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Kaio

 

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01 julho 2009

A “Estatalidad”, segundo Nozick, Schumpeter e seus críticos

No Século XX, o Liberalismo teve em Robert Nozick (1938-2002) e Joseph Schumpeter (1883-1950) dois importantes expoentes. Eles participaram de debates sobre temas como Justiça e Democracia. É proposta no seguinte ensaio a discussão de suas contribuições teóricas, tomando como estudo de caso o Estado na América Latina. O que o Libertarianismo e a Democracia Concorrencial, assim como seus críticos, têm a dizer sobre “a necessidade de uma nova ‘estatalidad’” (O´DONNELL, 2004: 190)?

Nozick inicia sua obra categoricamente: “Indivíduos têm direitos. E há coisas que nenhuma pessoa ou grupo pode fazer com os indivíduos sem lhes violar os direitos” (NOZICK, 1991: 9). Inicia, assim, um tratado sobre a função e a justificativa do Estado. Argumenta que “o Estado mínimo é o mais extenso que se pode justificar”, pois “qualquer outro mais amplo” (Ibid., p. 192) fere o direito à propriedade.
Este direito é considerado natural, inviolável e determinado por “princípios históricos” (Ibid., p. 174): a aquisição inicial da propriedade – ou seja, “como coisas não possuídas podem vir a sê-lo” ((Ibid., p. 171); a transferência – o livre mercado; e a reparação – correção de injustiças anteriores à distribuição. Conseqüentemente, “se o conjunto de propriedades é corretamente gerado, não há argumento que dê respaldo a um Estado mais extenso baseado na justiça distributiva” (Ibid., p. 247).
Sobre a “estatalidad”, Nozick e os libertários demonstram cautela quanto a afirmações como esta: “É necessário um Estado capaz de conduzir o rumo geral da sociedade, (...) regular os mercados, (...) estabelecer sistemas de proteção social baseados no princípio de universalidade da cidadania” (O’DONNELL, 2004: 190).
Para o Libertarianismo, as únicas obrigações do Estado são aquelas que dizem respeito à proteção dos direitos individuais, o cumprimento de contratos e a fiscalização. Qualquer outra além desse escopo fere direitos individuais, pois se utiliza de coerção, ao forçar os indivíduos a agir contra suas próprias vontades e habilidades. Portanto, aumentar o Estado, ao invés de aprimorar a democracia e a cidadania, perpetuaria a injustiça. Prejudicaria não só o direito à propriedade privada, ao redistribuir renda através de meios coercitivos (ex.: confisco), como também cometeria “interferência contínua na vida das pessoas” (NOZICK, 1991: 183).
Morresi, contudo, alerta: “Na América Latina, (...) a distopia de Nozick vem se realizando a passos largos”, pois “as reformas neoliberais estão convertendo o Estado em um ente raquítico, incapaz de enfrentar os interesses predominantes no mercado” (MORRESI, 2002: 296). Para ele, o Libertarianismo "serve de sustento à permanência e à expansão dessas iniqüidades" (Ibid., p. 295) nos países latino-americanos. O problema não residiria no excesso de Estado, mas na fraqueza e ineficácia do mesmo em combater as desigualdades socioeconômicas e a exclusão da maior parte da população dos direitos de cidadania. Logo, buscar uma nova “estatalidad” seria legítimo.

Schumpeter afirma que não existe uma vontade do povo, pois, "para diferentes indivíduos e grupos, o bem comum provavelmente significará coisas muito diversas" (SCHUMPETER, 1961: 301). No processo político, prevalecem interesses individuais. Conseqüentemente, há “ausência de uma vontade eficaz” (Ibid., p. 312); “o cidadão típico tenderia na esfera política a ceder a preconceitos ou impulsos irracionais ou extra-racionais” (Ibid., p. 313).
A democracia, para Schumpeter, é apenas um método de tomada de decisões políticas. Há eleições entre elites concorrentes, e a participação do indivíduo se resume ao momento do voto. “O método democrático é um sistema institucional (...) no qual o indivíduo adquire o poder de decidir mediante uma luta competitiva pelos votos do eleitor” (Ibid., p. 321). O princípio, então, passa a ser a vontade da maioria.
No caso latino-americano, a argumentação schumpeteriana questionaria o conceito de democracia contido em “estatalidad”. Que tipo de cidadania é almejado? Até que ponto ela realmente atende ao bem comum? Buscar uma maior participação política, mesmo quando bem-intencionada, não atenderia às vontades dos cidadãos: o "resultado pode ser igualmente desagradável, embora por diferentes razões, a todo o povo" (Ibid., p. 305). Sendo assim, uma radicalização da democracia se choca com as dificuldades em articular interesses entre os grupos sociais.
Há, no entanto, críticas à concepção de Schumpeter. Segundo Miguel, ele é o elo entre a Teoria das Elites e uma conservadora concepção de democracia. Nela, o processo eleitoral deixa de ser o meio para ser o fim democrático em si. Exalta-se a “apatia política" como contraponto ao "excesso de participação" (MIGUEL, 2002: 503). Com isso, “se reerguem as vozes dos que afiançam que” a desigualdade “é ‘natural’ e ‘eterna’” (Ibid., p. 486). Porém, para Miguel, a “estatalidad”, assim como a democracia participativa, não seria inviável, pois “a idéia de ‘governo do povo’ – no sentido da igualdade efetiva na tomada das decisões públicas – insiste em permanecer à tona" (Ibid., p. 506).

Os ceticismos de Nozick e Schumpeter, em relação a Estado e democracia, são movidos por concepções de natureza humana distintas. O libertário americano considera o indivíduo como dono absoluto de seus talentos; portanto, deve ser insubmisso a uma autoridade externa que fere sua liberdade individual. Já para o liberal austríaco, o problema é a bestialização: "o cidadão típico cai para um nível mais baixo de desempenho mental assim que entra no campo político. Argumenta e analisa de maneira (...) infantil” (SCHUMPETER, 1961: 313).
Esses diferentes pressupostos os levam a conclusões variadas. Nozick acredita que ter utopias é desejável. Comunidades independentes podem existir, contanto que não prejudiquem umas às outras e nem aos direitos dos indivíduos que as compõem; ou seja, eles devem ser livres para sair delas quando assim desejarem. Já Schumpeter quer o mínimo de participação política porque, como contemporâneo a regimes totalitários, temia mobilizações de massa que levassem a perigosas convulsões sociais - e que, em última instância, ameaçam a liberdade civil.
Ambos, portanto, discordariam da “estatalidad”, mas por motivos diferentes. Os libertários acreditam que a América Latina não resolverá seus problemas através de uma justiça distributiva que não respeite a propriedade privada e a autonomia dos indivíduos. Ou seja, combater problemas socioeconômicos envolve o respeito às liberdades e direitos individuais. Já os “democratas concorrenciais”, mais conseqüencialistas, não encontram viabilidade em reformas que visam à maior participação e deliberação, pois ambas exporiam desavenças e desarticulação de interesses, que só prejudicariam a eficiência e estabilidade do método democrático.

Um desfecho para este ensaio, mesmo não lançando respostas definitivas ao problema discutido, está contido em “A Volta do Idiota”, livro que comenta o fortalecimento das esquerdas na América Latina:

“Em geral, os latino-americanos (...) acham que a função principal do governo é repartir as riquezas para alcançar sociedades mais justas e eqüitativas. (...) Simultânea e contraditoriamente, os latino-americanos costumam ter a pior opinião possível da classe política e do método democrático de governo. (...) Na América Latina existe um profundo divórcio entre a sociedade e o Estado, o que explica o surpreendente apoio que os golpistas obtêm quando tomam o poder pela força. (...) Os latino-americanos simplesmente não sentem que lhes tiraram algo que lhes pertence ou os beneficia” (LLOSA, MENDOZA e MONTANER, 2007: 215)

Referências bibliográficas:

LLOSA, Álvaro Vargas; MENDOZA, Plinio Apuleyo e MONTANER, Carlos Alberto. “A Volta do Idiota”. Rio de Janeiro, Odisséia, 2007.
MIGUEL, Luis Felipe. “A Democracia Domesticada: Bases Antidemocráticas do Pensamento Democrático Contemporâneo”. Dados – Revista de Ciências Sociais, vol. 45, nº 3, 2002.
MORRESI, Sergio. “Robert Nozick e o Liberalismo Fora de Esquadro”. Lua Nova, nº 55-56, 2002.
NOZICK, Robert. “Anarquia, Estado e Utopia”. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1991.
O’DONNELL, Guillermo (em colaboração com Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas). “A Democracia na América Latina: Rumo a uma Democracia de Cidadãs e Cidadãos”. São Paulo, LM&X, 2004.
SCHUMPETER, Joseph. “Capitalismo, Socialismo e Democracia”. Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1961. Versão online disponível em Ordem Livre.

(P.S.: Minha prova de Teoria Política Contemporânea)

 

Comentários:

 

 

Puta merda cara, parabéns! Conseguiu seu amor =)


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