A respeito da obra de um certo tutor de Alexandre, O Grande
Sobre a organização de "Política" - o livro começa muito bem; as três primeiras das 8 partes são de leitura agradabilíssima, já que Aristóteles trata o tema demonstrando grande conhecimento e uma linguagem adequada.
No quarto e no sexto, entretanto, ele acaba caindo na prolixidade, adotando aquele estilo "idiossincrático à Biologia" que eu havia comentado anteontem, no blog. Tudo bem que analisar o funcionamento da oligarquia, da democracia e das outras formas de governo designadas por ele exige muito detalhismo e as longas descrições e exemplificações são um mal necessário; no entanto, é de tirar a paciência de qualquer um em certos momentos da leitura. As coisas melhoram bastante quando ele começa a falar sobre as tiranias. Até me lembrei um pouco de Maquiavel, já que Aristóteles foi realista e até cínico quando comentou sobre como manter um regime despótico.
A quinta, que trata sobre as revoluções, é bem interessante e soa até atual na comparação com os conceitos contemporâneos, apesar de regimes como a aristocracia e a oligarquia não estarem presentes formalmente em nossa realidade, mas sim implícitos em certas democracias.
As duas últimas são, provavelmente, as melhores, já que ele faz uma espécie de link com "Ética a Nicômaco", e resolve discorrer sobre os aspectos 'micro' da sociedade, inclusive a respeito da conduta dos cidadãos e da educação. Aliás, foi nesse trecho que eu tive uma surpresa agradável (além de ter me deparado com comentários interessantes sobre o papel da música na educação): Aristóteles era a favor do aborto, quando este fosse feito logo no início de uma gravidez indesejada. E pensar que, mais de 2300 anos depois, ainda exista tanta oposição a tal questão, ainda mais em razão de uma cultura hipócrita e conservadora (no mau sentido) que estabeleceu-se no Ocidente atráves dos séculos a respeito de certo assuntos...
Outro aspecto notável de "Política" é a refutação de várias idéias platônicas sobre a organização política. Uma das mais absurdas delas, que era o comunitarização absoluta de mulheres e crianças (em outras palavras, um "ninguém é de ninguém, todos são de todos"), foi amplamente criticada por Aristóteles, que, sempre munido de bom senso, apontou a necessidade de estabelecer-se uma ordem social, da imprescindibilidade de que existam famílias, propriedade privada, hierarquias, etc. Não foi dessa vez que Platão, Sócrates e outros idealistas saíram vencedores com seu apego absoluto ao "Mundo das Idéias", hehe.
Na minha opinião, o filósofo é mais simpático à democracia. Pela minha interpretação do livro, ele, mesmo que apontando as falhas e aspectos negativos do regime democrático, vê a politéia (governo constitucional) como o mais prático e justo de todos. Mesmo a monarquia e a aristocracia, que também são bons modelos para ele, tornam-se ultrapassadas para cidades em que mais do que um pequeno grupo de pessoas demonstre-se virtuoso, e em que o povo tenha força política superior à da elite econômico-social. Claro que os demagogos são um dos principais problemas da democracia, e, em certos casos, aproximam-a de uma tirania (Aristóteles não ficaria surpreso ao ver que, desde os tempos helênicos, tal "raça" é quase inerente à política. Desde Roma até o Brasil contemporâneo, quase todos os governos republicanos e/ou democráticos tiveram políticos que manipulavam as massas ao seu belprazer).
Ah, sobre o título do post: tendo Aristóteles como professor, é óbvio que Alexandre, O Grande, estava bem servido. Seu projeto de uma monarquia mundial, entretanto, era demasiadamente pretensioso, e seu malogro era inevitável, apesar de todos os sucessos militares de Alexandre. Ainda assim, devemos agradecer a ele pela fusão da cultura oriental com a ocidental. O mundo deve muito a esse 'helenismo'.
Recomendo a obra a todos que tenham interesse em saber mais sobre um dos maiores pensadores da Antiguidade, e que teve uma influência que não ficou restrita às ciências ditas 'humanas', mas também nas 'exatas' - vide as concepções aristotélicas sobre gravitação e mecânica que eram axiomáticas na Física até o Renascimento Científico dos séculos 16 e 17.
[- Qual será a sua próxima leitura, Kaio?
- "As Catilinárias", do romano Cícero.]
Até mais.