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Kaio

 

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29 março 2010

"Os Irmãos Karamázov": Universos em Choque

1. BIOGRAFIA

- Fiódor Mikhailovich Dostoiévski nasceu em Moscou, em 11 de Novembro de 1821.
- Seu pai foi assassinado, provavelmente por seus servos, quando ele tinha 18 anos. Dostoiévski, que odiava o pai, sentiu-se muito culpado por isso.
- Ligado a grupos idealistas e liberais, foi condenado à morte (1849). Porém, cinco minutos antes de seu fuzilamento, sua pena foi comutada. Esteve na prisão por cinco anos, e depois cumpriu serviço militar obrigatório por mais quatro.
- Casa-se com Maria Dimítrievna em 1857. Desenvolveu epilepsia ainda jovem, e teve vários ataques ao longo da vida.
- Viciado em jogos de azar, acumulou muitas dívidas. Vários de seus livros foram escritos para quitá-las. Seu segundo casamento foi com sua secretária, Anna Grigórievna.
- A morte precoce de seu filho muito lhe abalou. Desenvolveu ainda mais sua religiosidade, inclusive visitando um mosteiro de stárietzi.
- Em seus últimos dias de vida, tinha em mente um grande empreendimento literário, no qual sintetizaria toda a sua obra. Seriam dois livros, porém só concluiu um deles: “Os Irmãos Karamázov”. Veio a falecer em 9 de Fevereiro de 1881.
- Principais obras: “Notas do Subterrâneo”, “Crime e Castigo”, “O Jogador”, “O Idiota”, “Os Demônios” e “Os Irmãos Karamazov”.

2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
- Otto Maria Carpeaux, "Introdução": I - O parricídio como crime assustador e fascinante. II - O assassino do pai é um filho ilegítimo e rejeitado (Smierdiakóv). A visita ao mosteiro como inspiração para o pólo positivo da história (Aliócha). O russo típico: violento, mas generoso; apaixonado, mas idealista (Dmitri). O intelectual introspectivo e malicioso, que dirige invisivelmente a mão do assassino (Ivan). III - A Rússia como reino dos Karamázov. IV - Síntese de todas as possibilidades artísticas de Dostoiévski: romance policial psicológico, idealista incompreendido, intelectuais ateus, formação de caráter. V - Realismo fantástico: dizer verdades por meio de mentiras. Proselitismo em forma de verdade metafísica: "o cristianismo salvará a Rússia, e esta ajudará o cristianismo a salvar o mundo". VI - Questão central: a liberdade em conflito permanente com a autoridade; espiritualidade cristã vs. tirânica felicidade terrestre.

- Luís Pondé, "Ateísmo e Moral: Algumas Reflexões": I - Ivan Karamázov tem a seguinte tese - "Se Deus não existe, e se a alma é mortal, [então] tudo é permitido". A imortalidade da alma e Deus são instâncias de constrangimento, absoluto. II - As ciências humanas prepararam argumentos para que o ser humano fizesse o que quisesse. III - "Crime e Castigo" e "Os Demônios" antecipam tais discussões. Raskolnikóv, por exemplo, falavam em homens ordinários (para os quais a moral é válida em si mesma) e os extraordinários (valores e crenças são frutos do meio, portanto não valem nada). Este é um argumento forte e recorrente - a moral como produto da superestrutura. O extraordinário estaria fora disso, portanto pode formar seu próprio meio, "fazer a História". Esta teoria do meio, que Ivan também aceita, possui um argumento niilista, pois retira do ser humano a responsabilidade moral.

- Hannah Arendt, "A Questão Social" (em "Sobre a Revolução"): "O Grande Inquisidor" tenta desfazer a resplendente transformação de Jesus de Nazaré em Cristo, para fazê-lo voltar ao mundo dos homens e monstrar que trágico e destruidor empreendimento os homens da Revolução Francesa se lançaram quase sem saberem. Contraste entre a muda compaixão (atitudes e expressões de contenção, ligada à própria força da paixão que pode apenas abarcar o particular) de Jesus e a piedade eloquente (e o sofrimento intrínseco) do Inquisidor. O pecado do Grande Inquisidor era que ele, assim como Robespierre, era "atraído pelos homens fracos", não apenas proque tal atraição era impossível de distinguir do desejo de poder, mas também porque tinha despersonalizado os sofredores, aglomerando-os num agregado: as massas sofredoras. O sinal nítido da divindade de Jesus era a sua capacidade de se compadecer com todos os homens na sua singularidade, isto é, sem os misturar em qualquer entidade; por exemplo, "humanidade sofredora".

- Eric Voegelin, “A Nova Ciência da Política”: crítica à filosofia eslavófila, que promete uma Terceira Roma – a missão messiânica e escatológica da Rússia perante a humanidade. Em Dostoiévski, este messianismo representa uma visão ambivalente, em que uma Rússia aristocrática e ortodoxa, de alguma forma, conquistaria o mundo e, depois de tal empreendimento, transformar-se-ia em uma sociedade livre, congregação de todos os cristãos. Não há grande diferença entre tal visão e a concepção marxista de ditadura do proletariado para fundar um reino de liberdade. Além disso, sua psicologia do revolucionário possui convergências com a caracterização de Ivan e Smierdiakóv.

- Mikhail Bakhtin, “Problemas da Poética de Dostoiévski”: romance polifônico; multiplicidade de vozes, em que cada personagem individual é fortemente definido, distinguindo-se dos demais. O uso recorrente de diálogos é um meio para tal.

- Sigmund Freud, “Dostoiévski e o Parricídio”: “Os Irmãos Karamázov” revela neuras de seu autor: homossexualismo, desejo de matar o pai (complexo de Édipo).

- Niilismo passivo (negação de valores; não há sentido na vida) x ativo (transvaloração; eterno retorno, super-homem). O segundo caso é o defendido por Friedrich Nietzsche, enquanto o primeiro é típico dos personagens de Dostoiévski.

3. INTERPRETAÇÃO
- Dostoiévski parece estar constantemente em busca do Dom Quixote russo, “o homem bom”. Aliócha e Zossima representa esse ideal de salvação e união de todos os povos eslavos, formando assim uma grande família. Amor à pátria e a Deus. “Vá para o mundo”.

- Alegoria da vida intelectual russa: romantismo em Dmitri, eslavismo cristão em Alieksiêi e niilismo antiteísta de Ivan.

- Questões principais: existência ou não de Deus; limites da ação humana diante de uma lei moral; consciência da culpa e redenção pelo cristianismo; livre-arbítrio.

- Outros debates: Liberdade espiritual VS. Felicidade terrena; teoria das elites; crítica às ideologias coletivistas, opondo-lhe o eslavismo cristão (que tem aspectos de conservadorismo).

- Disputa econômica e sexual entre pai e filho: Fiódor Pávlovitch e Dmitri Fiódorovitch (Mítia) gostam da mesma mulher (Agrafiena, apelidada de Grúchenka); somando-se uma intriga sobre a herança destinada a Mítia, eles estão dispostos a tudo para alcançarem seus objetivos. De quebra, Ivan está interessado em Catierina Ivánovna, noiva de Dmitri, portanto parece estar colaborando com o irmão para que este se case com Grúchenka.

- Espectro político-ideológico: Aliócha como conservador, Ivan como revolucionário (ora anarquista, ora socialista) e Dmitri como nacionalista. Trecho sugestivo: “Mas agora tu vais para a direita e eu para esquerda” (Ivan, em diálogo com o irmão).

- “Para que vive um homem como esse?!” (L2, C6): Dmitri Fiódorovitch chega ao monastério com boas intenções, mas o dinheiro litigioso com o pai, e as provocações e gracejos do mesmo, logo o levam a se enfurecer. Segundo Ivan, “Destruindo-se nos homens a fé em sua imortalidade, neles se exaure de imediato não só o amor como também toda e qualquer força que continue a vida no mundo”. Se Deus não existe, e a alma é mortal, “o egoísmo, chegando até ao crime, não só deve ser permitido ao homem, mas até mesmo reconhecido como a saída mais necessária e mais racional para a sua situação”.

- “Tomando conhaque” (L3, C8): Fiódor, embrigado, resolver opor filosoficamente os dois irmãos, Alieksiéi e Ivan. Enquanto este reitera que “Deus não existe” e “também não existe imortalidade”, Aliócha afirma que “é em Deus que está a imortalidade”. Descrições obscenas de Fiódor Pávlovitch sobre sua ex-esposa (e mãe dos dois) horroriza Alieksiéi, que teve um ataque histérico muito parecido com os que a sua mãe tinha.

- “Mais uma reputação destruída” (L3, C11): encontro entre Mítia e Aliócha. Este relata o estranho episódio na casa de Catierina Ivánovna. Dmitri, perturbado (horas antes, ele batera no pai, em uma briga violenta, pois pensava que Grúchenka estava na casa), diz que irá embora. O padre Paissi relata a Aliócha o que Zossima dissera sobre ele: “Para isto eu o abençoei; lá [o mundo terreno] é o lugar dele, e não aqui, por enquanto”, pois deveria cumprir uma obrigação que seu stárietz lhe confiara.

- “A Revolta” (L5, C4): Ivan questiona a idéia de amor ao próximo: “só os distantes é possível amar”. Para ele, não existe ser mais cruel que o homem, inclusive artística e esteticamente: “se o diabo não existe e, portanto, o homem o criou, então o criou à sua imagem e semelhança”.
Com descrições de atos perversos e violentos, até mesmo contra crianças, Ivan constata que prefere o sofrimento não vingado à harmonia, pois julga que se deve castigar ainda em vida, e não esperar a eternidade ou aceitar a liberdade e a compaixão. “Não é Deus que não aceito, (...) estou apenas lhe devolvendo o bilhete da forma mais respeitosa”. Aliócha diz que isto é revolta, pois existe o ser que “pode perdoar tudo, todos e tudo e por tudo, porque ele mesmo deu seu sangue inocente por todos e por tudo”.

- “O Grande Inquisidor” (L5, C5): poema de Ivan, no qual Cristo volta ao mundo em meados do Século XVI, na Espanha dos tempos de Inquisição. É importante notar que Dostoiévski não considera moral “um homem que queima hereges, porque (...) a moral [não] é uma harmonia com convicções íntimas. Isso é apenas honestidade”. O povo percebe a chega d’Ele, que tem uma presença radiante e até realiza milagres. Porém, imediatamente, o Grande Inquisidor manda prendê-lo.
Em seu monólogo (afinal, Cristo manteve-se calado durante toda a conversa), ele atribui “a si e aos seus o mérito de finalmente terem vencido a liberdade e feito isto com o fim de tornar as pessoas felizes”. Ele utiliza o encontro entre Jesus e o diabo no deserto para elucidar a importância das três tentações: o milagre, o mistério e a autoridade; são as três forças capazes de “cativar para sempre a consciência desses rebeldes fracos”.
Ele afirma que a maioria dos homens trocaria facilmente a liberdade pelo “pão da terra”; pois, quanto ao livre-arbítrio, “não existe nada mais sedutor para o homem que sua liberdade de consciência, mas tampouco existe nada mais angustiante”. Sendo assim, “nós os persuadiremos de que eles só se tornarão livres quando (...) se colocarem sob nossa sujeição”. O “rebanho” aceitará de bom grado esta servidão em prol da felicidade terrena, porém “nós que guardamos o mistério (...) seremos infelizes”, pois possuem o conhecimento do bem e do mal, “e no além-túmulo só encontrarão a morte”.
O desfecho é enfático: "Repito que amanhã verás esse rebanho obediente, que ao primeiro sinal que eu fizer passará a arrancar carvão quente para tua fogueira, na qual vou te queimar porque voltaste para nos atrapalhar". Aliócha, no entanto, diz que o poema “é um elogio a Jesus e não uma injúria”, e sentencia: “Teu inquisidor não crê em Deus, eis todo o seu segredo!”. Em seguida, repete o gesto de Cristo (que, após todo o silêncio, beijou o Inquisidor) em Ivan, em um ato de compaixão.

- “Ainda muito obscuro” (L5, C6): conversa de Ivan e Smierdiakóv. O intelectual niilista estava cada vez mais incomodado com o criado de seu pai (e também seu irmão bastardo), e a conversa soturna que trava com ele só o deixa mais assustado. Ele, apesar de ficar sabendo de toda uma conjunção de fatores que poderiam facilitar a Dmitri assassinar Fiódor na noite seguinte, mantém sua resolução de viajar no dia seguinte e abandonar tudo. “Amanhã estou partindo para Moscou, se queres saber, amanhã cedo, eis tudo!”: em frases como esta, dá sinais a Smierdiakóv que demonstram sua indiferença perante o risco de morte do pai.

4. INFLUÊNCIA
- Joy Division: um exemplo de influência dostoievskiana na arte do século XX. Ian Curtis (1956-1980) era um leitor assíduo deste escritor russo. Há referências diretas ("The Kill" lembra o dilema de Raskólnikov em "Crime e Castigo"), indiretas ("Dead Souls" é sobre o livro homônimo de outro escrito russo, Nikolai Gógol) e temáticas ("She's Lost Control" é sobre epilepsia; "Atrocity Exhibition" lembra o capítulo "A Revolta" de "Os Irmãos Karamázov"; "The Eternal" é sobre depressão existencial).

 

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