05 maio 2017
Conheci o professor Eduardo Portella no dia 17 de Setembro de 2015, em um evento da Academia Brasileira de Letras no qual foi exibido um documentário sobre José Guilherme Merquior. Fui apresentado a ele pelo professor João Cezar de Castro Rocha, que assim que me ouviu tratando Portella por “você” pôs-se a corrigir minha “falta de etiqueta” e me disse para tratá-lo por “senhor”.
Na semana seguinte, quando comecei a assistir às aulas do professor Portella no Colégio do Brasil, em Laranjeiras, não havia mais motivo para formalidades; Eduardo era muito modesto e gentil para exigir um tratamento senhorial. Desde a primeira aula ficou claro que dividíamos vários interesses intelectuais; o maior deles, claro, era a obra de Merquior. Nos dois cursos dele que fiz (um no 2º semestre de 2015 e outro no 1º semestre de 2016), o professor e nós alunos debatemos vários temas de filosofia, literatura, estética, política, religião e até cultura pop.
Portella me fazia relatos sobre sua amizade com Merquior; soube de várias histórias curiosas e divertidas, mas também de seus últimos meses de vida, batalhando contra um câncer de estômago.
Ao perceber meu interesse por várias obras publicadas por sua editora, Tempo Brasileiro, o professor doou-me vários livros e revistas. Os primeiros deles foram, claro, de José Guilherme: “O Homem e o Discurso” (uma entrevista com Foucault conduzida por ele e Sérgio Paulo Rouanet), “O Estruturalismo dos Pobres” e uma edição especial da Revista Tempo Brasileiro com ensaios em homenagem a Merquior. Ao longo do tempo, as doações foram se diversificando, e achei artigos da revista sobre Thomas Mann, Escola de Frankfurt, estruturalismo, ensaísmo (aliás, Portella escreveu o ótimo “O ensaio como ensaio”), crítica/crise da modernidade, liberalismo (foi da edição 64/65 que saiu o famoso “O argumento liberal”, de José Guilherme) etc. Enfim, talvez seja uma das melhores revistas de cultura geral que o Brasil já teve; é uma pena que já não seja tão famosa quanto o foi nos anos 60 e 70.
Eu iria ter um 3º curso com Portella no segundo semestre do ano passado. Além disso, eu e outros alunos estávamos com planos para ajudá-lo a levantar a editora e o próprio Colégio do Brasil; pensamos até em um ciclo de palestras. Infelizmente tudo foi interrompido quando, na manhã do primeiro dia de aula, o funcionário Paulo Cesar me ligou, dizendo que o curso foi cancelado de última hora por causa de uma regra da pós-graduação em Letras da UFRJ de que um mesmo professor não pode dar dois cursos de pós no mesmo ano. Creio, porém, que os verdadeiros motivos dos professores do departamento eram mesquinhos. Eu e meus colegas ficamos sem curso, e o professor Portella ficou muito triste com a situação.
Neste semestre o curso planejado para o anterior seria lecionado, mas foi sendo adiado porque o professor estava doente. Estava assistindo por acaso o Jornal Nacional na terça, dia 2 de Maio, quando fui surpreendido pela notícia de que Eduardo Portella havia nos deixado, aos 84 anos. Não pude conter as lágrimas; não só pelo choque, mas porque ele foi muito importante na minha formação intelectual. Eu pretendia chamá-lo para a minha banca, e esperava que ele ficasse orgulhoso de finalmente ver a defesa de uma tese sobre seu amigo José Guilherme. Infelizmente isso não será mais possível. Por outro lado, ainda há uma tarefa a ser feita: preservar seu legado. Sinto-me um pouco seu herdeiro pelo ano de convivência semanal e pretendo me pautar no professor para, quem sabe, ser um intelectual minimamente digno daquilo que ele e Merquior nos deixaram.
Obrigado por tudo, Portella.