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Kaio

 

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06 agosto 2007

A entropia da liberdade

As três bandeiras ideológicas da Revolução Francesa - "Liberté, Egalíte, Fraternité" - ainda exercem influência substancial na sociedade ocidental pós-1789. Poderíamos até relacionar o espectro ideológico com a priorização de cada um dos componentes da famosa trinca.

A liberdade, indubitavelmente, estabeleceu-se como o foco do pensamento da direita. Libertários, liberais e até os conservadores sempre a colocaram como a base, o fundamento de suas teorias e práticas. Jamais poderíamos imaginar a política de países como o Reino Unido ou os Estados Unidos da América sem nos lembrarmos de legados direitistas, como o federalismo e a autodeterminação dos povos. Chegou-se ao ponto de haver uma defesa tão exacerbada da economia de mercado e da livre concorrência que certas gestões "esqueceram" a democracia em algumas situações. Não por acaso, o neoliberalismo, nos seus primórdios, foi aplicado justamente por governos reacionários (Margareth Thatcher, Ronald Reagan) e até mesmo autoritários (Pinochet).
Já a igualdade é o princípio mais evidente nas doutrinas esquerdistas. Enquanto os liberais defenderam o Estado de Direito e a igualdade jurídica, os socialistas, social-democratas e afins desejam algo mais abrangente: a igualdade social e econômica. Além disso, o espírito "robin-hoodiano" de seus ideais confiou ao Estado o papel de dirigir todas as reformas pretendidas. Infelizmente, tal política de planejamento estatal revelou-se extremamente pesada para as despesas orçamentárias. Elaborar uma rede de proteção social exigiria gastos elevadíssimos, que poderiam gerar problemas delicados como inflação, déficit público, impostos abusivos, desestímulo à livre iniciativa e até estagnação. De quebra, sabemos muito bem que controlar a economia é o primeiro passo para controlar a vida do indivíduo em grande parte ou mesmo em todos os demais aspectos; que o diga a União Soviética...
Enquanto isso, os nacionalistas, que são uma força de centro na minha concepção, vêem a fraternidade como um grande ideal a ser alcançado. Seus anseios por ordem, progresso, valorização da identidade nacional e superioridade cultural desencadearam em regimes e ideologias imperialistas e totalitários, especialmente o fascismo na Itália e o nacional-socialismo (vulgo nazismo) na Alemanha. Tal corrente surge como "terceira via" em diversas ocasiões, funcionando como um meio-termo que angaria votos dos setores mais manipuláveis das massas, que tendem a ser mais ludibriados a acreditar em sua nação do que no free-market ou em uma redistribuição de renda. O nacionalismo pode ser belo por um lado - é uma apaixonada defesa da tradição e da história de uma etnia, de uma cultura -, mas é também ameaçador e impiedoso quando levado às últimas conseqüências por ideólogos e estadistas fanáticos.

Qualquer paralelo que se faça entre ciência e política pode ser equivocado, visto que é de conhecimento geral que nem sempre as ditas leis naturais servem para explicar os fenômenos sociológicos e psicológicos que abrangem o ser humano e sua existência. Somos complexos demais para sermos reduzidos a termos técnicos, e não será um darwinismo social que explicará problemas como a violência e a extrema pobreza.
Mesmo assim, há novos ramos das Ciências da Natureza que chegaram a teorias tão fascinantes e libertárias que podem diminuir este abismo que separaria as Exatas e Biológicas das Humanas. É claro que estou falando da Física Moderna. A relatividade e a mecânica quântica são dois bons exemplos que poderíamos utilizar em uma relação com a temática política visada desde o início deste, digamos, ensaio.
A noção de que o Universo está em constante expansão, e que a entropia (a quantização da desordem em um sistema) é uma grandeza extensiva que tende a aumentar ad eternum poderia nos levar a um raciocínio interessante. Se há uma tendência para a espontaneidade, para a maior dispersão e disseminação das partículas e ondas, se qualquer tentativa de ditar e barrar tal expansão pode até mesmo acelerar o processo, mas jamais “reorganizá-lo”, voltá-lo à sua origem, então a conclusão poderia ser a seguinte: a liberdade é o maior entre os valores da "Trinca da Modernidade".

Como assim? Tentarei me explicar melhor. Oras, se é inegável que o próprio Universo não é estático, que ele é necessariamente mutável, estando em constante transformação, assim como todas as organizações sociais que a humanidade já empreendeu, então é visível que tanto a igualdade quanto a fraternidade absolutas vão contra a natureza humana. Em outras palavras, as tentativas de vários modelos de socialismo e nacionalismo de intervir excessivamente na economia e, consequentemente, frear a liberdade política, social e de pensamento do indivíduo revelam-se ultrajantes à condição que cada ser humano tem de ser livre, dono de si mesmo.
Não, não estou fazendo uma panfletagem direitista, apenas estou constatando que John Locke e outros liberais não se equivocaram ao falar em uma espécie de “direito natural” do homem de gerir a sua própria vida com o mínimo de interferência externa. Não caberia, portanto, às instituições sociais mais do que criar leis que funcionem como mediadoras, buscando garantir que não haja prejuízos de nenhuma parte quanto à execução da liberdade individual, ou seja, que só há a necessidade de intervenção quando a vida, a propriedade ou a própria expressão de idéias esteja ameaçada.

Que fique claro que eu não quero afirmar que a igualdade e a fraternidade não sejam imprescindíveis; pelo contrário, são valores fascinantes e indispensáveis, mas que não podem ser excessivos, visto que se tornariam um risco para a própria sobrevivência da espécie. Quero afirmar que um regime que crie uma sociedade imutável e excessivamente organizada desestimula a criatividade e as novas idéias, pois não há perspectivas quando não se é mais do que um servidor de seu povo. É como se nossa individualidade fosse negada e reprimida, e não fôssemos mais do que ovelhas de um rebanho, tijolos em um muro. E sabe-se muito bem que qualquer grande império cai justamente pela desordem; quero dizer com isso que mesmo o Estado mais castrador é derrubado quando ele próprio já não consegue mais aniquilar o ímpeto e o anseio por mudanças dos populares insatisfeitos, e inevitavelmente seu destino será a queda.
Não me surpreenderia se chegássemos ao fim do Século XXI regidos por um protótipo de anarquismo. Por mais que suportemos totalitarismos e limitações de nossas liberdades durante toda a História das Civilizações, a humanidade tem uma entropia em permanente crescimento, e a necessidade de “governos que governem menos” é visível e inabalável.
É óbvio que a educação ainda está longe de ser universal, e jamais chegaremos a um anarquismo se a grande maioria da sociedade não tiver a capacidade de desenvolver de maneira plena o seu intelecto, livre-pensamento e autonomia financeira. A miséria, a fome, as epidemias, os sérios problemas ambientais, o desemprego e as guerras continuam sendo motivos de constante preocupação. A globalização ainda promove uma exclusão aos setores menos desenvolvidos tecnologicamente, e a Internet erradicou boa parte de nossa privacidade. Ainda assim, resta-nos tempo de sobra para corrigir vários desses problemas e prosseguirmos na trajetória libertária. É certo também que será pela ação de indivíduos, e não de uma nação ou da mera coletividade que haverá tais mudanças. Atores sociais são imprescindíveis para melhorar o mundo. Tenho uma confiança inabalável que a liberdade tão sonhada por todos nós ainda será alcançada, mesmo que os mais diversos obstáculos devam ser superados.

 

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