Filosofia e Religião em Evangelion
1. Introdução
- Neon Genesis Evangelion foi lançado em 1995. Foi criado e roteirizado por Hideki Anno, e o desenhista (e responsável pelo mangá) é Yoshiyuki Sadamoto. Anno havia se recuperado de 4 anos em que esteve em depressão clínica. O anime possui 26 episódios e 4 filmes (dois lançados à época, Death and Rebirth e The End Of Evangelion; dois mais recentes, iniciando a tetralogia Rebuild Of Evangelion); também foram publicados 12 mangás (série ainda não concluída).
- “A maior tragédia são os envolvidos no projeto”: as próprias pessoas empenhadas na criação da Evangelion apresentavam um considerável repertório de traumas, neuras e dramas pessoais. A depressão (falta de propósito existencial) talvez seja o tema principal de NGE.
- Obra simbolista: “Uma maneira espiritualizada, a procura do sublime, do além da consciência, uma maneira de fugir de realidade. Ao contrário de movimentos anteriores que fugiam da dor do Real, pela ‘morte’, o simbolista tem uma visão mais metafísica para a escapatória da dor de viver: A fuga da consciência.” Subjetivismo – impressão que o real o causa. Questionamentos existenciais.
- Segundo Impacto: desastre global que destruiu, direta (desequilíbrio ecológico, como a elevação do nível dos mares e o derretimento da Antártida) ou indiretamente (guerras civis), metade da população mundial. A retirada da Lança de Longinus (utilizada na crucificação de Jesus Cristo) de Adão foi mal-sucedida; ele só possuía o Fruto da Vida (e não ambos, este e o da Sabedoria), e perdeu o controle. A reintrodução da lança, apesar de ter gerado o anjo, impediu uma tragédia ainda maior – o aparecimento de outros anjos, que levariam a uma destruição completa.
2. Os Personagens
- Shinji Ikari: pessimismo à la Schopenhauer, “dilema do ouriço” (comportamento cauteloso e distante em relação às pessoas, com medo de se machucar, ter os sentimentos feridos). Masoquista, pois odeia tanto a si mesmo que gosta de fazer os outros também sofrerem. Não pilota o EVA por um senso de dever cívico ou por amor à humanidade, mas porque é tão fraco que deixa os outros tomarem as decisões por ele. Auto-menosprezo: indiferente a tudo, incapaz de reação. Depressivo, entra em colapso moral após a morte de Kaworu (cena da masturbação).
- Rei Ayanami: um robô com alma? Clone de Yui, a partir dos restos desta, que faleceu nos testes do EVA. Thanatos: desejo de morte (retornar ao nada como uma motivação). É a personagem mais inibida e introvertida, evitando ao máximo o contato humano. Porém, ao longo da série vai se “humanizando”.
- Asuka Soryu: esconde trauma (presenciou o suicídio da mãe) com arrogância e eficiência (ser sozinha e independente). Barreiras protetoras e agressivas. Quando são quebradas, seu quadro clínico é desvelado. É o primeiro passo para a cura de Asuka (episódio 25 alternativo).
- Misato Katsuragi: complexo de Electra, com uma identificação com a mãe a ponto de chegar ao desejo de possuir o pai. Entra na NERV com o intuito de vingar a morte de seu pai. Teve afasia durante dois anos, depois de presenciar o Segundo Impacto. Alega que namorou Kaji porque ele tinha uma personalidade parecida com a de seu progenitor: “largado”, irreverente, demonstra pouco seus sentimentos.
- Gendo Ikari: embora à primeira vista seja o vilão de NGE, na verdade é um humano tão complexado e inseguro quanto os demais personagens. Racional e obsessivo, possui justificações e auto-indulgências para a execução de seu plano. A maior delas – quer rever a alma da esposa.
- Ritsuko Akagi: praticamente repete a trajetória da mãe; eterno retorno. Ryoko tem um caso com Gendo, tem inveja de Yui, mata Rei I e comete suicídio, logo após a construção do sistema Magi. Ritsuko também se apaixona pelo pai de Shinji, quase enforca Rei II, destrói as cópias restantes do Sistema Dummy e é assassinada pelo próprio Gendo.
3. Interpretação
- Elementos de psicanálise: Gestalt (ex.: “Introjection”, episódio 19, mecanismo neurótico de processamento de experiências), ansiedade da separação (o protagonista perdeu a mãe e foi abandonado pelo pai; têm dificuldades no convívio social), complexo de Édipo (Shinji; retorno à mãe como fuga da realidade – ou, da consciência da mesma), fase oral (quando ele é incorporado ao Eva 01, que contém a alma de sua mãe – voltar ou não ao mundo real?).
- O Projeto de Instrumentalidade Humana lembra aspectos da teoria de Hegel (holismo). Mundo comunitário: fundir todas as almas humanas em uma só, para compensar os vazios de cada um e criar um ser perfeito e completo. Todos os campos AT, individuais, desapareceriam para se fundir em um só. Seria o fim dos conflitos humanos, alcançando-se assim. O começo é o fim (anel), caráter de processo, auto-realização dos conceitos. É a evolução em etapas para a consecução de uma Idéia.
- Símbolos religiosos são recorrentes na série, principalmente os que remetem ao Cristianismo: Anjos e a cruz cristã (juízo sobre a morte), Velho Testamento (Deus vingativo), Magi e os três magos: “mulher, mãe e cientista” (Melquior, Gaspar, Baltasar), Lança de Longinus (crucificação).
- Além disso, há referências a Adão (pai da humanidade, feito à imagem e semelhança de Deus, Lua Branca), Lilith (a primeira esposa de Adão, recusou-se à submissão, Lua Negra) e Eva (mãe da humanidade, responsável pelo pecado original).
- O que é a Nerv? “God's in his Heaven, all's right with the world”. Folha de figueira: o que significa?
- Elementos de Kierkegaard: desespero humano. “O ‘eu’ é uma relação que se estabelece apenas consigo mesmo; voltar-se para si, em uma síntese. Há, no entanto, uma discordância interna: o desespero, que é “doença mortal”, um suplício contraditório, morrer sem literalmente morrer. É querer libertar-se de si mesmo e jamais consegui-lo.” (9º colóquio) Tal perspectiva está presente em vários dos personagens, especialmente Shinji e Misato. Sartre aparece na noção do “Outro”.
- EVA como ser humano gigante (alma construída a partir do contato com outros humanos), Unidade 01 como Deus (ou demônio?). Ironicamente, a humanidade é o último Anjo (18º no anime, 13º no mangá).
- Cabala (trazer clareza e compreensão sobre a natureza divina e a alma humana): Adão como microcosmo das forças da criação (homem arquetípico, síntese da Árvore da Vida), o divino feminino.
- Campo AT e a Alma Humana: é a proteção de que cada indivíduo dispõe para a sua alma.
- SEELE: teoria da conspiração? A raça humana está estagnada, parada; porém, ela poderia evoluir mais um passo. Moldar o verdadeiro destino da humanidade.
- O Apocalipse Angelical: Kaworu, dotado de uma beleza juvenil, instala uma dúvida cruel em Shinji Ikari, justamente no momento em que executava seu juízo final: matá-lo ou não. Neste caso, Kaworu iria se ligar a Adão, que na verdade era Lilith, ocasionando o 3º Impacto - agradando, assim, à SEELE, que provavelmente o mataria logo depois. A outra opção era ser assassinado pelo EVA 01, o que correspondia à sua vontade. Sexualmente ambíguo, chega a se declarar para Shinji, o que só reforça sua característica satânica (“o opositor”, aquele que traz a tentação).
4. Considerações Finais
- A “lição” (se é que existe uma): aceitação otimista da condição humana (é possível mudar e melhorar, apesar do meio desfavorável; “sua verdade pode ser alterada, simplesmente, pela maneira como você a aceita”) ou crítica ao gnosticismo (o homem não pode fundar uma nova realidade, imanentizar a humanidade, como se o conhecimento divino fosse acessível a alguns mortais)?
- "Qualquer lugar pode ser o paraíso, contanto que você tenha o desejo de viver" – epígrafe de The End of Evangelion. Shinji aceita a vida e recusa a instrumentalidade. Ode ao livre-arbítrio. Seria esta a boa nova sobre a criação (“Neon Genesis Evangelion”)?
Fontes:
http://en.wikipedia.org/wiki/Neon_Genesis_Evangelion_(anime)
http://www.rodrigoghedin.com.br/blog/2005/12/16/anjos-evas-e-adao-divagacoes-sobre-neon-genesis-evangelion/
http://shinjiemisato.sites.uol.com.br/review_critica_-_evangelion.htm
http://web.archive.org/web/20021224003127/http://www.animedorks.com/issues/10/evae.html