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Kaio

 

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14 setembro 2019

Neighbors can dance in the police disco lights




No dia 14 de Setembro de 2004, a banda canadense Arcade Fire lançou seu primeiro álbum, Funeral. O título mórbido se justifica pela triste coincidência de que vários parentes dos membros da banda faleceram durante o período em que o disco foi gravado: a avó da baterista e vocalista Régine Chassagne, o avô do vocalista e guitarrista Win e do baixista William Butler e a tia do multi-instrumentista Richard Parry. Ao contrário, contudo, de uma resignação fatalista, o álbum evoca uma tonalidade redentora diante das vicissitudes; não por acaso, um de seus momentos mais sublimes é a apoteótica "Wake Up". Por ter sido lançado por um selo independente (Merge Records), o disco foi um "sleeper hit", tendo sua reputação construída de forma gradual; pode-se dizer que foi o melhor álbum de 2004 a ser citado em várias listas de melhores de 2005. O reconhecimento veio de todas as formas: ganhou nota máxima de vários críticos (e mesmo a rigorosa Pitchfork deu 9.7 para Funeral); o single de "Rebellion (Lies)" chegou ao top 20 das paradas britânicas; o álbum conseguiu Disco de Ouro nos EUA e de Platina na Inglaterra; e ninguém menos que David Bowie postou em seu fórum que era fã do Arcade Fire (a propósito, sua penúltima apresentação ao vivo, em 2005, foi em parceria com eles, e em 2013 Bowie fez uma participação especial na faixa-título de Reflektor). A primeira metade do álbum, com exceção de "Une Année Sans Lumière", possui unidade conceitual: há 4 faixas intituladas "Neighborhood", mas cada uma delas toca em aspectos diferentes: "Neighborhood #1 (Tunnels") evoca o escapismo de dois adolescentes apaixonados; "Neighborhood #2 (Laïka)", como sugerido por seu clipe, é sobre a luta dos jovens do Leste Europeu contra a opressão dos regime comunistas; "Neighborhood #3 (Power Out)" é baseada na tempestade de gelo que levou a um blecaute em Montreal, em 1998, mas expressa uma catarse emocional que transcende esse contexto; "Neighborhood #4 (7 Kettles)" é a mais intimista das quatro, e trata da passagem irreversível do tempo. "Crown Of Love" é a canção mais romântica de Funeral, e sua coda (imediatamente após os versos "You gotta be the one / You gotta be the way your name is the only word that I can say") é espetacular, com direito a violinos acelerados. "Wake Up" é de tamanha força expressiva (tanto em sua letra quanto em sua sonoridade) que remete ao U2 dos anos 80. A própria banda tem consciência desse potencial e costuma utilizá-la para encerrar seus shows até hoje. A bilíngue "Haïti" conta um pouco do passado da família de Régine, que fugiu da sangrenta ditadura de François Duvalier (Papa Doc) no Haiti: "Mes cousins jamais nés hantent les nuits de Duvalier". Não foi lançada como single, mas é sem dúvidas um dos destaques do álbum; felizmente é uma presença constante nos setlists do Arcade Fire. A penúltima faixa é também a melhor (não só deste debut, mas possivelmente de toda a carreira da banda): "Rebellion (Lies)". Ela é perfeita em todos os detalhes, em especial os backing vocals "Lies, lies!" no refrão, a mudança de escala aos 3:37 e, claro, a letra marcante: "Sleeping is giving in, no matter what the time is (...) / People say that you'll die faster than without water / But we know it's just a lie, scare your son, scare your daughter / Now here's the sun, it's alright! (...) Now here's the moon, it's alright!" A faixa de encerramento, "In The Backseat", possui os melhores vocais de Régine no álbum, e sua letra usa a metáfora do banco de trás do carro para tratar do medo de enfrentar a mortalidade - e a necessária (ainda que lenta) superação do mesmo. 15 anos se passaram e o debutante Funeral e continua podendo ser elencado como um dos grandes álbuns da década passada (aliás, para mim ele é o 2º; só Kid A o supera). P.S.: Aproveitei o aniversário deste disco para fazer uma playlist de Arcade Fire no Spotify. Inicialmente seriam 25 músicas, mas algumas muito boas ficariam de fora, então decidi colocar 30 - nada contra, pois a deixou com a duração de um CD duplo.

 

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