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Kaio

 

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11 julho 2011

Arte e Política na Cultura Americana - Um "Triálogo"

1. Roteiro

Escrevi um conto no qual os personagens debatem a relação entre estética e política (enquanto dimensão social da ética), com um foco maior na literatura dos EUA. Os três personagens têm 20 anos e estudam Filosofia na Universidade de Chicago. Cursam uma matéria sobre Filosofia e Literatura, na qual leram vários autores da Geração Beat e da Contracultura. Em uma conversa no café do campus, têm uma acalorada discussão. São eles:

- Margareth Bloom, neoconservadora, é filha de uma família judaica e aristocrática. É uma tradicionalista em defesa dos valores da Cultura Ocidental contra o relativismo moral. Coloca o Bem acima do Belo. Os argumentos dela são inspirados em três autores: Herbert Gold, Norman Podhoretz e Allan Bloom.

- Alice Raskolnikova tem forte influência “hipster”. Tem um viés hedonista que, sob um discurso “místico”, quer uma arte desligada do cotidiano e a serviço apenas da beleza e da espontaneidade. Para ela, o Belo está acima do Bem. Entre seus livros de cabeceira estão os de Oscar Wilde, William Burroughs e Jack Kerouac.

- Henry David, libertário, é um jovem de classe média que desde criança é apaixonado por estudos humanísticos. Acredita que a arte tem autonomia, mas que a capacidade crítica e reflexiva são fundamentais. É um individualista romântico que, em sua defesa da liberdade criativa, tem uma visão mais clássica: o Belo se iguala ao Bem. Seus autores preferidos são Thoreau e Ayn Rand, mas ele também evoca a defesa da lucidez de Seymour Krim.

No fundo, esta é uma discussão sobre liberdade e também uma demonstração prática de História das Idéias, pois cada personagem está discutindo com certas tradições intelectuais.

Em seu enredo, quase inteiramente formado por diálogos à moda socrática, o texto terá dois momentos:

I - Henry propõe o tema. Alice argumenta, Margareth lança um contraponto, Alice replica e Margareth tem a tréplica. As duas ainda têm mais uma fala cada, até que Henry as interrompe e resolver argumentar com cada uma delas num método socrático.

II - Ele faz três perguntas a cada uma delas, por meio das quais consegue criticar ambas. Ao fim, expõe a sua própria tese. As duas parecem concordar com a maior parte do que foi dito, levando-os ao fim do debate.

Note-se que cada um deles se utilizará de autores canônicos para a literatura americana: Walt Whitman (Margareth), H. D. Thoreau (Henry) e Jack Kerouac (Alice).

2. Conto

Certa tarde de inverno, três amigos foram em um café no campus da Universidade de Chicago. Todos têm 20 anos de idade, e eram graduandos em Filosofia. Naquele semestre estavam fazendo uma disciplina chamada Filosofia e Literatura, na qual leram vários autores ligados à Geração Beat e à Contracultura. Em meio a papos sobre rock, televisão e as costumeiras “fofocas acadêmicas”, foi Henry quem resolveu inserir na conversa uma discussão relacionada à matéria:

- Maggie e Alice, eu queria conversar sobre um assunto mais sério com vocês. Relaxem, não é “sério” no sentido de algo trágico, mas sim, digamos, do ponto de vista filosófico. Digam-me: como cada uma de vocês pensa a relação entre Arte e Política?

Henry David é um rapaz alto, magro e de cabelos castanhos. Morava em Rockford, uma cidade média no Estado de Illinois. Desenvolveu precocemente um profundo interesse por estudos humanísticos, e era um leitor voraz. Insatisfeito com o desinteresse de seus professores e a apatia de seus colegas de escola, ele procurava complementar sua formação de forma autodidata, algo a que seus pais não se opuseram. Tanto esforço fez com que ele ganhasse uma bolsa para estudar em Chicago.

Politicamente Henry se considera um libertário, com idéias inspiradas por Thoreau e Ayn Rand. Diz ser um “individualista romântico” – no sentido artístico, mas não no amoroso, até mesmo porque tem dificuldades em se aproximar de garotas por quem nutre interesse. Porém, embora também seja um “book worm”, não chega a ser um “lobo da estepe”. Seu jeito entusiasmado de encarar a vida lhe permitiu cultivar algumas amizades, com quem costumava conversar nos cafés, exatamente como agora.

- Hum, este é um assunto bacana – respondeu Alice. – Hoje mesmo, depois da aula, enquanto eu fumava com o John e a Tina, ficamos elucubrando sobre por que tantos artistas insistem em ser politizados, engajados e besteiras parecidas. Poxa, isso é tão “useless”!

Alice Raskolnikova era filha de um russo que veio para a América imediatamente após a dissolução da URSS, extasiado pela possibilidade de se libertar da burocrática e entediante vida que levava como funcionário público em Moscou. “Yuppie”, ele ganhou dinheiro rápido nos EUA, e conheceu aquela que viria a ser a mãe de sua filha, a qual era de uma família de “novos ricos”, do tipo que iam freqüentemente a cassinos para desperdiçar fortunas e, para aliviar sua “consciência social”, organizava festas filantrópicas.

De temperamento inquieto, Alice buscava qualquer tipo de experiência que lhe soasse prazerosa e intensa. Para surpresa do pai, ela chegou a militar por causas socialistas em sua adolescência, sob a alegação de que o socialismo era “cool”; contudo, largou o movimento quando achou que seus colegas estavam “ficando chatos e levando esse papo de Revolução muito a sério”. Se antes da universidade Alice já levava um estilo de vida hedonista, regado a sexo sem culpa, drogas recreativas e muitas festas, assim que entrou nela teve ainda mais espaço e oportunidades para desenvolvê-lo. Tinha dois pôsteres em seu quarto: Jack Kerouac e Oscar Wilde.

- Haha, olha só quem está falando mal da política – retrucou Margareth. - Logo você, que já foi socialista militante, Alice? Pois bem, Henry, ótima idéia a sua de discutirmos este tema. Vocês bem sabem que não gosto muito desses “beatniks” que temos que ler na disciplina; o único que valeu a pena até agora foi justamente o “founding father” da literatura americana: Walt Whitman. De qualquer maneira, estou à vontade para falar sobre Arte e Política, e queria saber, Alice, o que você quis dizer ao criticar os artistas politizados e engajados.

Margareth Bloom, como o sobrenome sugere, era de uma família judia. Embora não fosse tão bonita quanto Alice, seu rosto sisudo e compenetrado e seu porte elegante faziam com que ela também tivesse uma aparência elogiável. Herdeira de um clã aristocrático, desde criança se sentia fascinada pelo legado cultural transmitido por seus pais e avós. Cursava Filosofia porque queria começar pessoalmente um combate contra toda a “Escola de Ressentimento” que, segundo ela, contaminava o ambiente intelectual americano. Nesse rótulo incluía feministas, multiculturalistas, pós-marxistas e, é claro, esses novos epicuristas, os “hipsters”.

Ela sentia náusea diante da hipocrisia dos Democratas e decepção em relação à ala dominante dos Republicanos. Acreditava que a América precisava de mais políticos da estirpe do presidente mais famoso dentre os que moraram em Chicago, Illinois: Abraham Lincoln. Foi nesse intuito que Margareth ingressou no Tea Party. Em meio às “Cultural Wars” que assolavam o ambiente universitário, sua posição era clara: em prol dos valores ocidentais (como a família e a religião) e contra o relativismo moral dessa juventude transviada.

- Sem problemas, Maggie, vou me explicar melhor – respondeu Alice. – O que quero dizer é o seguinte: o artista é criador de beleza, logo as questões sociais e políticas não devem permear a sua obra. Vou além: não existem livros morais nem livros imorais; um livro ou é bem ou mal escrito. Como diria meu querido Wilde, toda arte é essencialmente inútil! O livro, pintura, canção etc. deve conceber o prazer como o único valor intrínseco, o que justifica a busca que tudo aquilo que dê o mínimo de dor e o máximo de gozo. “Isn’t it beautiful?”

- Meu Deus, quanta tolice num discurso só! Veja bem, eu sou sua amiga, mas não posso me furtar de criticar os absurdos que você disse. Em primeiro lugar, a estética é importante, mas só na medida em que esteja subordinada à ética; do contrário, a arte se torna a celebração do que há de mais degenerado no ser humano. Segundo, esse seu ídolo devia ser um cínico para dizer uma coisa dessas; não me surpreende que ele tenha sido condenado por imoralidade mesmo em uma Inglaterra Vitoriana já bastante decadentista! Por fim, subordinar a arte à mera busca do prazer é de um narcisismo e um solipsismo repugnantes. Você acha que o artista deve ser – e glorificar quem também seja – uma criatura dissoluta e perversa?!

- Calma, querida, não precisa se exaltar! Eu sei que você é reacionária, mas não esperava que você agora queira me dar lição de moral, haha! Por que diabos a ética é tão importante assim para a obra de arte? Você quer ser pedagógica, quer “ensinar” as pessoas a como defender os “bons costumes” em seus livros e músicas? Faz-me rir! Platão já tentou fazer isso dois mil anos atrás, e não deu certo. Ou você, tão defensora do “cânone ocidental”, vai concordar com ele e dizer que Homero é imoral e os poetas devem ser expulsos da República?

- Não tente tirar essa discussão do contexto atual dos EUA e jogá-la para a Grécia, Alice. Platão tinha os seus motivos para culpar a poesia pela dissolução moral da Atenas de seu tempo, mas acabou “errando o alvo”, imputando a Homero erros e más interpretações que são criticáveis nos poetas que lhe são contemporâneos. Porém, a preocupação platônica ainda é legítima, e felizmente encontro ela em alguns críticos culturais de nosso tempo. O que defendo é que a arte deve ser edificante, expressando o corpo comum de crenças que moldou o Ocidente. Em outras palavras, ela precisa emanar os valores que fundaram a nossa Civilização, como o heroísmo, a coragem, a sabedoria e a justiça.

- Saiba que, mesmo que indiretamente, você está legitimando todas as injustiças que nossa Civilização praticou nos últimos séculos. Quantas guerras e explorações já não foram movidas em nome do “fardo do homem branco”, não é mesmo? Pois eu penso o contrário, e prefiro a “arte pela arte”. Às favas com a moral! Chega dessa tendência de, por exemplo, colocar a literatura a serviço da “virtude”. Além de censura, isso é empobrecimento estético. A arte precisa ser dinâmica, em uma busca constante pela intensidade, pela transcendência. Acho que ela deve lidar com a experiência do sublime, a qual escapa do domínio subjetivo, dessa “prisão da objetividade” que você quer. Enfim, a criação artística deve ser... revolucionária!

- Alice, agora ficou claro que você é a encarnação daquilo que chamam de “nietzscheização da esquerda”. Você não extirpou o seu passado socialista; apenas deslocou-o para a arena cultural. Ao invés da luta de classes ou da justiça social, o seu alvo passou a ser a maldita arte burguesa, o asfixiante cânone ocidental, o repúdio ao conservadorismo estético! Pois bem, saiba que nisso você é menos esteticista do que pensa, e contradiz seu discurso contra os artistas politizados. Embora diga que não, você também está colocando a obra de arte a serviço do seu ideal de sociedade. A diferença é que vocês, nietzscheanos de esquerda, querem demolir todas as instituições culturais e sociais do Ocidente e, a partir desse vácuo, fundar um regime baseado na vontade de poder, na justiça do mais forte. E isso é inaceitável!

- Ok, garotas – interrompeu Henry -, vamos pôr panos quentes nessa conversa antes que vocês levem este debate às vias de fato. Para dar um pouco de ordem a esta discussão, sugiro que façamos o seguinte: eu pergunto para cada uma de vocês, separadamente, o que pensam sobre o assunto, depois faço minhas ponderações e críticas e, por fim, exponho a minha visão. Soa meio socrático, mas, como vocês estavam falando cada vez mais inflamadamente, fiquei com medo de levarem para o lado pessoal um inocente colóquio, hehe. Estão de acordo?

As duas assentiram, e aprovaram esta “mediação” do debate. Henry, após terminar seu cappuccino, começou questionando Margareth:

- Maggie, responda-me o seguinte: por que você acha que uma arte desligada do cotidiano leva a uma degradação da moralidade e da racionalidade?

- Digo isso porque, assim como Whitman, acredito que a poesia está nas coisas concretas, e não nas abstratas. Sendo assim, encarar a arte como algo exclusivamente subjetivo e pessoal é isentá-la de qualquer responsabilidade. E é isso que eu mais temo: a traição aos ideais que fundaram o nosso país em prol de uma licenciosidade moral. Um exemplo é esse misticismo beatnik, que se opõe às religiões tradicionais e propõe um estilo de vida “zen”. Penso que essa tão proclamada “religiosidade beat” não passa de desespero de uma geração niilista, um vale-tudo sem densidade espiritual. Pode soar como provocação da minha parte, mas não deixa de ser sintomático que estas “melhores mentes” estejam no manicômio!

- Curiosa essa sua apropriação de Whitman. Tudo bem que ele era bem patriótico, e via a América como o futuro da humanidade, mas fiquei surpreso em como você o utilizou para legitimar o seu discurso... De qualquer maneira, aqui vai outra pergunta: você acredita que o que separa a sua concepção da “ética acima da estética” da visão mais esteticista da Alice é, no fundo, uma atualização da dicotomia Civilização x Barbárie?

- Sem sombra de dúvidas! Respeito o ponto de vista dela, mas no fundo esse suposto descaso com a política não passa de uma defesa do irracional e do primitivo contra o intelecto e a cultura, de um apelo às paixões em desprezo à razão. Os beatniks, hipsters e até a Contracultura falavam em “experiências místicas” e “busca da autenticidade”, mas no fundo só queriam libertinagem, menos obstáculos morais e sociais para se drogarem e se promiscuírem. Não passam de uma geração perdida.

- Maggie, eu sei que você está exaltada, mas gostaria que não abusasse do sarcasmo em relação às opiniões da Alice, aproveitando-se que ela, por enquanto, não poderá lhe responder. Além disso, não concordo com o seu reducionismo, ao considerar que os movimentos culturais americanos dos anos 50 e 60 não tinham nada de valioso e só eram uma desculpa para fazer mais sexo e usar mais drogas. Sinceramente, você está sendo injusta com as criações poéticas de Kerouac, Ginsberg e tantos outros. Há, sim, um valor artístico e uma busca autêntica por sentido existencial em vários desses autores. Não nego que houve uma apropriação “banalizante” por parte de alguns seguidores destes movimentos, mas isso não desmerece o mérito dos principais autores daquela época. Porém, vamos a uma última pergunta: no que se baseia a sua defesa da “tradição ocidental”?

- Em nome do que de mais nobre e elevado a nossa Cultura já produziu. A obra de arte genuína não pode abrir mão dos padrões e costumes que moldaram nosso povo. É por isso que não tenho paciência para esses beatniks; nenhum deles chega aos pés de Whitman, ou mesmo de Shakespeare ou Blake. O século XX está contaminado de subliteratura, de gente – principalmente da crítica literária – que acha que basta usar fluxo de consciência e linguagem confusa para uma obra ser tida como de qualidade. Oras, este ode ao subjetivismo fomenta uma literatura que é ininteligível, na qual há uma linha tênue entre o “profundo” e o “tosco”.

- Maggie, eu acredito que, até certo ponto, algumas de suas observações são corretas, mas seus juízos são muito generalizantes para que eu os aceite por completo. Para início de conversa, cultura é diferente de erudição, e me parece que você defende mais a segunda que a primeira. Além disso, meus motivos para considerar o valor do “cânone ocidental” são diferentes dos seus; não o defendo por uma suposta missão civilizatória ou por um saudosismo, mas simplesmente porque certas obras são de excelência, e revelam a grandeza humana, independentemente das preferências ideológicas do autor. O artista, embora consciente do legado cultural que o antecede, não pode submeter a toda hora a sua criatividade a um conjunto de regras e padrões, como você parece defender.

“Porém, agora farei uma sabatina com Alice. Explique-me melhor essa “busca da intensidade” que você defende.

- É o seguinte: para mim, a verdadeira arte é a procura da alucinação da consciência como forma de aprofundamento da percepção. Ou seja, é preciso romper todas as barreiras sociais e psicológicas que a impedem de se realizar plenamente. Preocupar-se excessivamente com o cotidiano e fazer obras diletantes, em nome de alguma causa, é escravizar a criação artística a pressões descabidas, não acha? Sendo assim, não importam os meios (drogas, sexo, meditação...): o importante é o artista descobrir a sua “nau interior”, encontrar a plena realização e prazer que a arte em si mesma traz e, acima de tudo, colocar o Belo acima do Bem.

- Aproveitando que você falou do Belo e do Bem, gostaria de saber: por que, para você, a Estética necessariamente tem de se divorciar da Ética (inclusive na dimensão social desta, que é a Política)?

- Isso ocorre, Henry, porque a beleza pode contrariar aquilo que é considerado valoroso, justo e correto. Se o Belo é o supremo ideal, temos total liberdade para viver uma vida dupla, sem nos sentirmos pressionados a minar personalidades latentes. Podemos até mesmo recusar da idéia de “responsabilidade”, pois um indivíduo, caso cometeu algo tido como reprovável, não deve se sentir culpado por seus atos. Em nome da beleza, tudo é permitido!

- É aí que eu discordo de você, Alice. Absolutizar a beleza acaba sendo uma postura anética. O próprio Wilde que você tanto admira diz no final de “Dorian Gray” que todo excesso, assim como toda renúncia, traz a sua punição. Ao propor a “arte pela arte”, desligada que qualquer preocupação ética ou política, o seu erro é ignorar as conseqüências de nossos atos. A arte tem certa autonomia? Sim, mas ela também é feita de capacidades críticas e reflexivas. Ela não é desligada da realidade; pelo contrário, ela a recria, o que exige a intuição da verdade poética. Em outras palavras, o artista não pode legitimar qualquer idéia, comportamento ou conduta em nome da estética; a busca autêntica da individualidade se contradiz com a aprovação irrestrita da força dos instintos mais primitivos e da vontade de poder mais tirânica. Porém, tenho uma última pergunta: o que você quis dizer quando propôs que a criação artística deve ser revolucionária?

- Então, o que eu pretendia quando falei aquilo era que a arte deve romper todos os limites, ser transgressora, ousar ao máximo. É por isso que, ao contrário da Maggie, eu adoro a Geração Beat e a Contracultura: eles fizeram uma rebelião estética contra o “establishment”, questionando as concepções dominantes sobre o que era arte e lançando novas possibilidades. Jack Kerouac, por exemplo, cruzou nosso país em busca de experiências autênticas, e encontrou pessoas excêntricas (no bom sentido) como Neal Cassady que lhe permitiram fugir da “normalidade”. Afinal, a loucura tem o seu quê de singularidade, e uma arte que capte isso é muito mais genuína. No fundo, o que pessoas como Kerouac buscavam era o sublime, testando os limites da realidade para, desta forma, vivê-la da forma mais espontânea possível. Resumindo: revolucionar a arte é abri-la a todos os estilos de vida imagináveis.

- O problema é que de nada adianta toda essa vitalidade se não há a clareza intelectual; a espontaneidade é insuficiente sem a intuição. É por isso que acredito que Ética e Estética devem andar juntas: a auto-expressão envolve o Belo, mas também o Bem e o Verdadeiro. Eu sei que isso soa muito grego, mas ainda acredito na validade destes preceitos. A arte tem o poder de iluminar nossa compreensão da realidade e de nós mesmos; sendo assim, rejeito tanto o classicismo, que consiste em prender a criação artística a fórmulas, quanto o subjetivismo, que resume a arte a fluxos de consciência sem nexo. Entre a via da “normalidade” e a da “loucura”, eu prefiro uma terceira: a da “lucidez”. Só ela permite a verdade poética.

“Aliás, é chegada a hora de eu dizer o que penso da relação entre arte e política. Assim como Ayn Rand, acredito que a arte é a recriação da realidade seletiva de acordo com os juízos metafísicos de valor do artista. A finalidade da arte não é educação nem proselitismo, mas mostrar, exibir uma imagem concretizada do homem e de seu lugar no universo. A dimensão política da criação artística não é a partidária ou ideológica, mas a compreensão do sentido da vida humana e da relação indissociável entre liberdade e responsabilidade. Ou seja, cabe à arte eternizar o que há de mais nobre no ser humano – não no sentido moralista da Maggie nem na ode mística da Alice, mas enquanto caráter, personalidade. A criação artística não se emancipa totalmente de seu contexto social e histórico, mas o seu objetivo é justamente captar a natureza humana. Como diria Thoreau, os clássicos têm a qualidade de serem íntimos e universais, encerrando em si verdades imortais, ensinando-nos a sabedoria e a liberdade. Esta dimensão é fundamental para a política, na medida em que nos orienta para uma vida em coletividade mais digna e justa. “Paidéia” para os gregos, “humanitas” para os romanos, “bildung” para os alemães, “self-cultivation” para nós: palavras diferentes que expressam o mesmo conceito – a formação ampla de nossa personalidade, o cultivo de nossa individualidade. Eis o que penso de arte e política.

Ambas as garotas ficaram encantadas com o discurso. Mesmo tendo discordâncias quanto a alguns pontos, resolveram encerrar a discussão, não só porque a hora já era avançada, mas também porque de fato concordavam com a maior parte da visão de Henry, que conseguiu sintetizar aspectos dos pontos de vista de cada uma delas.

Alice Raskolnikova foi se arrumar para uma festa, enquanto Margareth Bloom estava ligeiramente atrasada para uma reunião da Juventude Tea Party. Já Henry David foi ler, enquanto reunia idéias para escrever o seu próprio romance sobre a América.

 

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