Poucos livros tratam o amor de uma forma tão genial e criativa como "Fragmentos de um discurso amoroso". Roland Barthes (1915-1980), crítico literário e autor da obra, escreve de uma maneira clara e envolvente, e pode agradar aos mais diferentes tipos de leitores graças a isso.
"Fragmentos" é uma espécie de dicionário do amor. Barthes comenta sobre vários "verbetes" relacionados ao tema, como a espera, o adorável, a cena, o ciúme, o amor obsceno, entre outros.
O autor utiliza inúmeras referência a livros e escritores para intertextualizar a obra - temos Freud, Flaubert, Baudelaire, Sartre, Platão e até Nietzsche, mas a maior parte do livro alude à indiscutível obra-prima do Romantismo - "Os Sofrimentos do Jovem Werther", afinal, esta descreve praticamente todas as situações amorosas que são relatadas no livro.
O meu capítulo preferido é sobre a identificação:
"O sujeito se identifica dolorosamente a qualquer pessoa (ou qualquer personagem) que ocupe a mesma posição dele na estrutura amorosa. (...) Werther se identifica a todo enamorado perdido, [como] o louco e o empregado. Eu, leitor, posso me identificar com Werther. Historicamente, mil sujeitos o fizeram, sofrendo, se suicidando, se vestindo, se perfumando, escrevendo como se fossem Werther."
Creio que o maior mérito de "Fragmentos de um discurso amoroso" é exatamente o fato de retratar situações pelas quais a esmagadora maioria dos leitores já passou, e entende como são difíceis. Mesmo eu, que no meu "curriculum vitae do amor", só acumulei duas pequenas experiências (sendo que ambas foram malogradas pelo meu excessivo platonismo e o meu ego unilateral), fiquei paralisado ao ler o livro e lembrar fatos que ocorreram a mim entre abril de 99 e novembro de 2000, e entre outubro e novembro do ano passado.
É provável que Barthes quis provar que não é preciso que uma paixão seja concretizada para que o sujeito que está apaixonado experimente todas as angústias e alegrias que o amor proporciona. Mesmo os românticos que não têm na prática o mesmo êxito obtido na idealização (eu, por exemplo) não ficam imunes à confusão emocional e sentimental.
Os realistas, com toda a sua amargura, desprezam os ultra-românticos justamente por isso - enquanto estes são exaltados e sinceros quanto aos seus sentimentos, aqueles escondem o que sentem, e, para isso, tentam se focar no lado mais carnal. O próprio Brás Cubas, o cínico por excelência, pode ser utilizado como exemplo.
Caso você deseje ler um livro que exponha idéias e considerações líricas e intimistas sobre essa "pequena loucura" chamada amor, este escrito de Roland Barthes será o seu próximo livro de cabeceira.