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Kaio

 

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21 novembro 2009

Sobre E. Burke

Essa foi a semana mais docente da minha vida, rs. Dei duas aulas. A primeira foi na quarta-feira passada, em Teoria Política Moderna; sou monitor da matéria, e o professor deixou que eu lecionasse na 2ª aula sobre Edmund Burke. A outra foi ontem, em Teoria Sociológica 1, pois foi o seminário de meu grupo, sobre "Economia e Sociedade", de Max Weber.
A seguir, o roteiro que segui para a aula burkeana:

1. Burke, um conservador?

1.1. Conservadorismo é a filosofia ou postura política que afirma a importância social e política da estabilidade e da continuidade. O crescimento orgânico é mais seguro e bem-sucedido que ambições racionalistas e revolucionárias, cujos resultados são mais incertos e constantemente desagregam a comunidade. Com isso, a melhor ordem social é aquela que, apoiada nas tradições, modera e limita o egoísmo natural do ser humano.
Os conservadores acreditam que os governantes devem levar em conta a opinião pública e os preconceitos, que expressam o bom senso, a sabedoria popular. Além disso, há um sentido moral na liberdade defendida pelo conservadorismo; ela não deve ser vazia de sentido.
Existem vários tipos de conservadorismo: a) Liberal, que combina a defesa do livre mercado e da responsabilidade individual com valores tradicionais; b) Fiscal, que defende a austeridade do governo nos gastos públicos; c) Social, que se preocupa com a ordem e a estabilidade da sociedade; d) Cultural, no caso de povos ou nações que preservam as suas tradições e valores; e) Religioso, quando se procura utilizar ensinamentos de uma religião como base para a argumentação política.
O conservadorismo americano é o que mais assimila idéias liberais, muito embora enfatizando mais a meritocracia e a cultura do esforço do que a defesa dos direitos individuais, tão cara ao liberalismo. Tal tendência foi seguida pelos britânicos a partir do fim dos anos 70, com a ascensão de Margareth Thatcher e seu discurso privatizante. O conservadorismo da Europa Continental – e, de certa maneira, aquele adotado no Brasil e na América Latina – tem um caráter mais paternalista, antiliberal (pois acreditam que o individualismo enfraqueceu os laços sociais), forte influência de valores cristãos e a defesa do intervencionismo visando à promoção da ordem e da união nacional.
1.2. Os conservadores avaliam uma instituição pelo seu passado e tradição; em outras palavras, ela ganha legitimidade na medida em que mantém, por meio de uma evolução gradual, aquilo a que se propôs a garantir. Sendo assim, a conservação dos costumes, a harmonização dos conflitos e seu peso histórico seriam suas maiores virtudes.
Já os liberais falam em eficiência, pois preferem as instituições que alcançam os objetivos para os quais foram criadas, independentemente de serem novas ou antigas. O importante é que ajam de acordo com as forças espontâneas do mercado (a livre concorrência, por exemplo) e voltados para objetivos socialmente benéficos, através de externalidades positivas.
Os libertários enfatizam a importância de que as leis e os costumes não firam as liberdades civis e os direitos individuais. Eles acreditam na primazia do respeito à autonomia do indivíduo de fazer suas próprias escolhas, pois é dono de seu corpo e responsável por suas ações. Há, porém, a condição de que não prejudique o direito dos outros de também gozar dessa autodeterminação.
1.3. Edmund Burke se distingue do liberalismo de John Locke, o principal ideólogo do partido Whig. Enquanto o pensamento lockeano dá um caráter filosófico/metafísico aos direitos do homem, Burke entende-os como sagrados (viés teológico), e também como resultado da experiência acumulada dos séculos. Há aproximação de ambos, no entanto, quanto à idéia de proteção da propriedade privada como origem do governo.
Burke defende que o tempo e a experiência formam uma aristocracia capaz de fazer políticas que gerem o bem-estar para a coletividade. A justiça, a paz e a ordem são tão importantes quanto a liberdade; portanto, deve-se objetivar não uma sociedade perfeita, mas aquela que for praticável.
Do ponto de vista epistemológico, ele aproxima-se ligeiramente dos empiristas, como David Hume, por acreditar no hábito e na experiência como fontes de conhecimento. É também cético quanto às capacidades criadoras da razão humana. Para ele, há uma realidade, que não depende de nós; apreendemos a natureza com referência na tradição lentamente forjada por nossos ancestrais. Burke é, portanto, crítico dos utilitaristas, dos democratas radicais que seguiam Rousseau e do racionalismo dos filósofos iluministas. As três tendências criticadas por ele compartilham a crença na especulação metafísica, pois acreditam nos poderes da razão no sentido de ordenar e reorganizar a sociedade.
Ideologicamente, Burke considera-se um Whig da velha guarda, pois apóia reformas orgânicas e não simpatiza com o viés iluminista e pró-Revolução Francesa dos “novos” Whigs. Aproxima-se das idéias do partido Tory nos momentos reacionários de sua retórica, mas não se compactua com eles quanto à intolerância que demonstram com os católicos e sua posição pró-imperialismo britânico na Índia e na Irlanda.
1.4. Há vários motivos para considerar Edmund Burke um liberal-conservador. Existe um aspecto moderado e anti-revolucionário em seu pensamento, como a defesa dos costumes, convenções e as tradições do direito consuetudinário, assim como a a limitação dos poderes do governo, a ética da política pautada pela religião e o anti-racionalismo.
Porém, Burke também afirmou a proeminência da propriedade privada como um dos fundamentos de uma sociedade livre e vigorosa. Simpatizante da causa dos colonos da América, ele alegou que eles eram dedicados à causa da liberdade segundo a concepção inglesa e baseada nos mesmos princípios da revolução Whig de 1688. Também foi crítico da administração inglesa na Índia, e defendia os direitos dos católicos e a liberdade comercial de sua terra natal, a Irlanda, que sofria imensa opressão religiosa e política da Inglaterra. Aliás, essa defesa dos interesses irlandeses lhe custou uma derrota eleitoral em seu distrito, em 1780.

2. Os legados da Revolução Inglesa e os erros da Revolução Francesa

2.1. Legados: ao invés de eleições e autogoverno, consolidou-se o respeito à hereditariedade e a limitação dos poderes da Coroa. Houve a conservação das leis e liberdades tradicionais. O respeito à herança de nossos antepassados permitiu conservar a unidade na diversidade, evitando desordens e excessos. Forneceu, também, meios seguros de conservar, transmitir e também de melhorar esses hábitos.
2.2. Erros da Revolução em França: em primeiro lugar, a corrupção da moralidade e dos costumes. A luta pela abolição de certos vícios levou a excessos em outros, ainda mais danosos. As instituições já existentes na França, como a religião e a monarquia hereditária, só precisavam de algumas reformas para voltar a ser fortes e saudáveis. Porém, a Revolução Francesa, desde o início, desprezou-as, ao procurar destruir o edifício já existente para criar um novo, sem se preocupar com as gerações anteriores e posteriores. Para o autor, os revolucionários podem ter subvertido a monarquia, mas não recuperaram a liberdade.
2.3. A usurpação e o abuso de poder foram outro aspecto criticável da França revolucionária. O pensamento burkeano considera o poder o maior dos males, pois pode corromper e não gerar resultados mais satisfatórios do que teria se fosse limitado. Os arbítrios são especialmente perigosos quando há ingerência nos meios de subsistência do povo (p. ex., a agricultura), o que leva à sua defesa veemente dos direitos de propriedade privada.
2.4. Outro erro dos franceses foi superestimar a Razão humana. Burke é contrário a um sistema moral sintético e planejado, algo muito comum entre os racionalistas do século XVIII. Para ele, um governo que se guia por idéias abstratas tende a ser mais arbitrário e tirânico. O espírito de inovação tende a ter uma perspectiva restrita e ser egoísta. O autor possuía, portanto, uma postura anti-racionalista: a razão humana é limitada, e não é capaz de organizar a sociedade com especulações filosóficas.

3. A importância dos costumes

3.1. Os costumes são a bússola que nos guia. A cultura moderna deve mais do que gostaria a eles. A prosperidade depende de princípios protetores naturais. Devemos nos guiar por preconceitos, ou seja, pelo que há de bom e sábio no senso comum. Uma revolução nos sentimentos e opiniões é desnecessária, e poderia ser catastrófica.
3.2. A religião impõe aos cidadãos a responsabilidade por seus atos perante Deus, o fundador da Sociedade. Ela aproxima o homem da perfeição, dando-lhe o sentido moral para sua existência. Garantem-se, assim, os sentimentos e valores primitivos e contínuos da humanidade.
3.3. Para Burke a jurisprudência é a razão acumulada dos séculos. Baseada na tradição do direito consuetudinário, ela garante a estabilidade e um terreno sólido para a justiça, assim como conserva a propriedade.
3.4. O Estado é uma associação não só entre vivos, mas também entre os mortos e os que irão nascer. Portanto, mesmo estando no reino universal (dos homens), os homens do Estado não estão moralmente livres para seguir suas vontades, quebrar os laços da comunidade e dissolvê-la em um caos anti-social.

4. A Democracia segundo Burke

4.1. A democracia pode ser necessária e desejável, mas esse não foi o caso da França, nem de nenhum governo democrático já existente. Pode-se dizer que a democracia absoluta leva à opressão da minoria (que, com o tempo, poderá se tornar uma maioria submissa), grandes divisões (fracionamento da coisa pública) e a uma severidade ainda maior que a da monarquia absoluta.
4.2. O povo não pode exercer, de baixo para cima, uma dominação contra a natureza, pois não é a medida do bem e do mal. Precisa, aliás, se livrar de suas ambições egoístas e arbitrárias. A autoridade popular, se absoluta e ilimitada, pode levar a abusos de poder. Uma perfeita democracia seria vergonhosa e temível.
4.3. “É mais fácil imprimir valores republicanos em uma monarquia do que qualquer coisa monárquica em formas republicanas” (Boligbroke). A monarquia francesa poderia se corrigir por meio da religião, das leis e da opinião pública; não havia a necessidade de experimentação política, destruindo o que havia de bom e útil.

5. Falhas do poder Legislativo e do Executivo na França revolucionária

5.1. O verdadeiro legislador é sensível e desconfia de si mesmo, e não é arrogante, precipitado e exaltado. Deve-se evitar a ótica do exagero, que mostra vícios e defeitos sem olhar para as qualidades; pois, assim, acirram-se as tensões políticas.
5.2. Como conciliar a obediência e a ordem com a liberdade, para formar um governo livre? Criticar é fácil, resolver as dificuldades demanda habilidade, coragem e vigor. As instituições velhas são julgadas pelos seus efeitos, se atingem suas finalidades. Já as novas precisam responder perfeitamente aos fins buscados. Tal tarefa ambiciosa não foi alcançada pelos legisladores franceses.
5.3. A monarquia francesa não era tão despótica quanto dizem; a ação dos legisladores O rei francês está em uma situação desonrosa: sem autoridade, pois carente de qualquer faculdade deliberativa, e não tem controle sobre as atividades da Assembléia Nacional; sem direito de se opor a nada, já que não pode votar contra os projetos da Assembléia Nacional; e, sem prerrogativas, porque é impedido de, por exemplo, declarar guerra e paz. O único papel que lhe foi dado foi o de carrasco; ou seja, quem manda executar as leis, e sem poder recompensar quem cumpre suas ordens.
5.4. O espírito do medo não faz a glória de uma nação. Trocando em miúdos, o temor em dar prerrogativas de guerra e paz ao rei levará a uma situação indesejável: uma força executiva enfraquecida e ineficiente. Os franceses, ao não constituírem uma forma de autoridade, estão expostos à anarquia e às invasões externas.

6. Conselho aos Ingleses

6.1. Não seguir o exemplo desastroso dos franceses, em que há liberdade para alguns e servidão opressiva para outros. Na verdade, é a França que deveria se espelhar na Grã-Bretanha. Afinal, a Constituição Britânica é privilegiada: possui um espírito patriótico, independente e livre.
6.2. As mudanças devem ser feitas com o intuito de conservar, no mesmo estilo que a construção já existente. Ou seja, fazer a opção por reformas orgânicas, que preservam o que há de bom e ajustam o que pode ser melhorado.
6.3. Como lidar com os valores que herdamos de nossos antepassados? Devemos conservá-los, e imitar a prudência que lhes foi característica. A liberdade não se basta por si só; precisa de sabedoria e virtude. Esta moderação não pode ser vista como covardia e traição, como estão fazendo os revolucionários franceses.
6.4. A tirania, a opressão e a opulência são indesejáveis. Acima de tudo, deve-se manter a ordem, mas variando seus meios de ação para garantir unidade, estabilidade e equilíbrio na sociedade e na política.

7. A influência de Burke sobre o pensamento conservador (e liberal)

7.1. Michael Oakeshott foi um dos principais intelectuais do conservadorismo no século XX. Porém, ele não segue a linha tradicional dessa corrente, pois não fundamenta sua tese em crenças religiosas, uma visão orgânica da sociedade ou um egoísmo inato. Oakeshott acreditava em um temperamento conservador; ou seja, não o considera como teoria ou ideologia, mas sim uma disposição, um comportamento. Conservador seria aquele que tem preferência por costumes e instituições que existem por longos períodos; ou seja, aquilo que já é conhecido e experimentado é mais desejável. Nem toda inovação é um melhoramento, e a mudança é uma ameaça à identidade. Cabe ao governo administrar as regras do jogo, conhecidas e consentidas, e não impor crenças e/ou coordenar, educar seus súditos.
7.2. Para o economista Joseph Schumpeter, no processo político, prevalecem os interesses individuais; portanto, não se pode falar em vontade geral, do povo. Muitas decisões são feitas por motivações irracionais ou extra-racionais. A democracia deve consistir basicamente em um método, em que eleições são disputadas pelas lideranças políticas. Seus temores quanto a uma participação popular ampliada lembram o receio de Burke quanto à autoridade popular.
7.3. José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu, importou as idéias burkeanas para o pensamento político português – e, conseqüentemente, o brasileiro. Anglófilo, defendia doutrinas econômicas liberais, mas politicamente era reacionário e “situacionista”. Defendeu a união de Brasil a Portugal, e acreditava na manutenção dessa unidade por meio de reformas e concessões de ambos os lados, visando às necessidades e opiniões de portugueses e brasileiros.
7.4. Friedrich Hayek se considera ideologicamente um Whig burkeano. Porém, no posfácio de “Os Fundamentos da Liberdade”, ele afirma que não é conservador, pois, segundo ele, tal ideologia é incapaz de elaborar um conceito geral sobre a maneira pela qual a ordem social consegue sustentar-se, tem tendências totalitárias e freqüentemente apela para a base teórica dos liberais ou socialistas. Porém, Hayek apresenta idéias típicas de tal corrente política, como seu tom crítico à democracia e a afirmação de que a razão humana não pode ser utilizada para gerar poderes coercitivos e exclusivos para o governo.
7.5. No Reino Unido, Burke foi um grande referencial para dois dos maiores estadistas do Partido Conservador: Benjamin Disraeli e Winston Churchill. Disraeli foi um dos parlamentares britânicos mais destacados do fim do século XIX. Dotado de uma retórica feroz, defendia os interesses da aristocracia rural e tinha posições protecionistas e imperialistas. Churchill, por sua vez, destacou-se pela sua postura patriótica – e, muitas vezes, belicista. Liderou a resistência do Reino Unido à ofensiva nazista durante a II Guerra Mundial, e como primeiro-ministro era anticomunista e defendia a aproximação com os Estados Unidos e a manutenção do Império britânico.
7.6. Nos Estados Unidos, a influência burkeana se fez sentir na Guerra Fria, quando vários presidentes americanos, especialmente os Republicanos, justificavam sua “doutrina de contenção” a partir de teses de Burke. O comunismo era visto como uma “doutrina armada”, e a URSS, como a nova França jacobina – a potência subversiva do século XX. A política externa americana, em governos como o de Eisenhower, adotou mecanismos de segurança externa e mútua contra as forças comunistas, como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Clamou-se pela defesa da civilização contra os inimigos da ordem e da justiça.

Referências bibliográficas:

BURKE, Edmund. Reflexões sobre a Revolução em França. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1982.
CHÂTELET, François. História das Idéias Políticas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
HAYEK, Friedrich. Os Fundamentos da Liberdade. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1983.
OAKESHOTT, Michael. “Sobre o fato de ser conservador”. IN: CRESPIGNY, Anthony de (ed.). Ideologias Políticas. 2ª edição. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1999.

Sites consultados:

http://causaliberal.com.br/causaliberal/index.php?option=com_content&task=view&id=45&Itemid=25
http://educacao.uol.com.br/biografias/edmund-burke.jhtm
http://en.wikipedia.org/wiki/Benjamin_Disraeli
http://en.wikipedia.org/wiki/Conservatism
http://en.wikipedia.org/wiki/Churchill
http://en.wikipedia.org/wiki/Edmund_Burke
http://partidoconservador.blogspot.com/2007/08/mas-afinal-o-que-isto-de-ser.html
http://partidoconservador.blogspot.com/2007/08/os-inimigos-do-conservadorismo-segundo.html
http://www.arqnet.pt/portal/teoria/burke.html
http://www.arqnet.pt/portal/teoria/burke_lisboa.html

 

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