homem Só" ficou maravilhosa com os arranjos orquestrais.
No início deste ano comprei uma camiseta bem bonita dos Engenheiros do Hawaii numa loja de música em Goiânia e, assim que voltei para o Rio, comprei os 3 CDs que faltavam para completar a discografia essencial deles: Várias Variáveis (1991), Acústico MTV (2004) e Alívio Imediato (1989). Quando parecia que a saga tinha se encerrado, eis que descubro que o Humberto Gessinger iria fazer um show no Rio de Janeiro. No início não me animei tanto (achei que ele só ia tocar músicas da carreira solo pós-EngHaw), mas minha namorada - que também adora Engenheiros (aliás, fiz a lista do Grooveshark para ela) - me empolgou para irmos ao show. Fui ver o setlist da apresentação deles no mês passado em São Paulo e me deparei com duas dezenas de faixas da banda antiga de Humberto! Não titubeei e compramos logo os ingressos.
Fomos ao show ontem. Foi excelente! Nem consegui ficar sentado (o Vivo Rio é inspirado no Canecão, as pessoas ficam em mesas); fui dançar perto do palco já quando soaram os primeiros acordes de "Infinita Highway", e pouco depois arrastei a Carolina para ficar lá também, rs. O power trio capitaneado por Gessinger tocou vários clássicos dos Engenheiros, como "Perfeita Simetria", "Pose", "Vida Real", "Dom Quixote", "Pra Ser Sincero", "Ando Só", "A Revolta dos Dândis I" e, num desfecho empolgante (no qual enfim mais pessoas ficaram de pé), "Toda Forma de Poder". Além disso, as músicas de Não Vejo a Hora, o álbum solo mais recente de Gessinger, cresceram em suas versões ao vivo.



Este é o desfecho parcial da minha saga com os Engenheiros do Hawaii, uma banda que demorei para gostar por causa de um preconceito bobo (e alheio), mas que a cada ano fui descobrindo novas facetas e ficando mais fascinado.

P.S. 1: Como lembrança material da noite passada, comprei na lojinha da banda (era um estande no Vivo Rio em que se vendiam camisetas, CDs, LPs, canecas etc.) a autobiografia Pra Ser Sincero, na qual Humberto conta a história dos EngHaw e compila suas 123 letras preferidas.
P.S. 2: Acho que meus vícios recentes em Rush e Engenheiros do Hawaii são retroalimentáveis. Adoro como as duas bandas, em suas melhores fases (1976-82 e 1987-93, respectivamente) conseguiram evoluir esteticamente ao mesmo tempo que as letras ficaram mais sofisticadas e autorreferenciais.

 

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