O Social-Liberalismo sob a ótica de Merquior
- José Guilherme Merquior nasceu em 22 de Abril de 1941, no Rio de Janeiro.
- Bacharel em Direito e com título de licenciatura em Filosofia, prestou concurso para o Itamaraty; passou em 1º lugar. Doutor em Letras pela Universidade de Paris, em 1972. Seis anos depois, obteve PhD em Sociologia pela London School of Economics and Political Science. Também concluiu o Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco (1979).
- Durante sua carreira diplomática, trabalhou em diversos países, como Uruguai, França, Alemanha e Reino Unido. Também foi membro da Academia Brasileira de Letras.
- Envolveu-se em várias polêmicas com a intelectualidade brasileira. Uma delas foi com o psicanalista carioca Eduardo Mascarenhas, pois Merquior considerava a psicanálise uma falsa ciência, “doença do intelecto”. Mascarenhas levou a disputa intelectual para o lado pessoal, questionando a sexualidade de seu opositor. José Guilherme, em uma crítica à superestimação da MPB, chamou Caetano Veloso de “pseudo-intelectual de miolo mole”. A mais famosa, no entanto, foi com Marilena Chauí, filósofa da Universidade de São Paulo, que teria plagiado (ou, nas palavras de Merquior, cometido uma “desatenção”) textos de seu namorado à época, Claude Lefort. A reação foi desproporcional, com direito a passeatas na USP “contra o neoliberalismo”.
- Intelectual enciclopédico, desenvolveu trabalhos nas áreas da Crítica Literária, Ciência Política, Sociologia e Filosofia. Principais obras: “A estética de Lévi-Strauss” (1975), “As Idéias e as Formas” (1981) “O argumento liberal” (1983), “Michel Foucault ou O niilismo da cátedra” (1985), “O Marxismo Ocidental” (1987) e “O Liberalismo: Antigo e Moderno” (1991).
- Faleceu em Janeiro de 1991, nos Estados Unidos, aos 49 anos, vítima de um câncer de intestino.
2 – “O Liberalismo: Antigo e Moderno”
- Conceito de Liberalismo: o liberalismo reflete a diversidade da história, tanto nos tempos antigos quanto nos modernos e contemporâneos. Sendo assim, é preferível fazer uma descrição comparativa do liberalismo, em suas diversas manifestações, do que tentar uma definição precisa. A tolerância religiosa e o governo constitucional foram os primórdios do pensamento liberal, evocando sua mensagem de divisão da autoridade e limitação do poder. Em contraposição a conservadores e utópicos radicais, o liberalismo defende a pluralidade de crenças e valores.
- Liberdade e Autonomia: autonomia é um conceito absoluto, evocando a ausência de constrangimentos (“freedom”); já a remoção de constrangimentos (“liberty”) é relativa. As três definições mais famosas de liberdade são: “direito de fazer tudo aquilo que a lei permite” (Montesquieu), “obediência à lei que nós nos prescrevemos” (Rousseau) e “fruição pacífica da independência individual ou privada” (Constant). Também podemos recorrer à divisão proposta por Berlin, entre positiva (independência de interferência, “livre de”) e negativa (incorporação de controle, “livre para”). Há em quatro tipos de autonomia, que apareceram na seguinte ordem histórica: liberdade como “intitulamento”, liberdade política, liberdade de consciência e crença e liberdade de realização pessoal.
- Três Escolas de Pensamento: na Inglaterra, os pensadores costumavam ver a liberdade como independência, “ausência de obstáculos externos”. Chocam-se, assim, com a tradição humanista (valores cívicos). A tradição francesa, ao contrário, tem um viés mais republicano, defendendo a liberdade política em oposição aos privilégios. Já a escola alemã, com uma preocupação cultural, trata da “bildung”: realização pessoal e desdobramento do potencial humano.
- Reivindicações do Liberalismo Social: para os social-liberais, o escopo da atuação do Estado deve ser menos minimalista, cabendo-lhe, portanto, a promoção “das condições favoráveis à vida moral”. A participação política é enaltecida, ligando-se à idéia de aperfeiçoamento social. Hobhouse, por exemplo, ambiciona uma sociedade orgânica que proporcionasse à maioria dos seus membros “uma igualdade viva de direitos” com oportunidades abundantes para o autodesenvolvimento industrial. Aumenta-se a preocupação com a justiça social e com os excessos do laissez-faire.
- Herança e Ruptura: embora mantenha caráter individualista, este novo liberalismo, surgido no fim do século XIX, revolta-se contra a liberdade negativa, propondo um resgate de sua faceta positiva. Resgatam a realização pessoal defendida por Mill e Humboldt, sendo o Estado e o direito as instituições habilitadoras.
- Liberdade e Igualdade: o liberalismo clássico, “estatofóbico”, preocupou-se mais com o liberismo (liberdade econômica) que com as desigualdades sociais; em suas vertentes conservadoras, demonstrou receios quanto à democracia. Já o social-liberalismo via uma missão civilizadora no “ethos” republicano e sua ênfase na igualdade de oportunidades.
3 – Influências
- Merquior, assim como seu mentor intelectual (e, durante alguns anos, chefe) Roberto Campos, foi uma das figuras mais importantes do renascimento liberal pelo qual o Brasil passou a partir dos anos 80.
- Segundo o filósofo Olavo de Carvalho ele era “a expressão de uma altíssima e nobre inteligência, que sempre retribuiu o mal com o bem”. Olavo também adotou a história das idéias como estratégia argumentativa.
- O governo de Fernando Collor de Mello, pelo menos em seus princípios, foi influenciado por Merquior. O social-liberalismo também se expressou nos programas partidários do PL (extinto em 2006) e do PSL (criado em 1997). Guilherme Afif Domingos, presidenciável em 1989 (6º colocado, 4,5% dos votos) e candidato ao Senado de São Paulo em 2006 (2º lugar, 43,7%), fez propostas orientadas por tal ideário.
4 - Referências bibliográficas
ALMEIDA, Paulo Roberto de. “José Guilherme Merquior: 19 anos de sua partida”.
MERQUIOR, José Guilherme. “O Liberalismo: Antigo e Moderno”. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1991.
PEREIRA, José Mário. “O fênomeno Merquior”.