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Kaio

 

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30 janeiro 2007

Um ensaio sobre as minorias

Decidi escrever este post após reler alguns antigos (ok, nem tão antigos...) textos políticos meus, como um que eu fiz após terminar de ler "A Idade da Razão", do Sartre, e resolvi fazer uma reflexão sobre os rumos da humanidade e das correntes políticas no século 20. Em retrospectiva ao que eu escrevi, só discordo de algumas poucas coisas, como o tom meio pejorativo que eu usei para falar que os direitistas 'viraram' consumistas após perderem em parte a batalha ideológica para os esquerdistas.
Na verdade, ambos os lados aproveitaram as vantagens do capitalismo globalizado, o que é óbvio, mas eu acho que o que eu queria dizer naquele texto é que a direita, de certa maneira, adotou uma conduta mais materialista e - por que não? - honesta quanto à sua realidade. Ao invés de se contradizer em discurso e prática como seus adversários vermelhos, ela resolveu se entregar ao ceticismo. Não por acaso, os melhores blogueiros políticos do Brasil e do mundo são de direita.
Isso não é uma opinião imparcial (até porque, se eu tivesse que escolher entre um dos dois lados hoje, certamente ficaria mais próximo dos 'destros'... ainda me escondo no hipócrita 'sou centrista', mas isso não quer dizer que eu esteja em cima do muro), mas nem por isso é uma inverdade. Os partidários da direita lêem mais, escrevem melhor, argumentam melhor e até em ironia e sarcasmo são mais eficientes que os da esquerda.
Há alguma justificativa para isso?
Eu acho que tenho uma. Só acho, não é uma certeza, apenas uma opinião - o fato de ela ser minoria.

Até pouco mais da metade do século passado, a esquerda era minoria.
Na Idade Moderna, para um Rousseau, havia um Voltaire, um Montesquieu e um Locke para rebater. Em outras palavras, existiam bem mais liberais/conservadores do que radicais/progressistas. E a Revolução Francesa foi a prova incontestável (e amarga, para alguns) de que é impossível fazer uma insurreição sem povo, mas também é impossível governar com o povo no poder.
No século XIX, o socialismo era a expressão de setores da classe média que queriam combater as desigualdades sociais (mesmo que por meios que ferissem a liberdade, tanto em âmbito individual como em coletivo) e buscar uma sociedade que seguisse o raciocínio "vamos tomar e fortalecer o Estado para que um dia ele se torne prescindível". Tinha tudo para dar certo. Karl Marx se tornou o queridinho de intelectualóides que adoram usar jargões e sofismas para ganhar fama, dinheiro e/ou mulheres (ou haveria outro motivo para posar de espertalhão? Não sejamos tolos!); a Comuna de Paris animou os festivos que queriam a paz pela guerra e a ordem pelo caos; os sindicatos se fortaleceram; os grupos mais reacionários já estavam tendo algumas dificuldades para reprimir revoltas, e foi preciso usar o perigosíssimo nacionalismo (o qual é o principal motivo para que eu não seja plenamente um centrista, já que defender a sua nação é um meio-termo entre defender o capital e o social) para abafar a luta de classes e fortalecer os Estados; e o século terminou recheado de coisas que os esquerdistas poderiam criticar por anos e mais anos, como o imperialismo e o neocolonialismo.
Já no "20th Century", as coisas começaram muito bem - vieram Bernstein e Kautsky com a social democracia, que empolgou muitos por ser um 'socialismo evolucionário e gradual' e outros porque, na prática (a partir de países como a Suécia), se revelou um capitalismo engenhoso e de forte intervenção estatal (política de geração de empregos, construção de obras públicas, previdência social, investimentos maciços em serviços de educação e saúde, etc) - tanto que foi adaptado nos EUA como New Deal (ou keynesianismo) pelos democratas, que queriam erradicar o rastro sombrio deixado pelos republicanos e seu liberalismo econômico desgastado que resultara na Crise de 29.
Além da SD, o socialismo propriamente dito teve êxitos fenomenais, e o que antes era "mera balela intelectual" virou realidade, com a implantação do regime na Rússia, na China, em Cuba, na Europa Oriental e na Coréia do Norte. Em 1960, chegou-se ao ponto de 1 em cada 3 terráqueos habitar um país socialista.
É aqui que a coisa muda de lado. A esquerda chegou ao seu ápice. A vitória é iminente. O capitalismo, no entanto, revela sua vocação de sistema mutável e engloba-a. Ele vence, mas não leva. Em outras palavras, a sua existência foi condicionada ao início da derrocada da direita.

Claro que a mesma não deixaria por menos, e reagiu nas três décadas seguintes. Politicamente, vieram as ditaduras militares na América Latina (que conseguiram cumprir seus objetivos imediatos - enfraquecer os radicais e manter a zona de influência sob o poderio dos EUA -, mas falharam a longo prazo, com administrações desastrosas das economias locais, com conseqüências que se manifestam até hoje, como a crença de que o Estado deve ter 'poderes ilimitados', que deveria, na minha opinião, ter morrido junto com Vargas e Perón).
No âmbito econômico, inicialmente o keynesianismo foi mantido, mas economistas (a maioria das prestigiadas escolas de Chicago e Viena) como Friedman e Hayek finalmente conseguiram provar para o mundo (o prêmio Nobel não me deixa enganar) que era chegada a hora de diminuir o papel do Estado, que havia se atrofiado de tal maneira que seriam necessárias reformas profundas para retomar o crescimento e diminuir a inflação, após crises delicadas como as do petróleo em 73 e 79. Eis o neoliberalismo (graças ao seu livro didático de História, imediatamente você associa essa palavra com os famigerados Reagan, Pinochet e Thatcher).
Frio e calculista como a matemática, esse modelo operou e facilitou praticamente tudo que pretendia - valorização da iniciativa privada, tecnocracia, quebra de monopólios estatais, um mercado mais livre, corte de gastos públicos (ou seja, adeus ao Welfare State e seus orçamentos abusivos), desemprego (para muitos, a pior das heranças neoliberais e um grande responsável pela desigualdade social e econômica, por mais que os mesmos falem que "até uns 12% é tolerável") e até a chamada globalização (ame-a ou odeie-a, mas ela fez a vida de todos nós dar um giro de 180 graus em muitos aspectos).
Os EUA conseguiram vencer a Guerra Fria contra uma fraca e combalida União Soviética, vitimada pela burocracia, os abusos de poder, a corrupção, o desabastecimento e todos os erros do socialismo soviético. Nada que fosse inesperado, afinal os anos 80 sepultaram de vez qualquer chance de opor um modelo sócio-econômico ao capitalismo, afinal, sem avanços tecnológicos e econômicos, é impóssível manter uma estrutura sócio-política, e o Kremlin aprendeu isso da pior maneira possível. Caíam junto com a URSS e o Muro de Berlim a 'velha esquerda'.
E então, foi suficiente? Você sabe que não.

Apesar da empolgação inicial, logo a imprensa e os formadores de opinião se colocaram contra os neoliberais. Esquerdistas frustrados com os seus fracassos políticos resolveram usar suas lamentações como maneira de ganhar a vida.
"Quem sabe, faz; quem não sabe, ensina": por exemplo, professores comunistas infestaram as escolas brasileiras depois do fim da ditadura, e distorceram de maneira bizarra a História para várias gerações de estudantes (curioso é notar que esses mesmos professores desciam a lenha no método positivista, mas a própria História sob o ponto de vista marxista é eurocêntrica, pois valoriza mais os modos de produção desenvolvidos na Europa).
Jornalistas 'vermelhos' estão cada vez mais em evidência, afinal, criticar o 'imperialismo estadunidense', as multinacionais, os republicanos, as elites, o status quo e alertar para os problemas sócio-econômicos nunca foi tão valorizado. Michael Moore é o exemplo perfeito do que eu quero dizer. Queria eu ganhar dinheiro contando mentiras e fazendo conspirações.
A Igreja também anda se ruborizando. João XXIII e Paulo VI foram condescendentes com a ala progressista dos católicos, o que de certa maneira possibilitou o surgimento de uma piada chamada Teologia da Libertação (João Paulo II tentou diminuir o poder de tal facção com seu estilo mais populista e conservador, mas ambas as correntes coexistem na Igreja atualmente), um "jeito marxista de ser cristão". Como dizem eles, Jesus foi o primeiro socialista (e Judas, conseqüentemente, o primeiro capitalista)!
Preciso falar dos ótimos resultados dos políticos de centro-esquerda tanto na Europa no final da década passada e na América Latina nos últimos 6 anos? Não, isso você sabe muito bem, está nos noticiários todos os dias. Alguns (Chávez, Morales) são mais lunáticos que outros (Lula, Blair, Bachelet), mas no fundo, todos representam a terceira via, o neotrabalhismo, o socialismo bolivariano ou qualquer termo utilizado para designar esse movimento e suas vertentes e heterogeneidades.
As artes também andam valorizando o pessoal que se preocupa com as criancinhas da África e o efeito estufa. Quer fazer uma música de sucesso? Aprenda com os macacos velhos - faça como o U2 e o Green Day em "The Saints Are Coming". Afinal, é sempre cool se preocupar com o mundo, mas não fazer nada de consistente para melhorá-lo. (ou vocês vão me dizer que filantropia e discursos bonitinhos resolvem alguma coisa?)
Isso sem falar no perigosíssimo 'politicamente correto'. A liberdade de expressão foi relegada a segundo plano em vários países, afinal o 'respeito às diversidades étnicas', ao 'passado histórico' e outros argumentos demagógicos foram utilizados como pretextos para uma maior regulação do free speech, pra não dizer censura. Quem diria, a antes rebelde esquerda é hoje quem mais (diz que) preza pela moral e os bons costumes.
No Brasil, então, não é nem preciso falar - há pessoas alegando que a Carta Capital é melhor que a Veja, porque esta é, segundo elas, "tendenciosa e cínica, sem compromisso com a veracidade dos fatos" (bem, ao meu ver, é preferível isto do que ser mascarada e hipócrita como a revista do Mino Carta, a qual acha que convence ao posar de boa mocinha e imparcial). Chegou-se ao ponto de 'cético', 'reacionário' e 'individualista' serem palavras pejorativas!

E é nisso que eu chego ao ponto que eu queria, após dezenas de linhas lotadas de prolixidade. Os 3 adjetivos citados no final do parágrafo anterior podem perfeitamente designar um direitista, e os mesmos não acham que tais termos sejam críticas negativas. E isso não é de hoje, dê uma olhada na ala moderada do Iluminismo (sim, Voltaire, Montesquieu, Locke...) e você verá que ao menos o individualismo (os outros dois estão mais camuflados em coisas como reformas graduais, voto censitário, desconfiança quanto ao êxito de revoltas populares mais radicais e liberdade política e econômica) é assaz exaltado.
Concluindo: as coisas se inverteram. Se antigamente esquerda = underground e direita = mainstream, no mundo atual é o contrário. E quando se é minoria, você tem maiores possibilidades de ser você mesmo, de expressar suas idéias fugindo do senso comum e questionando a realidade de uma maneira mais contundente. O outsider tem bem menos espaço que o 'adequado ao sistema', mas tem bem maiores possibilidades de se destacar, inegavelmente.

 

Comentários:

 

 

Ciência política definitivamente é a sua área!


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