Jeitinho brasileiro: bonitinho, mas ordinário (?)
Não há dúvidas de que o povo brasileiro é o mais idiossincrático do planeta. Existem certas características e situações que são praticamente uma marca registrada dos tupiniquins, levando o país a ser, simultaneamente, um dos mais admirados e ridicularizados. Várias atitudes do cotidiano nacional, segundo alguns sociólogos e antropólogos, poderiam constituir o chamado “jeitinho brasileiro”. Será que ele tão elogiável ou execrável quanto se pensa?
O fator histórico é indispensável na análise de tal questão. O Brasil é, na prática, um “país vira-lata”, em razão da miscigenação étnica de seu povo; nesse caldeirão foram adicionados lusitanos, angolanos, nativos americanos, italianos, holandeses, espanhóis etc. Logo, se herdaram comportamentos bem diversificados, desde o jeito serelepe dos negros até os anseios por ócio dos ameríndios. É claro que nem tudo que foi trazido por tais etnias seria benéfico. Em um país tão oprimido e desorganizado durante o processo colonial, além de um Império fajuto e uma República que já foi oligárquica e até populista, era patente que a população teria de encontrar mecanismos e brechas para sobreviver.
Evidentemente, maniqueísmos não servem nesse assunto. Não se poder considerar o jeitinho como o que há de melhor ou pior no brasileiro. Nem a xenofilia ou o patriotismo são possíveis na análise. Se, por um lado, somos campeões de corrupção de pequeno, médio e grande porte (desde um suborno até uma “mesada” para deputados federais), também poderíamos ser vistos como criativíssimos e talentosos em tudo o que nos realmente propomos a fazer, mesmo que no futebol ou na ciência.
Há tempo e espaço de sobra para listarmos prós e contras da “malandragem” dos brasileiros. Comecemos pelos aspectos negativos: utilizar-se do “você sabe com quem está falando?” é não só uma falta de caráter e escrúpulos, mas também a expressão de uma ideologia coronelista e arcaica; o clientelismo e o nepotismo são totalmente reprováveis; a despolitização gerada pelo jeitinho brasileiro é preocupante, visto que a população se acomoda com as navegações sociais que realiza, negligenciando a verdadeira luta por reformas e mudanças; o desrespeito às leis é tão constante que soa mais fácil encontrar brechas nelas do que buscar cumpri-las.
Em contrapartida, o indivíduo é completamente esnobado pelo Estado no Brasil, ou pelo excessivo intervencionismo (carga tributária absurda, dificuldades para montar o próprio negócio) ou pela negligência e indiferença do mesmo quanto ao que realmente lhe cabe. De quebra, nossa economia, mesmo sendo uma das top-12 mundiais, é uma das mais desiguais do mundo. Poucos países estão tão aquém do liberalismo político e econômico como o nosso.
Creio que a pergunta feita no primeiro parágrafo não tem uma resposta definida, mas sim leva a uma amarga reflexão: os brasileiros estão muito distantes do ideal de nação justa. As instituições sociais são ineficazes, mas a própria população não parece disposta a contribuir para o progresso e êxito do Brasil. Falar em “mudanças pela educação” é até hipocrisia para um país que nunca valorizou a intelectualidade, tampouco se interessou pela construção da real cidadania. Fazer prognósticos é difícil, mas, como diria um certo músico, “Malandragem, dá um tempo!”
Mudando de assunto - terminei o livro do Bloom ontem. Ele superou as minhas expectativas, e os motivos para isso serão esclarecidos em uma futura resenha; entretanto, a obra já valeria a pena pelas boas dicas de leitura que me deu. Hoje retornei a leitura de "A Genealogia da Moral", do Nietzsche, que eu tinha começado há alguns meses, mas parei porque sentia que não era o momento para lê-lo. Já que estou em uma overdose literária, não custaria nada retomar algum escrito do bigodudo para dar sequência à minha dose cavalar.]